ABRUPTO

24.10.06


PARA UM DEBATE SOBRE A "RIVOLUÇÃO"



1. O ESTADO COMO ÁRBITRO DO GOSTO E DA QUALIDADE CULTURAL

Acta de reunião da Comissão de Apreciação do Concurso para Apoio a Projectos Pontuais no âmbito das Actividades Teatrais de Carácter Profissional, de 11 de Abril de 2006:
"Entendeu ainda a comissão recomendar uma revisão da ponderação dos diversos critérios que são tidos em conta na classificação dos projectos. Com efeito, o regulamento actualmente me vigor contempla sete critérios dos quais três, apenas, com a classificação de 0 a 10, incidem sobre a qualidade e sustentabilidade artística dos projectos, correspondendo-lhe assim um total de trinta pontos (de cada membro) em 55 pontos atribuíveis. Os restantes quatro critérios incidem sobre aspectos que se prendem sobretudo com a vertente da produção executiva (públicos e comunicação) e com a vertente administrativa e financeira (orçamento, parcerias e apoios), sendo pontuados com um máximo de 25 pontos nos 55 pontos atribuíveis. Sem descurar a vertente da produção e da administração, entende a comissão que os aspectos artísticos deveriam contar com um peso de cerca de dois terços, ou seja, não 30, mas 40 pontos, reduzindo os outros quatro critérios para 20 pontos, ou seja, cerca de um terço. Caso contrário, o concurso traduz-se mais num concurso a projectos com boa produção e administração do que a projectos com elevada qualidade artística."
(Sublinhados meus.)

2. QUANDO OS "PÚBLICOS" NÃO SÃO TIDOS EM CONTA

Retomando o tema da programação cultural do País, e especialmente do Porto, e do 'completo "divórcio" entre a cultura subsidiada e o público', interessará talvez analisar alguns números sobre os espectáculos musicais previstos para o mês de Outubro, nesta cidade.

Somando os espectáculos musicais do Coliseu do Porto, Casa da Música (apenas Sala Suggia, a principal), Rivoli Teatro Municipal e Teatro do Campo Alegre, temos que nenhum dos grupos actuantes está no top semanal da Associação Fonográfica Portuguesa, apenas 3 deles podem ser considerados "mainstream" (por muito discutível que seja a definição, são apenas estes os grupos conhecidos pela generalidade do público) e o conjunto Música Clássica + Música Barroca representa 48% do total da programação, sendo ainda que estão previstos mais espectáculos de música popular brasileira do que de pop/rock português.

O problema não está em haver um número elevado de espectáculos de música clássica, e uma oferta suficiente de jazz e música barroca, até porque a sua qualidade é inquestionável, com protagonistas como a Orquestra Nacional do Porto. O problema está no desequilíbrio entre a programação tendencialmente mais elitista e aquela que é mais comercial, mais "mainstream", desequilíbrio este muito provavelmente explicado pelo rótulo de "cultura menor" que é colado a tudo aquilo quanto vende um número significativo de CDs.

Não havendo na cidade do Porto salas de espectáculo de dimensão significativa para além das enumeradas, não seria de esperar que, pelo menos essas, servissem também para criar utilidade para uma porção significativa do público portuense, em lugar de o fazerem apenas para minorias? Não será isto, a ausência de uma programação atractiva para as massas, uma razão maior para o progressivo esvaziamento do centro da cidade, que agora tanto se discute?

(Artur Vieira)

*

Acredito que este seja apenas mais uma reacção aos acontecimentos que se deram no Porto. Mas penso que nunca são amais.

Neste processo todo que está a ser a privatização da gestão e programação do Rivoli e a sua contestação há muito sumo a tirar.

