ABRUPTO

26.12.06


PERGUNTAS ENTRE O ESPAÇO E O CIBERESPAÇO 8
(Actualizadas)

Texto em movimento, V. 1

8. A pergunta do Coelho Branco na Alice no País das Maravilhas (Continuação)

Marcadores do tempo no espaço / ciberespaço.

O tempo no ciberespaço é "biológico" e catastrófico. O quadro em baixo é o do número de blogues seguidos pelo Technorati e a ponta da linha ainda não descansou em qualquer planalto. O mesmo acontece com o gráfico do crescimento da Internet. Gráficos assim retratam normalmente actividade biológica, infecções, epidemias, momentos que precedem catástrofes, a queda de um avião, o colapso de uma ponte, a ruptura de uma estrutura.

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O ciclo de desenvolvimento do ciberespaço é muito parecido com o da infestação do escaravelho do pinheiro (Dendroctonus ponderosae), um exemplo, entre muitos, de um ciclo biológico rápido.


Haverá também nesta aceleração um momento de colapso? Certamente. A nossa percepção da "rapidez" vem do cada vez maior confronto entre o tempo biológico e o modo como o "lemos" psicologicamente face ao tempo do mundo. Quanto mais rápido é o tempo, menos o controlamos e de mais máquinas precisamos para o controlar (mais à frente voltamos a este ponto). Haverá um momento de ruptura quando o tempo do mundo (do espaço e do ciberespaço) for impossível de acompanhar pelos sentidos. Já não o acompanhamos pela Razão - não há tempo para pensar, não se pára para pensar num mundo afectivamente envolvente e apressado - mas ainda o fazemos pelo Pathos. Até breve. Até já. Já.
De há duzentos anos para cá, vivemos assim no mundo ocidental, o que traz os relógios mais acelerados. De há uns dez anos para cá, vivemos ainda mais depressa dentro da Rede, onde tudo muda muito rapidamente. Quando se está no meio da curva ascendente o tempo é sempre rápido, tudo se transforma à nossa volta, a memória encurta-se, falta-nos tempo como ao Coelho Branco da Alice no País das Maravilhas. Para se parar o tempo, é preciso uma grande violência e só se consegue por breves momentos, antes de ele começar a correr como o Coelho, fugindo-nos. Lembramo-nos? Quase nada. Arquivamos, mais do que recordamos, e depois não vamos aos arquivos.

Tudo é rápido: a Moda.

No espaço, e ainda mais depressa no ciberespaço, as imagens retratam a velocidade da mudança. Para vermos a rapidez do tempo nos nossos dias, a Moda pode servir de marcador. Identificamos um filme no tempo, por década, com facilidade, pelo modo como se vestem as personagens, pelos toucados das senhoras, pelo cabelo dos homens, pelas cores dominantes, pela quantidade de pele à vista. A Moda também existia no passado, mas era muito lenta, arrastava-se por centenas de anos sem grandes novidades.

Trinta anos separam este vestido de Schiaparelli das roupas de Mary Quant, mas nós somos capazes de perceber que o primeiro entra, usando a classificação do correio do GMail, no "Mais Antigas" e o segundo no "Antigas". Ambas são imagens do século passado.

Elsa Schiaparelli, 1937: lamé dihabille. © Bettmann/CORBIS. Mary Quant (right) with three of her designs, 1968. © AP/Wide World Photos.

Na categoria GMail de "Recentes", a fotografia de Margarida Rebelo Pinto que ilustra a sua crónica do Sol é muito representativa. Como todo o presente, está muito cheia de significado: cheia de Moda. Densa, intensa, falando por todos os poros da roupa. Aquela roupa não se usava há dois anos (há dois anos Margarida Rebelo Pinto far-se-ia fotografar numa saia de folhos e não nuns calções de ganga), e está a começar a deixar de se usar. Está por isso cheia de presente e a escoar-se para o passado, ou seja, a ficar fora de Moda. Quanto mais presente, quanto mais na Moda, quanto mais rapidamente fora de Moda. Num ano, a fotografia acabará por ter que ser mudada ou ficará retro.
São as mulheres portadoras de um tempo da Moda mais rápido do que o dos homens? Tudo indica que sim, pelo menos nos últimos cinquenta anos. A roupa das mulheres envelhece mais depressa, precisa de mudar mais vezes, marca com os seus sinais um tempo mais curto. É um dado cultural que pode vir, ou estar a, mudar, mas que para já é um facto.

