ABRUPTO

1.9.06


COISAS DA SÁBADO: O MANIFESTO DA DIREITA E UM DEUS IRÓNICO


Manuel Monteiro e o PND divulgaram um documento a que chamaram Proposta para um Manifesto da Direita em Portugal. O documento foi recebido com a habitual comiseração com que as iniciativas de Manuel Monteiro são recebidas, mas merece uma atenção mais cuidada. A começar, porque essa comiseração é um reflexo comunicacional do banimento com que o PP de Portas pretende ostracizar Monteiro, mais do que uma consideração do real mérito do documento.

Se não fosse Monteiro o autor, mas sim Portas, o documento teria certamente outro tratamento e seria saudado de outra maneira, em vez de ocultado. O que é, em primeiro lugar, interessante no manifesto é que ele é uma síntese das ideias que deram origem ao PP, e que circulam nos corredores de uma “nova direita” ligada ao grupo de Portas no CDS-PP (Grupo parlamentar, blogues, revista Atlântico, etc.), e que Paulo Portas não pode hoje enunciar, mas Monteiro pode. É um caso de punição divina em que um Deus cruel e irónico misturou protagonistas e ideias, dando a cada um a fala do outro, e a impossibilidade de falar a própria.

Monteiro diz aquilo que disse (e pensa) Portas, porque ele, Monteiro, nasceu com essa fala a que deu o seu corpo político. Portas não pode dizer aquilo que diz Monteiro porque o uso daquela fala, com que fez o PP, era para ele instrumental em relação a uma ambição maior, a de tomar conta do PSD. Enquanto para Monteiro o PND é a encarnação actual e virgem do projecto do PP, que ele tomou e toma a sério, para Portas o PP servia para demarcar-se do velho CDS e do PSD e para colocar na ordem os dirigentes do PSD que se opunham a uma “frente de direita”, os “cavaquistas” que foram o seu alvo preferencial no Independente, o cadinho do PP.

Para prosseguir esse objectivo, Portas vendeu o seu corpo político a tudo, - ao PS, ao PSD, à Constituição Europeia, ao estatismo anti-liberal, –, mas não o conseguiu e ficou num limbo de onde não sabe sair. Tem um partido na mão, mantendo Ribeiro e Castro numa teia de que não se consegue livrar, mas hesita em querer ou não o CDS-PP porque não sabe o que lhe é mais útil, a única consideração que conta. Por isso, a Proposta para um Manifesto da Direita em Portugal lhe é particularmente incomoda e tudo fará para que não seja levada a sério. É como se uma parte do passado se recusasse a ir embora e viesse todos os dias para morder o presente.

Como esse banimento aqui não se aplica, voltaremos ao Manifesto.

*
Portas, Monteiro e Conan Doyle

Uma troca de identidades (como a que JPP refere para Paulo Portas e Manuel Monteiro) é descrita num dos poucos contos de teor humorístico que Conan Doyle escreveu - «A grande experiencia de Keinplatz» (incluído no livro «O pé do Diabo», colecção Argonauta Nº 399):

Von Baumgarten, um austero professor de Psicologia, auto-hipnotiza-se depois de ter induzido em transe um irreverente aluno (que acedeu sujeitar-se à experiência em troca da promessa da mão da filha do mestre).

Ao fim de algum tempo de absoluto silêncio, as duas almas regressam aos corpos, mas trocadas - tudo se passando na presença dos mais distintos sábios da Europa que ficam atónitos com a sabedoria do pretenso jovem e com os dislates do "grande mestre"...

(C. Medina Ribeiro)

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© José Pacheco Pereira
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