1-Começando pelas resoluções tomadas.
Desde a criação da Culturporto que o Rivoli se aproximou muito da população porque havia espaço para todo o tipo de espectáculos. Não havia portanto uma exclusividade para apresentações de pequenos grupos ou elites das artes.
Rui Rio quando "entrou" para a CMP consegue, devagar, ir tirando poderes à Culturporto a todos os níveis: financeiros, de decisão e políticos. Consegue, como resultado, tornar o Rivoli numa sala sem programação que só à pouco tempo, com casos flagrantes pela sua dimensão como o fim do Festival de Jazz, o fim do Festival de Marionetas (que finalmente ressurgiu) e os problemas criados ao Fantasporto, se tornou claro!
Tendo-se tornado o Rivoli numa sala sem possibilidades de programação é fácil entender a privatização do teatro para que se consiga encher a casa. Porque é também fácil pensar que uma sala cheia é o resultado imediatamente pretendido (assunto que retomarei mais à frente).
Quando um grupo de pessoas ligado às artes do espectáculo se manifesta, da forma que entendeu melhor (podemos não a entender como melhor, é certo) para que consiga voz, o que se passa então? O presidente toma (continua com) uma posição altiva e remete-se ao silencio nunca prestando declarações – posição que salienta ainda mais a ausência de discussão sobre o assunto ANTES da tomada de decisão da privatização apostando na segurança que a maioria lhe dá. No meu entender uma prova de abuso de poder. O grupo não se fecha no Rivoli mas como não sai é fechado lá dentro e o corpo de seguranças é duplicado (para quê? Com medo de destruição da casa, ou para intimidação? Não sei.). É-lhes dada a responsabilização do encerramento das salas de espectáculo assim como do café e do café concerto, que foi claramente recusada. O grupo fechado nunca tentou impedir o funcionamento do Rivoli e abertamente diz que se podem dar os espectáculos. Luís Represas e a Lions Club da Boavista (a organizadora do concerto de beneficência) não afastaram a hipótese de realizar o concerto, sendo da câmara a responsabilidade de mudar o evento para a Casa da Música.
Mais tarde a câmara cria aquilo a que chamo um cerco medieval, literalmente. Corta o acesso do grupo com o exterior fechando as portas de vidro – até a única frincha de uma porta que fechava mal foi mandada apertar – e a electricidade. Resultado pretendido: era muito difícil a comunicação directa e as baterias dos portáteis e telemóveis acabaram, o isolamento era total. Mais tarde deixa de ser possível passar comida pela porta dos artistas às horas antes definidas cortando depois a agua. Resultado pretendido: a falta de condições de sobrevivência mínimos que dificultassem a manutenção no espaço. (Mas, pergunto-me a pergunta banal por não me lembrar de outra, o que é a democracia afinal e em que ano é que vivemos?). O processo continua e provavelmente novos episódios surgirão.
À parte o Rivoli vemos a CMP, ainda antes deste episódio, legislar ou decretar que qualquer entidade que receba subsídios da câmara não poderá fazer críticas ou afirmações públicas que a ponham em causa.
Penso que não é difícil entender a preocupação que é ter a governar quem toma estas atitudes, e penso que é grave deixar que se tomem decisões desta importância exclusivamente por uma pessoa assim.
Não será ainda legitimo que pessoas ligadas às artes do espectáculo, que trabalham, vivem e pensam na área tenham direito a exigir participação na decisão do futuro de um espaço público? Penso que ninguém, mais do que eles, tem esse direito. Não serão também pessoas das artes do espectáculo credíveis nesse assunto?

2- O que implica e o que se perde com a privatização.
Pensar que a câmara tem gastos com o Rivoli insuportáveis numa altura de contenção e que a "programação atractiva para as massa" vai oferecer a um público maior o que ele quer, leva-nos sem dúvidas a pensar que este é o melhor caminho.
Digo, desde já, que posso estar muito errado, mas, aprofundando um bocado mais o assunto, estes valores podem pesar menos.

Com uma entidade privada a gerir o Rivoli, esta vai querer lucros, é óbvio. Para tal ela já não conta com despesas de aluguer do espaço e de todo o equipamento necessário nem com a agua, a luz, a limpeza, a manutenção e penso que os funcionários pagos pela câmara. Os lucros virão do maior número de pessoas que conseguirão chamar aos seus espectáculos. Já sabemos que para isso tem que haver uma programação que lhes agrade. As artes do palco entram assim no mesmo caminho que a televisão e entramos na discussão que esta criou há muito tempo. A programação está com uma qualidade miserável exclusivamente pela procura de audiências? Será que a qualidade de um programa deixa de ser má quando é "atractiva para as massas"?
Estas e muitas outras perguntas podem formar uma reflexão muito próxima daquela que deve ser feita ao privatizar o Rivoli.
Eu pessoalmente penso que a qualidade da programação televisiva está má devido à procura de audiências e que o facto de um programa ser apreciado por um grande publico não faz dele um bom programa.

Penso também que um serviço publico de artes do espectáculo, ao contrario de um serviço privado, por se afirmar de todos (embora desacredite muito) é um serviço que me permite exigir qualidade e responsabilidades. É um espaço que permite a criação de eventos de todos os tipos e que tem o dever de agradar também às minorias.
Os grupos pequenos podem ser: um grupo que utiliza uma linguagem própria com actividades vulgarmente conhecidas como de difícil compreensão, por isso de um publico de minorias (que geralmente são tentativas da tão afamada quebra de limites ou exploração máxima da área, e expansão de conhecimento que romanticamente se proclamam de vanguardas que com ou sem sucesso são muito importantes); um grupo que está a crescer e precisa de plataformas de projecção; um grupo pequeno que, por reacção, não quer crescer; um grupo simplesmente pequeno.
Todos estes grupos têm valor e são parte de uma máquina de criação que não é exclusiva das grandes produtoras, portanto com direito e dever à sobrevivência. Têm por isso o mesmo direito de exigir do teatro que é municipal uma gestão municipal e sem vista exclusiva nos lucros.