Trabalho de Casa: na Rede, que blogues envelhecem mais rapidamente, os que têm género ou os que não têm? Ou, o que é quase a mesma coisa, os de homens (sem género) ou os de mulheres (que se classificam como tendo muito género)?
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Os gráficos que apresentou o que têm em comum é a mesma função matemática, neste caso uma exponencial crescente. A função exponencial é a que descreve o tipo de fenómenos em que a taxa de crescimento de uma quantidade, num dado momento, é proporcional à própria quantidade já existente nesse momento. Matematicamente isso representa-se por uma (assim chamada) “equação diferencial de 1ª ordem”.

Só uma nota, que deve considerar curiosa, e suscitada pelo leitor José Carlos:
Muitas vezes estes processos, além de se caracterizarem por uma taxa de crescimento proporcional ao próprio valor da grandeza em si, têm uma segunda característica: uma outra taxa, de decrescimento, proporcional à taxa de crescimento anterior. Matematicamente isto define uma “equação diferencial de 2ª ordem”.
Aplica-se ao processo de crescimento de muitas espécies de seres vivos, em que a tal segunda taxa de decrescimento exprime o efeito dos predadores. Assim, por exemplo como sucede com certas espécies de peixes, eles inicialmente reproduzem-se exponencialmente, mas com isso também proliferam os predadores que os comem, até haver tantos que a população inicial dos peixes comestíveis deixa de crescer e depois começa a diminuir. Com isto, por sua vez, os predadores passam a ter escassez relativa, e a sua população também diminui, o que vai permitir novo ciclo de crescimento dos peixes iniciais.
Traduz isto o facto de uma equação diferencial de 2ª ordem ter muitas vezes uma solução sinusoidal... ?
Claro que em matéria de blogues o provável é a curva em S característica dos produtos tecnológicos, e não a sinusoidal.
Os especialistas sabem que é fácil investir em negócios tecnológicos que estão na fase ascendente do S, como foi a informática há algum tempo. Convém no entanto ter a noção que um crescimento de negócios numa tecnologia em ascensão pode não significar nenhuma capacidade duradoura de lá se manter quando se atingir o ponto de viragem do S, como mais uma vez o exemplo nacional na informática é exemplo infeliz. Sucede isto por que também aqui há uma taxa de decrescimento proporcional à taxa de crescimento, resultante do efeito da concorrência. Matematicamente isto traduz o facto de uma outra solução possível da equação diferencial de 2ª ordem ser uma função que inicialmente cresce, para depois decrescer definitivamente. O processo limita-se a um “overshoot”, ou sobressalto, e também há muitos exemplos disso nas questões sociais. O exemplo que melhor me ocorre é o do INESC, que cresceu esplendidamente nos anos 80, para depois ser desgastado quase até à extinção pelo conservadorismo nacional, quando se acabaram os fundos da UE...
Para conseguir sobreviver na fase estabilizante do S, é preciso ser mais forte que a concorrência, como sucede entre os predadores dos peixes.

(Pinto de Sá)

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Além dos exemplos que apresentou, referiria que em geral essa lei se aplica a todos os processos de crescimento de populações de seres vivos e a muitos outros, como o da aprendizagem ou o do aperfeiçoamento de um novo produto e sua implantação no mercado. Compreenderá, portanto, o prazer que dá o poder da matemática!

