ABRUPTO

29.9.06


COISAS DA SÁBADO: ANOS INQUIETOS - TRÊS CIDADES, TRÊS MOVIMENTOS

Anos InquietosRui Bebiano e Maria Manuela Cruzeiro (organização), Anos Inquietos, Vozes do Movimento Estudantil em Coimbra (1961-1974), Porto, Afrontamento, 2006

Embora a crise estudantil de 1962 seja a mais estudada e citada, em grande parte pelo destino e papel de alguns dos seus principais protagonistas, a começar por Jorge Sampaio, a crise de Coimbra não lhe fica atrás. O livro de entrevistas organizado por Rui Bebiano e Maria Manuela Cruzeiro é um dos primeiros a recolher sob a forma oral as histórias de vida de alguns dos protagonistas do movimento estudantil de Coimbra, à volta do seu annus mirabilis de 1969. O livro merece uma outra análise mais atenta, mas dois factores são patentes nas entrevistas, que fornecem um excelente ponto de partida para estudos posteriores: um, o carácter muito sui generis do movimento coimbrão, com poucos pontos de contacto com Lisboa e Porto; outro, a peculiar fragmentação da organização dos estudantes comunistas, sem paralelo com o que se passava em Lisboa e Porto que tinham unidade de direcção.

No seu livro sobre a crise de Coimbra, Celso Cruzeiro revela como era difícil fazer entender aos dirigentes associativos de Lisboa, com uma politização mais explicita e radical, o que se passava em Coimbra. Este testemunho mostra a estranheza peculiar a alguns passos das entrevistas para quem não era de Coimbra (o Conge, os IBM, etc,), e revela uma idiossincrasia especial do movimento. Em Coimbra, havia a universidade, centralizada, sem fragmentação associativa, - a AAC é o centro e quase tudo anda à volta do centro , mesmo quando outras entidades, como o Conselho das Republicas o substitui ou complementa por necessidade - permeado por um cultura estudantil local antiga, com a praxe, as “repúblicas”, e uma hierarquia entre veteranos e caloiros, que seria absurda em Lisboa e Porto. No movimento estudantil de Coimbra são muito fortes, a cidade, a “cidade universitária”, e a memória sob forma de tradições, umas vezes usadas, outras recusadas pelo movimento dos estudantes.

Com este livro avança-se para perceber como o movimento estudantil nacional era diversificado por detrás da sua aparente unidade. Mas falta estudar tudo o resto no movimento estudantil nacional, em particular Lisboa depois de 1962, onde só o episódio da morte de Ribeiro Santos é razoavelmente conhecido e praticamente tudo sobre o Porto, cujo movimento era mais parecido com o de Lisboa, mas mais clandestinizado pela escassez de associações legais . O interesse de relevar estas omissões, de que os seus autores não têm responsabilidade, é porque assim seria possível colocar a crise de Coimbra fora de Coimbra, fora dos quadros narrativos e interpretativos internos a um movimento estudantil muito peculiar.

Esta dificuldade é acentuada, aqui já por escolha dos seus autores, pela falta da dimensão esquerdista, - os “contestas” como depreciativamente eram classificados pelo núcleo comunista, - sem a qual a partir de 1969 não se percebe o movimento estudantil. Esta última opção é mais contestável, porque mantêm uma visão ortodoxa, “proprietária” da crise de Coimbra, que ganharia em ser medida com os seus limites e com episódios de que pouco se fala, como o “pedido de desculpas” posterior de alguns dirigentes associativos a Américo Tomás que gerou grande indignação em Lisboa e Porto. Como diria um “contesta”.

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© José Pacheco Pereira
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