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(JPP)
COISAS DA SÁBADO: UM OLHO CEGO E OUTRO QUE VÊ
A Quercus protestou contra a instalação de uma unidade de aquacultura da Pescanova numa zona protegida pela rede Natura, chamando a atenção para que o mesmo projecto tinha sido impedido em Espanha. Provavelmente tem razão, e é bom que a Quercus ou qualquer outro grupo ambientalista mantenha um olho aberto face à destruição acelerada do nosso ambiente. Só que uma passagem pelo sítio da Quercus na Rede e uma leitura do seu balanço do melhor e do pior de 2006 mostra como há um outro olho firmemente fechado, quando não cego de todo: aquele que não vê a rápida desaparição da nossa paisagem natural com a colocação de aerogeradores, as “ventoinhas” por tudo quanto é monte e linha de horizonte ainda bravio.
Percebe-se infelizmente porquê: trata-se de um grande negócio, um dos grandes negócios dos dias de hoje, fortemente subsidiado, movendo interesses cada vez mais alargados – empresas multinacionais, autarquias, grupos empresariais, e … ecologistas – e que alastra com a mesma velocidade rapace de outros que o precederam. A velocidade das eólicas é semelhante na sua imposição de situações”económicas” de facto à construção civil, ao urbanismo selvagem, às suiniculturas no tempo em que davam dinheiro fácil. Existem, como é óbvio, recomendações europeias, muito tímidas aliás, sobre os efeitos de degradação do ambiente, poluição sonora, destruição da linha da paisagem, etc, mas nem essas débeis resoluções recebem qualquer atenção dos nossos ecologistas que vendo tudo em todo o lado, sapos e cogumelos, isótopos e transgénicos, não vêm o caos que está a ser a colocação de aerogeradores em tudo quanto é cumeada livre e com vento.
Não se trata de ser contra a energia eólica – sou completamente a favor – mas de prevenir para que a vontade de dinheiro rápido e fácil não exerça o mesmo efeito de degradação de bens nacionais, acrescentando mais uma camada ao caos paisagístico português.
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Tomada de posição da Quercus há 3 anos:
O adequado aproveitamento das energias renováveis, a par de uma melhoria substancial da eficiência energética, é fundamental para garantir um desenvolvimento mais sustentável no nosso país. A energia eólica, que possui em Portugal um grande potencial de crescimento, será motivo de um enorme investimento nos próximos tempos que deverá fazer aumentar muito a sua capacidade de produção eléctrica (dos actuais 300 megawatts de potência instalada para 3750 previstos até 2010). Este rápido crescimento dos aproveitamentos eólicos, promovido pela necessidade de Portugal produzir 39% da sua energia eléctrica a partir de fontes renováveis de energia até ao ano de 2010 e reduzir os níveis de emissão de gases com efeito de estufa, significará uma pressão cada vez maior sobre as Áreas Protegidas.
Considerando que as Áreas Protegidas e os Sítios da Rede Natura 2000 são espaços fundamentais para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade em Portugal e tendo em conta que o Governo, através de um despacho recentemente publicado, demonstrou claramente pretender facilitar a instalação de parques eólicos nestes importantes espaços do território português, a Quercus considera oportuno tecer algumas considerações sobre o assunto:
1 - O desenvolvimento das energias renováveis e a melhoria da eficiência energética devem ser fortemente incentivados por forma a diminuir o recurso aos combustíveis fósseis que têm vindo a agravar a poluição atmosférica e as alterações climáticas.
2 - A energia eólica tem um papel fundamental na conquista de um desenvolvimento sustentável para Portugal, pelo que deverá ser alvo de um maior aproveitamento ao longo do território nacional.
3 - Todas as formas de produção de energia eléctrica, incluindo as energias renováveis, podem ter efeitos negativos sobre o Ambiente pelo que devem ser sempre objecto de avaliações adequadas, antes, durante e depois da implantação, por forma a evitar ao máximo os seus efeitos indesejáveis.
4 - A instalação de parques eólicos em Áreas Protegidas, particularmente nas zonas mais sensíveis, pode ter implicações negativas relevantes sobre a preservação dos habitats, das espécies e da paisagem, nomeadamente devido à abertura de novos acessos e à colisão de aves e morcegos com as hélices.
5 - A instalação de parques eólicos deve ser feita preferencialmente fora das Áreas Protegidas, pelo que será importante ter em conta a distribuição das potencialidades eólicas ao longo de todo o território nacional por forma a projectar os aproveitamentos evitando as zonas naturais mais vulneráveis.
6 - A Avaliação de Impacte Ambiental para a instalação de aproveitamentos eólicos em zonas dedicadas à Conservação da Natureza deve ter em conta os efeitos cumulativos com outros já existentes ou previstos e incluir os adequados estudos de localização alternativa.
7 - Devem ser identificadas zonas chave para a conservação da diversidade biológica (particularmente da avifauna) e das paisagens naturais ao longo de todo o território nacional, nas quais deverá estar excluída a hipótese de instalação de parques eólicos.
8 - O aumento da produção de energia eléctrica através de recursos renováveis não atingirá os objectivos pretendidos caso não sejam implementadas medidas urgentes para diminuir a procura de energia, a qual tem vindo a aumentar em cerca de 5% ao longo dos últimos anos.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2004
A Direcção Nacional da Quercus- Associação Nacional de Conservação da Natureza
Etiquetas: ambiente, eólicas, paisagem, Quercus