Porém, mesmo matematicamente, os fenómenos são mais complexos e o crescimento exponencial só os pode caracterizar por algum tempo limitado. O escaravelho do pinheiro, por exemplo, só pode crescer até matar o pinheiro. O mesmo se pode extrapolar relativamente ao consumo dos recursos petrolíferos do planeta. Em muitos casos, entretanto, a função evolui a partir de certo valor para uma redução da taxa de crescimento até à estabilização, evolução representável por uma curva em S. É o que acontece com a generalidade dos produtos baseados em novas tecnologias e é certamente o que acontecerá com a proliferação de blogues. Normalmente quando um produto entra na fase amortecida do S, um novo produto aparece que inicia a sua fase de crescimento exponencial.

(Pinto de Sá)

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Escreveu no seu texto «A pergunta do Coelho Branco na Alice no País das Maravilhas (Continuação)» que «[g]ráficos assim retratam normalmente actividade biológica, infecções, epidemias, momentos que precedem catástrofes, a queda de um avião, o colapso de uma ponte, a ruptura de uma estrutura.» A linguagem empregue parece-me ser a de alguém que já esteve exposto à Teoria das Catástrofes, de René Thom, o qual a divulgou precisamente num livro sobre Biologia (chamado «Estabilidade Estrutural e Morfogénese»). Devo observar que crescimento exponencial é algo que se manifesta também em fenómenos não biológicos; caso contrário, não teríamos energia nuclear, que depende de reacções em cadeia. Por outro lado, e regressando ao âmbito dos fenómenos biológicos, um tipo de crescimento que começa por parecer exponencial é o do crescimento de uma população num ambiente livre de predadores. Inicialmente o crescimento é exponencial, mas estabiliza numa fase posterior, quando a alimentação começa a escassear. Veja os gráficos que lhe envio. O primeiro tem todo o aspecto de um crescimento exponencial, mas o segundo (que contém o primeiro do seu lado esquerdo) mostra uma fase posterior de estabilização. Este tipo de crescimento tende para um ponto de equilíbrio, que corresponde à situação na qual a alimentação disponível é suficiente para sustentar a população já existente mas sem permitir que esta aumente.

Questão: quando é que se chegará a uma situação análoga no caso da Internet?

(José Carlos Santos)

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A moda avança aos saltos. Se assim não fosse (se se actualizasse em cadeia deslizando em vertente suave) ninguém se aperceberia que a moda tinha passado e que estava fora de moda. É por isso que a moda é cíclica. À boca-de-sino segue a calça-à-campino, ao umbigo à mostra segue a "camisa-longa". Como na área, ao contrário do que parece, a criatividade e a imaginação não são infinitas, vão-se buscar ideias novas a velhas modas e maquilha-se com pós-do-tempo. Temos assim a nova moda e podemos ver gente moderna a usar uns trapinhos romanos ou góticos.
Por isso, quem está na moda está mais longe de vir a estar na moda. O tempo que vem é o mergulho nos tempos de antanho. Quando a moda passa, fruto da autofagia dos aderentes, os fazedores da moda, para baralhar e fazer pairar no tempo os carentes, atiram-nos para longínquos, aleatórios e anacrónicos buracos negros que os sugam até a densidade interior (a moda) se aproxime do exterior amodal da multidão.

(vgcardeira)
ANEXOS E COMENTÁRIOS

6. A pergunta de Clausewitz

Ver http://www.potomacbooksinc.com/images/covers/1574889842_cf150.jpg

C.E. Wood, Mud. A Military History sobre o "General Lama", uma variante do "General Inverno".

