ABRUPTO

8.6.06


TEMOS POLÍTICA EXTERNA OU É SÓ EGOS, BRAVADO, BANDEIRA ENROLADA À CINTURA E AMADORISMO?



Repito-me, não para exibir qualquer razão antes do tempo, mas para mostrar que as evidências eram tão gritantes que não se percebe por que razão o Governo (Primeiro-ministro, MNE e MAI na linha da primeira responsabilidade e por esta ordem) mostraram tão grande incompetência e a oposição tão grande silêncio perante uma questão desta gravidade.

No dia 29 de Maio escrevi:
"Quem manda em última instância nas ruas, o governo de Timor ou a Austrália? E se mandar a Austrália, e manda quem pode e tem a força, mandam também os comandos australianos na GNR? Se os australianos entenderem que a rua X está interdita, a GNR tem que negociar ou pedir licença para lá passar? Qual é a cadeia de comando em Dili? Estas e mais mil e uma perguntas deviam estar a ser feitas e a ter respostas claras. Mas nem se pergunta, nem se responde."
No dia 3 de Junho escrevi:
"Ficou claro que o comando é da GNR" - "Comando" de quê? Das tropas da GNR? Qual é a exacta cadeia de comando no terreno? Fica por saber. O que se sabe é que num território numa situação de caos, a existência de vários "comandos" operacionais só pode dar confusão e risco. É perigoso: se houver um incidente e forem chamados ao mesmo tempo (pelos populares, por uma família portuguesa, seja por quem for) a GNR e os australianos, como é que se resolve? E sem comunicações claras a probabilidade de fogo "amigo" é grande, porque ninguém está a ver em plena acção as forças a discutirem competências e comandos."
O que se está a passar com a GNR em Timor é de uma enorme irresponsabilidade e é perigoso, primeiro para os nosssos homens, depois para a nossa política externa em relação a Timor. A não ser que a GNR esteja lá, como antigamente se dizia , em "missão de soberania", e então tem que varrer os comandos australianos a tiro, quando estes lhe impeçam o caminho... , ou então é para "ajudar" Timor, e ninguém sensato pode achar que andarem no terreno forças sem comando único não é um risco acrescido para todos.

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Quando há dias antes do envio das forças da GNR, ouvi a explicação do Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a questão do respectivo comando, se integradas nas forças da Austrália se autónomas, pareceu-me estar a ouvir uma explicação da República Francesa, com laivos nacionalistas e com eterno complexo de inferioridade, quando se refere ao pais do Tio Sam.

Para o Sr. Ministro, com contida, mas visível, exaltação lusitana (o que cada vez surpreende menos no comportamento very british até ao exercício do cargo de presidente da assembleia da onu) os argumentos para as GNR estarem a actuar autonomamente não são de ordem prática, mas sim do facto de Portugal estar a 50 anos de celebrar 900 anos de nacionalidade, sendo uma nação soberana. À contrário e não o dizendo, a Austrália como nação existe há bem menos tempo e ainda tem como representante máxima a Rainha de Inglaterra.

Parece-me perfeitamente lógico o seguinte, estando Portugal à distância que está de Timor (como demonstra o facto de só agora estar prevista a chegada do material de transporte da GNR), estando a atravessar uma crise económica com os respectivos constrangimentos, partilhando apesar de tudo de um quadro civilizacional comum com a Austrália e que tem cá embaixada, sendo este pais fornecedor de tropas no terreno que em última análise permitem a segurança num quadro generalizado de insurreição, e que em última instância asseguram as vidas e a possibilidade de retirada dos portugueses, inclusive dos membros da GNR, não vejo razões para que as forças da GNR não estejam integradas, com mais ou menos autonomia, no comando australiano.

Infelizmente a atitude de bravata ridícula foi outra e só veio criar um conflito dentro de outro conflito que esperamos não venha a criar danos irreversíveis em termos de vidas humanas.

Manuel Cortes
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Agora que a "questão timorense" parece ter voltado às primeiras páginas dos jornais, talvez seja bom vermos "para além da árvore"...Aos leitores do "Abrupto", aconselho a consulta do (recentemente) criado "blogue", onde podemos ler coisas que, nem sempre, a comunicação social portuguesa transmite.

(Rui Mota)

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Compreendo a sua inquietação sobre a questão em apreço. Parece de facto, que o governo português se pôs em bicos dos pés quanto à autonomia da força paramilitar que foi enviada para Timor-Leste.

Contudo, devo dizer, foi uma posição bem avisada. A pior coisa que pode acontecer a esta jovem nação é ficar refém das vontades do governo australiano. Só quem esteve envolvido nas missões das Nações Unidas em Timor, e mais propriamente a nível de quartel-general, percebe a apetência do governo australiano de ditar as regras em Timor-Leste, favorecendo descaradamente os grupos que o apoiam especialmente através das ONG australianas, das quais a mais activa tem sido a AUSAID, à semelhança da americana USAID, não mais que um braço tentacular dos serviços de "inteligence".

E bem avisada foi a posição do governo de Portugal porquanto a saída prematura da GNR durante a UNMISET se deveu a célebre relatório de uma comissão de peritos norte americanos e australianos que a acusavam de ser um mau exemplo para a jovem democracia, com as suas atitudes "pretorianas" resquícios óbvios da sua génese no Portugal ditatorial fascista. A verdade, (...) é que a GNR fazia abortar as tentativas destabilizadoras que alguns agentes promoviam no sentido de influenciar as opções futuras da liderança timorense que já se adivinhavam. Falo da opção pela língua portuguesa, e da criação de um exército de defesa.

