ABRUPTO

1.8.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
DRESDEN E OS BOMBARDEAMENTOS DE CIVIS


http://www.wilsonsalmanac.com/images1/feb13_dresden_bicycle_boy.jpgA "mini série" que começou ontem e acaba hoje, na RTP 1, "Dresden", constitui uma excelente oportunidade para nos interrogarmos e analisarmos um pouco mais "a fundo" a questão do bombardeamento de populações "civis", em teatros de guerra. Não pela série em si, que se baseia numa história de amor pouco menos que imbecil e improvável de um piloto de bombardeiros abatido e fugitivo na Alemanha por uma enfermeira em crise de consciência moral e política, mas pelo que o episódio de Dresden, que eu conhecia em termos gerais das leituras sobre a WWII, representa e pelo excelente pretexto que oferece a quem quiser aprofundar um pouco o tema. Dresden, em si, não era um objectivo militar estratégico. Ao contrário de outras cidades arrasadas na WWII (como Coventry, por exemplo), não era um centro de produção industrial relevante, não tinha instalações militares importantes e a sua estação de caminhos de ferro não tinha um papel vital no sistema de comunicações alemão. Aliás, depois do bombardeamento, ficou operacional, de novo, em cerca de uma semana. Para além disso, a cidade estava cheia de refugiados, cerca de 200.000, fugidos da frente leste face ao ataque dos soviéticos que já tinham, salvo erro, ocupado algumas cidades alemãs (estávamos em Fevereiro de 1945, a quatro meses do fim da guerra). Dresden foi escolhida e arrasada, isso sim, conhecendo o alto comando aliado toda esta situação, apenas com o objectivo de "destruir" a moral e a capacidade de resistência (ou o que restava dela) do povo alemão, inclusivamente ajudando a criar divisões entre este e a liderança nazi, facilitando o avanço do exército vermelho. A cidade foi arrasada e o bombardeamento e incêndio que se lhe seguiu (foram utilizadas bombas incendiárias) matou, no mínimo (ainda hoje não existe consenso), 25.000 pessoas. É um dos episódios mais controversos da WWII, praticado sob a égide das duas democracias mais respeitadas do mundo e em nome de objectivos (a vitória dos aliados na guerra) que a todos nós, democratas, são caros.

Claro que isto vem a propósito da morte de civis no actual conflito no Médio-Oriente, que tem conduzido às análises menos rigorosas e mais maniqueístas a que tenho assistido, consoante o lado da barricada em que cada um se situa. Não tenho qualquer dúvida que grupos como o Hezbollah recorram a "civis" como "escudos humanos" (dada a natureza deste tipo de organizações, será mais rigoroso dizer que, por vezes, o que é difícil será distinguir o que são "civis", como já o era, por exemplo, na guerra colonial ou no Vietnam), que, outras vezes, Israel bombardeie populações civis efectivamente "por engano" ou erro técnico e que, aqui e ali, recorra ao bombardeamento dessas mesmas populações civis propositadamente, com objectivos idênticos ao de Dresden. Tal como os fundamentalistas islâmicos e os árabes da Palestina o fazem, já que, para eles, o inimigo não é o exército de Israel e os seus aliados, mas toda a população, que terá ocupado as suas terras e expulso para os campos de refugiados. Destruir a capacidade de resistência "moral" será também aqui um dos seus objectivos. De facto, a guerra "limpa" e cirúrgica, que salvaguarda os civis e as chamadas "populações indefesas", é um dos primeiros mitos do século XXI e a guerra tal qual ela é, na realidade, cada vez mais difícil de aceitar, nos países democráticos, por uma opinião pública apesar de tudo mais informada e que tem, hoje em dia, acesso à "guerra em directo".

(João Cília)

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