7. A pergunta do Coelho Branco na Alice no País das Maravilhas
Conversar s/ o tempo em tempo de Natal, não deixa de ser curioso, até porque as iconografia de Natal é se calhar também um bom marcador da aceleração do tempo. E pessoalmente dou-me mal com a “orgia” em que o Natal se tornou. Já não há tempo p/ o gozar. Quando o seu leitor diz que estamos mais libertos do relógio (e de facto há gente que já não usa relógio de pulso, ou seja já não usa um aparelho cuja exclusiva utilidade é medir o tempo) está a esquecer o factor “acelerador” que a dita liberdade traz. E por consequência uma nova forma de dependência. Já não há horas. As noticias são cada vez mais instantâneas, não só no sentido temporal como no sentido mousses Alsa. Basta ver alguns erros de Português nas noticias on-line ou de rodapé televisivo p/ perceber que o instantâneo ganhou ao produzido. Deixamos de ser escravos do relógio mas, qual atleta de uma qualquer corrida, mas passámos a ser escravos do cronometro. Antigamente éramos escravos das horas dos telejornais e das edições do jornais, hoje somos escravos permanentes dos cronómetros dos alertas de noticias on-line. Isto se quisermos estar a par do mundo. E no mundo do trabalho em geral esta “liberdade” está a destruir as fronteiras do tempo pessoal e do tempo profissional. E é este ultimo que está claramente a ganhar terreno. Claro que também existem vantagens ao nível pessoal, mas o resultado global não está a ser favorável à vida pessoal. Pegando no exemplo do seu leitor, “quando terá o professor tempo p/ a sua vida pessoal?”.

Durante quanto tempo aguentaremos este cerco e este ritmo é uma incógnita.
Basta lembrar que nenhum atleta vive toda a vida contra o cronometro. Em dada idade muda devida. Por isso estes tempos orgíacos (excesso de nformação, excesso de bens, excesso de coisas p/ serem vividas, etc.) terão de terminar, isso é uma certeza, e que não será uma “softlanding”, poucas duvidas restam, tirando alguns ingénuos que ainda acreditam no Pai Natal. Exceptuado a componente tecnológica dos dias que correm, o império romano caiu de forma idêntica. Pelos excesso internos que a riqueza arrasta e não pelos inimigos externos. Claro que o tempo na época era bem mais lento e o dito império durou 1000 anos, nestes tempos mais acelerados, o império tecnológico que estamos a viver iniciado na revolução industrial durará muito menos tempo...o que se lhe seguirá? Se alguém tiver alguma hipótese de resposta ficaria muito agradecido?

Mas o que se seguiu ao fim do império romano não augura nada de bom...ou pelo menos de soft...que tempos virão atrás do tempo que corre...

(Miguel Sebastião)

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Vinha um dia destes de Manhattan para New Jersey no PATH quando constatei ser cada vez menor o número de pessoas com relógio no pulso. Descobriu-o porque há anos que também no meu pulso não se vê relógio e nos túneis do PATH o telemóvel perde o sinal de rede.

A solução mais expediente nessas alturas é ver em volta se há alguém que ainda usa relógio e confirmar com uma espreitadela que estamos de facto atrasados. O relógio-objecto migrou para outros objectos (telemoveis, PDAs, computadores, etc). Segundo uma reportagem que vi na CNN sobre o futuro próximo, parece ser também esse o destino dos computadores: desaparecerem da vista e migrarem para outros objectos, como já estão nos automóveis pasarem a estar na roupa, nas paredes, nos passeios...

Se o tempo está sempre presente nas nossas vidas, o facto é que cada vez menos as escraviza. Já não é obrigatório os Telejornais terem que ser vistos religiosamente às 20 horas. Já ninguém está para isso... Todas as estações generalistas têm páginas na Internet, onde as imagens podem ser vistas antes de serem transmitidas nos Telejornais. As estações por cabo, como a CNN e a Fox, têm noticiários contínuos, que podem ser também vistos na Internet. Os próprios jornais têm reportagens de vídeo que podem ser vistas online sobre os principais acontecimentos.

As séries mais populares podem ser vistas a qualquer hora nos computadores e até nos iPod. É o espectador que decide a que horas vai ver o quê. O mesmo se passa já com o ensino. A aula está sempre disponível online, bem como o acesso ao professor, que por e-mail esclarece as dúvidas dos alunos e os avalia.

O tempo continua a reger as nossas vidas, mas somos cada vez menos escravos do relógio.

(Manuel Ricardo Ferreira)

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