ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
7.8.06
COISAS DA SÁBADO: SERÁ QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO CONSEGUE FAZER AS COISAS BEM UMA ÚNICA VEZ? A mediatização da justiça podia ser inevitável, era só uma questão de tempo, mas, no caso nacional, essa mediatização foi deliberadamente procurada por um dos “agentes da justiça”, o Ministério Público. Tudo resultou de uma prática que uniu dois interesses convergentes: o Ministério Público no tempo de Narciso da Cunha Rodrigues, que exerceu o cargo de 1984 a 2000 e moldou a instituição e um jornal populista, e o Independente, destinado a combater o governo do PSD e a abrir caminho para a carreira política de Paulo Portas. Esta coligação de interesses era muito semelhante à que se tinha verificado em Itália durante os tempos da “república dos juízes” e associava o justicialismo comunista e da extrema-esquerda, muito bem representado na corporação dos procuradores, com o populismo anti-políticos e anti-parlamentar da direita radical. Com o tempo, esta aliança começou a desgastar-se e a revelar os seus efeitos perversos. O MP, afinal só anunciava não “produzia” e aqueles que viam o seu nome envolvido em suspeitas públicas e publicadas nunca eram levados a tribunal e, se o eram, saiam inocentes. Por outro lado, o principal político populista, Portas, a quem esta estratégia serviu para colocar o PS no poder (com quem objectivamente se aliou) em vez do PSD, acabou por provar da sua própria medicina no “caso Moderna”. No intervalo, os políticos do PSD, do PS, do CDS e do PCP deram ao MP quase tudo que ele exigia, em particular um modelo de autonomia quase sem limites, à italiana, com medo de parecerem pouco zelosos na luta contra a corrupção. Com a mudança do Procurador, este encontrou um MP fortalecido com poderes até ao limite da afronta às liberdades pessoais e direitos de defesa, com utilização quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas (responsável: António Costa) e da prisão preventiva como instrumento de coação. A instituição estava solidamente ancorada no justicialismo. Só que o monstro que o anterior Procurador tinha despertado, a comunicação social, já não era apenas e só um jornal e um político, mas sim uma multidão de voyeurs (no meio de alguns poucos bons jornalistas) que queria sangue dos políticos e queria resultados, queria barras da cadeia à frente de caras conhecidas. Como isso não acontecia, começou a olhar para os lados do próprio MP com uma nova curiosidade e com perguntas cada vez mais complicadas. A chave de todo este “sistema” era a violação programada do segredo de justiça, mas, a uma dada altura, o “programado” passou a ser “programado por A contra B” e vice-versa. O vice-versa estragou tudo e o caso Casa Pia explodiu no ar rarefeito. Começou a perceber-se que o MP usava e abusava das escutas telefónicas e que os métodos de investigação mostravam que esta descambara de uma procura de responsáveis para os crimes que se sabiam ter sido cometidos, para uma investigação sistemática de todos os políticos. O caso chamado do “envelope 9”, que é um subproduto do caso Casa Pia, tornou-se revelador dessa inquirição sistemática, tipo rede de arrasto, o que pouco tem a ver com a investigação de um crime. É outra coisa, é política. SERÁ QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO CONSEGUE FAZER AS COISAS BEM UMA ÚNICA VEZ? - 2 As notícias sobre a ilibação de Nobre Guedes, cuja busca ao escritório foi precedida de indicação à comunicação social de que esta ia ser realizada, (como aconteceu também com Jorge Coelho) , obriga a condenar a forma como se fez uma penalização social gravíssima para pessoas que acabam por ser inocentadas sem nada de semelhante às parangonas com que foram culpabilizadas. Isto, junto com a negação pelo tribunal do acesso aos computadores do 24 Horas, cortando cerce uma cortina de fumo sobre o objectivo inicial do inquérito (saber por que razão estavam no processo Casa Pia listagens que não deveriam estar e quem foi responsável por esse acto), são importantes revezes do Ministério Público. Somam-se a muitos outros revezes, do caso Apito Dourado ao que aconteceu com Fátima Felgueiras e Isaltino de Morais. O MP atira para vários lados, as fugas de informação criam expectativas de culpas e de penas e depois, nada, nada, nada… No intervalo, ficam estilhaços por todos os lados, inocentes que carregarão sempre a culpa que lhes foi lançada nos jornais, culpados que se escapam no meio de métodos de investigação, que se revelam incompetentes e negligentes. Mais do que isso: os abusos entretanto cometidos revelam os efeitos perigosos de uma atitude justicialista, ou seja, de uma política que nada tem a ver com a democracia. Quando uma instituição central do nosso sistema de justiça entra na política está posto em causa o funcionamento normal da democracia. Esta é a questão de fundo do que se passa no MP e, hoje, é responsabilidade do Primeiro-Ministro e do Presidente da República. Assim não pode continuar. (url)
© José Pacheco Pereira
|