Este último, como sabe, mereceu sempre (e ainda hoje merece) a oposição firme do governo australiano que entendia que a defesa externa de Timor-Leste deveria ser confiada às forças de defesa australianas. Tanto assim, que Alexander Downer, o ministro dos negócios estrangeiros australiano, chegou a afirmar perante o parlamento australiano que o novo conceito estratégico de defesa em profundidade da Austrália, obrigava a considerar Batugadé como a nova fronteira da Austrália. (Batugadé é o posto fronteiriço da costa norte entre Timor-Leste e a província indonésia de Timor Ocidental, Timur Nusa Tengara).

Foi bem avisada a posição do governo português, porquanto, se submetida ao comando hierárquico das forças australianas, à semelhança do que era prática durante os tempos da UNTAET e da UNMISET que eu presenciei, estes últimos iriam de imediato determinar zonas de exclusão à acção da GNR, remetendo-as para um discreto papel secundário, com o objectivo de as desacreditar perante a população de Timor-Leste em geral, e a de Díli em particular, e manter latente esta situação de instabilidade até atingirem o objectivo final, a demissão de Mari Alkatari.

Aliás, se dúvidas houvessem quanto às reais intenções da real politik australiana, basta verificar a candura e cortesia (quase protecção), com que o Comandante das forças australianas trata o Major Reinado ( que se veste e age como se um militar australiano fosse, recusando-se a falar português quando é entrevistado), tendo inclusivamente deslocado-se a Maubisse para com ele parlamentar e os laudos que a este major rebelde e criminoso (disparou sobre as FDTL causando inúmeras vítimas mortais, sem ter sido provocado), têm vindo a ser tecidos nos maiores jornais australianos. Uma rápida leitura aos editoriais e colunistas do Australian, Sydney Morning Herald ou o Daily Telegraph são elucidativos da teia que a doutrina Downer tem vindo a urdir contra Mari Alkatiri. E nisto meu caro, o cerne da questão é bem simples de entender: " It's the oil, stupid!". As forças australianas não o vão desarmar porque ele é a ponta de lança com que o governo australiano pretende fazer Mari Alkatiri demitir-se.

Para lhe aguçar a curiosidade, deixo-lhe algumas frases extraídas de artigos dos citados jornais: "Portugal is Australia's diplomatic enemy..."; "Portuguese forces refuse to co-operate with international forces..."; Dili's leadership, notably a anti-Australian Mozambique clique needs to be removed from power..."; "Despite our efforts, we must recognize that Portugal has had more influence in East Timor than Australia. It is time to change this sort of things…." .

Não quero com isto significar que Mari Alkatiri está isento de culpas. Está até bastante carregado delas. Não propriamente pela forma como tem estruturado e planeado estrategicamente o futuro de Timor-Leste, mas na forma arrogante e nos métodos Leninistas com que tenta responder aos anseios de uma população que criou expectativas demasiado altas e na forma como afasta toda e qualquer oposição. O seu maior erro e que lhe está a custar caro em termos de apoio, foi a forma como afrontou a igreja de Timor na questão das aulas de religião e moral. Se estava certo no princípio, errou profundamente no tempo e na forma como o impôs. Sendo muçulmano, teria forçosamente que ter cautelas redobradas em tão melindroso assunto.

Errou ao apoiar-se e apoiar o Ministro do Interior. Rogério Lobato mantém ainda hoje uma visão estalinista do poder, assente na partidarização da sociedade e na intimidação dos adversários, internos e externos ao partido. E hoje, o feitiço virou-se contra o feiticeiro, com as armas que distribuiu a caírem em mãos hostis.

No meio deste imbróglio, o Presidente Xanana sente a humilhação de ter que recorrer ao auxílio internacional, sem ter os instrumentos constitucionais adequados para ter evitado toda esta lamentável situação. Xanana, que no fundo concorda com as posições de defesa dos interesses timorenses que Alkatiri tem tomado, vê-se de mãos amarradas para manter esta posição muito pouco ajudado pela esposa Kristy, que resolveu chegar à Austrália e acrescentar achas à fogueira em declarações alinhadas com o discurso de John Howard.

E por fim chegamos ao muito provável futuro Primeiro-ministro de Timor-Leste, Dr. Ramos Horta. Julga chegada a hora de se tornar líder do governo, sem saber como há-de isso acontecer sem ser para tal nomeado pela Fretilin, cuja cúpula continua nas mãos de Alkatiri e Rogério Lobato. Tem de esperar que seja Alkatiri a renunciar ao poder voluntariamente e que o aponte como seu sucessor. Para a Austrália isto seria a cereja em cima do bolo. É sobejamente conhecida a arte de Ramos Horta em se ajeitar às circunstâncias e se virar para quem melhor lhe sirva os interesses. Não é por acaso que começa a ser noticiado na imprensa australiana como: " the most competent minister in the timorese cabinet...".

É que não é fácil ser-se timorense e pretender-se afirmar-se a soberania do país, quando tudo à volta cria dificuldades, algumas que em parecendo, não são apenas simbólicas. Veja-se o exemplo da ligação aérea entre Díli e Denpasar (Bali). Esta ligação é servida pela companhia aérea doméstica indonésia Merpati, como se de um voo interno se tratasse, fazendo-se a operação de embarque e desembarque no terminal doméstico de Denpasar. Ou a ligação entre Díli e Darwin, servida pela companhia regional australiana AirNorth subsidiada pelo governo para o transporte de Aborígenes entre as reservas e entre estas e Darwin e que anuncia a ligação a Díli como mais uma ligação regional (www.airnorth.com.au), enquanto Kupang (Timor Ocidental) já é um destino internacional.

(João Lima Tavares)


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