Entendo ainda que o investimento na cultura deve ser a fundo perdido (sem prever retorno de capital, já que existem outros retornos) assim como nas ciências humanas. Os gastos suportados pela CMP no Rivoli são gastos que devem ter em vista um crescimento cultural da população e um enriquecimento do conhecimento. O investimento na cultura não se trata apenas de gastos no entretenimento.

(Nuno Guedes)

*

Relativamente à reacção do Sr. Hélder Sousa ao meu apontamento sobre o desequilíbrio da programação musical da cidade do Porto, tenho a referir o seguinte:

1. É irrelevante para a discussão saber quem gere as salas. Quer seja a CMP, o Ministério da Cultura, a FCT, a Associação dos Amigos do Coliseu, o relevante aqui é analisar a forma como a programação é feita e, no caso concreto do meu texto, o elitismo que lhe está subjacente.

2. O Rivoli Teatro Municipal, não sendo uma sala de dimensões comparáveis ao Coliseu ou mesmo à Casa da Música, é já utilizado para eventos de massas, como algumas peças de teatro, o Fantasporto, e, esporadicamente, alguns concertos, como o que estava previsto de Luís Represas.

3. O Teatro do Campo Alegre, uma sala que, segundo palavras do leitor, "não está de todo preparada para concertos", recebeu, a 18 do corrente, a música folk de Paddy B & Celtic Express.

4. Concordo que os números que refiro pouco acrescentam à discussão, uma vez que não é novidade para ninguém a forma elitista como estão programadas as salas de espectáculos do Porto. No entanto, servem para reforçar essa mesma noção: no Porto, não há programação musical que crie utilidade real para a maioria dos seus habitantes.

5. Sobre a alegada 'vocação' da Casa da Música para se dedicar, apenas e somente, à divulgação da música erudita: é razoável que uma sala daquela dimensão, tendo custado à cidade e ao País aquilo que custou, seja utilizada apenas para um fim que beneficia, e bem, pequenas faixas da sociedade, mas em nada beneficia, e mal, a esmagadora maioria da população da cidade e da área metropolitana?

6. Admitindo que os argumentos do Sr. Hélder Sousa sobre a vocação do Coliseu do Porto e da Casa da Música são legítimos (e não me parece que o sejam), a questão não deixa de se colocar, porém de outra forma: por que razão não existem no Porto salas direccionadas para uma cultura de massas, mas apenas para pequenos nichos de público?

(Artur Vieira)

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A citação que faz do Sr. Artur Vieira, menciona 4 salas, das quais uma é explorada com um carácter fundamentalmente comercial (o Coliseu), uma é da responsabilidade da CMP, que, como sabe, está na origem de todo este debate e não tem características para ser palco de concertos para as massas (800 pessoas sentadas é a lotação máxima); outra é gerida por uma parceria entre a CMP e a Fundação Ciência e Desenvolvimento (Teatro do Campo Alegre), tem cerca de 400 lugares e não está de todo preparada para concertos. Quanto à Casa da Música, creio que pelas suas características se deverá dedicar mais à promoção e divulgação da música dita erudita porque essa não terá facilmente lugar em locais de exploração comercial, como o Coliseu, p. ex.Quero com isto dizer que o texto que transcreve, não acrescenta rigorosamente nada à discussão que pretende lançar.

(Hélder Sousa)

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Em relação ao tema programação cultural queria só fazer ver uma vez que me encontro no interior e por aqui a cultura é pouca(felizmente vamos ter aqui por Castelo Branco dia 4 de Novembro um recital na Sé Catedral, com o coro Polofónoco da Lapa, Porto,a Orquestra Sine Nomine, quatro cantores solistas e o grupo Coral de Proença-a-Nova com os Maestros Felipe Veríssimo e Carlos Gama onde será interpretada a Missa de Requiem de Mozart)que nem a nossa televisão tem respeito pela mesma,veja-se o caso recente de um concerto de Maria João Pires que começou a ser transmitido no 2 canal por volta da 1h.40m de um salvo erro de 1 Domingo para Segunda feira (preparava-me eu para me deitar).

Quero terminar dizendo que espetaculos de musica na tv são raros(sejam de que estilo for) e quando dão são quase sempre ao Fim de Semana no canal 2,quase sempre depois da meia noite.Já nem falo de teatro pois nem vê-lo, fez mais serviço publico durante o Verão a tvi que passou teatro salvo engano uma vez por semana de madrugada que nossa a RTP.

(Hugo Cunha)


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