ABRUPTO

26.10.06


NUNCA É TARDE PARA APRENDER
COMO O PCP NÃO CONSEGUE FAZER A SUA PRÓPRIA HISTÓRIA

(Versão completa em ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.)

Para comemorar o 70º aniversário da criação do campo do Tarrafal, a editorial do PCP, as Edições Avante!, publicou um Dossier Tarrafal. Nesse volume, sem autoria a não ser a da Editora, o que quer dizer de autoria da direcção do PCP, são incluídos documentos conhecidos como também outros inéditos. Como a publicação de documentos inéditos oriundos dos arquivos do PCP não abunda, foi com muito interesse que li este volume. Infelizmente confirmei na sua leitura que o PCP não consegue ultrapassar a sua enorme dificuldade em contrariar as versões oficiais da sua história, destinadas à sua legitimação política, e qualquer política de publicação de documentos inéditos acaba por ser muito restritiva para não entrar em contradições com essas mesmas versões oficiais.

É o caso deste volume, aliás feito sem grandes cuidados de rigor, sem notas e omitindo muita informação de enquadramento que podia valorizar o que de inédito lá se publica. Grande parte do volume é constituído por documentos já conhecidos ou publicamente acessíveis – artigos do Avante! e testemunhos de antigos presos do Tarrafal – a que são acrescentados dois grupos de inéditos: “diários” do Tarrafal, escritos por presos não identificados, e peças da correspondência entre a Direcção da Organização Comunista do Tarrafal e a direcção do PCP, representada por Álvaro Cunhal. Sabia-se da existência destes documentos nos arquivos do PCP, como aliás de outros que continuam a ser escondidos, mas o partido não permitia o seu acesso à investigação histórica.

Como é habitual nas publicações do PCP é a perspectiva repressiva-heróica que domina o volume, o que se compreende no seu papel de denúncia, mas acrescenta muito pouco à história do Tarrafal, e ainda menos à história dos comunistas no Tarrafal, apenas uma parte dos seus presos. Do ponto de vista do detalhe sobre as condições prisionais, sobre as violências cometidas pelos carcereiros, sobre a devastação causada pela doença e pelos maus tratos, os “diários” oferecem mais detalhes que permitem conhecer melhor o aspecto de extrema punição, quase exterminista, que o campo de concentração tinha. Basta ver como a doença matava em três a cinco dias: “6- apareceu uma biliosa ao Damásio Martins Pereira; 11 – faleceu o Damásio”; “Deu um ataque ao Vale Domingues que faleceu uns minutos depois”, etc., etc. Este aspecto, como o seu reverso, a luta dos prisioneiros para conseguir concessões da direcção do campo, fica a conhecer-se melhor com a publicação destas fontes primárias.

Mas tudo o resto fica na mesma, em particular tudo o que tenha a ver com a política, quer entre os comunistas e os outros grupos de presos, em particular, os anarquistas, quer entre os diferentes grupos em que os comunistas se dividiram bem como sobre a sua complexa relação com o PCP na metrópole. Aí os documentos inéditos escolhidos foram seleccionados a dedo para não se saber mais, e a habitual política de ocultação e falsificação da história do PCP continua de vento em popa.

O que falta é abissal. No período da existência do Tarrafal toda uma série de polémicas e discussões, divisões, anátemas e expulsões, atravessou quer a OPC quer o PCP continental, e sobre isso nada de novo é acrescentado, embora os documentos fundamentais e politicamente relevantes estejam nos arquivos do PCP. É verdade que o editor informa que apenas “algumas”, uma “selecção” de cartas da correspondência entre a OPC e o Secretariado são publicadas. Mas que sentido tem continuar a pretender manter em segredo aquilo de que já se sabe, pelo menos em linhas grossas? Nem uma linha sobre as polémicas entre anarquistas e comunistas sobre a atitude a manter face às autoridades no Tarrafal, nem uma linha sobre os debates à volta do Pacto Germano-Soviético e as propostas que Bento Gonçalves fez ao sabor das reviravoltas da política da URSS, nem uma linha sobre que papel teve a OPC no desencadear da “reorganização”, nem uma linha – e aqui a omissão é gritante – sobre a chamada “política de transição”, cuja crítica por Cunhal fundou ideologicamente o PCP até aos nossos dias. Estas omissões grosseiras diminuem significativamente o interesse deste volume e mostram que o PCP continua incorrigível a tentar tapar com o seu dedo o conhecimento da sua história, da nossa história contemporânea.

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© José Pacheco Pereira
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