ABRUPTO

8.6.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (2ª série)



(...) é o próprio Ministério da Educação quem ajuda a confundir domínios que devem ser discriminados, dado que o texto é marcado por um problema estrutural de organização temática. Era importante que um novo ECD distinguisse com clareza – seja por capítulos; seja por princípios orientadores explícitos; seja por qualquer outro processo; seja por vários factores em conjunto – aquilo que é matéria propriamente laboral (ou de cariz sindical) daquilo que é matéria deontológica (ou pedagógica e ética) da profissão docente. Mesmo que se continue a evitar a questão da constituição de uma Ordem de Professores (constituição que na actual conjuntura não parece essencial, até porque provavelmente uma Ordem ficaria mais próxima de reproduzir a fragmentação sindical do que de traduzir uma voz coesa de um corpo profissional demasiado heterogéneo), reformar o ensino sem a preocupação de estabelecer de génese a distinção referida é curto, precisamente porque será continuar a pôr no colo dos sindicatos aquilo que é, misturado com aquilo que pura e simplesmente não deve ser da sua competência. Reside aqui uma incongruência elementar de quem, de peito aberto, está, bem ou mal, a combater o poder de uma elite de representantes sindicais, mas que depois, por culpa do seu mau tpc, vê-se obrigado a conceder a essa mesma elite o monopólio da representatividade de um complexo, contraditório e multifacetado corpo docente. A fuga em frente resultante desse mau trabalho prévio tem sido o folclore agravante de envolver na vida interna das escolas os pais, as associações, o poder local e outros, invadindo o domínio estrito da função docente, com prejuízo generalizado cuja factura normalmente demora a chegar mas será invariavelmente pesada. O documento proposto carece, de facto, de muita e muita reflexão e clarificação. Se calhar até de ser reelaborado de raiz. «Despachá-lo» em poucos meses é brincar com aspectos essenciais de todo um projecto de sociedade. Ao menos nisso estou de acordo com a Fenprof. Juristas, intelectuais, políticos, jornalistas e demais pensadores seniores não podem colocar o corpo de fora deste tipo de discussão concreta, como têm feito, nem perderem-se em generalidades mais ou menos especulativas (basta ler a imprensa), para que mais tarde não venham, uma vez mais, ditar sentenças de cátedra depois de mais um desaire do sistema educativo que não é difícil prever desde já. Aliás, o Partido Socialista nesta fase dever-se-ia centrar nas questões contratuais ou laborais e deixar de brincar às tipologias do bom professor à moda das «ciências da educação». Mas para isso era necessária sensibilidade política e tratar os grupos profissionais com a dignidade que merecem. Parece-me que o tempo político da Ministra da Educação esgotou-se. Pau que nasce torto...

(Gabriel Mithá Ribeiro)

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No Público de hoje, a ministra da Educação dá a cara por uma proposta cerca de uma semana depois de ela ter sido apresentada. Ter aparecido com a entrevista de hoje há uma semana atrás, poderia nada ter resolvido mas evitava a imagem de estar a reagir aos críticos. Mas há muito nos habituámos a que este ministério ateie pequenos fogos e depois surja a apagar os mesmos. Infelizmente também nos habituámos à reacção extemporânea de uma classe corporativista e de uns sindicatos que de pedagogia pouco mostram saber. Para tal basta ver muitos dos comentários feitos neste blog. É o caso dos "29" itens que definem a função de professor e que pouco ou nada acrescentam ao que já era suposto serem funções dos docentes, mas que alguns críticos parecem desconhecer. Também a reacção de alguns à avaliação é irónica se tivermos que vem de profissionais que fazem da avaliação um instrumento – avaliar sem ser avaliado? – e as leituras em diagonal que muitos fazem desconfiar da preparação e leitura efectiva que atribuirão a documentos de trabalho.

Estamos perante uma proposta, não seria interessante discutir a mesma de forma inteligente? Quando uma carreira de 10 escalões se reduz a 6, não seria legítimo pedir a tabela de equivalências para a conversão de tempo de serviço e de salário?

São muitas as classes de licenciados em que o acesso à carreira só é feito após prova, serão os docentes diferentes? Creio que não e basta ver a falta de cultura e conhecimentos básicos de muitos professores.

Quanto à avaliação dos pais, confesso que não me choca e noto que é mais bem recebida por docentes que são pais do que por docentes solteiros. Ouço os sindicatos falar em "habilitações pedagógicas", mas onde está isso referido? Em algum sítio se estipula em que medida os pais vão efectuar a avaliação? Os Encarregados de Educação podem não saber nada de disciplinas, mas certamente saberão melhor que ninguém quando um professor falta, ou quando ocupa a aula a discutir a sua vida pessoal em lugar de leccionar, ou se atrasa na correcção de testes para lá do desejável. Não serão estes itens suficientes para distinguir o bom do mau docente? Talvez os sindicatos fizessem melhor em discutir estes temas que em marcar greves para dias a seguir a feriados e assim teríamos um ministério a ter de dar a cara pelas suas políticas e a saber que não bastava anunciar as mesmas e que as teria de realmente fundamentar. No momento actual acabam os sindicatos e os docentes exaltados a ser o melhor justificativo das políticas ministeriais

(Emanuel Ferreira, docente do 3º Ciclo)

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A Ministra foi populista e fez eco da crítica comum de que os professores são os responsáveis pela calamidade educativa portuguesa. Não apresenta evidências de que assim seja. Mas por que razão a Ministra da Educação e outros agentes das esferas do poder se dão ao luxo de falar assim desta classe profissional? Na realidade, os professores são responsáveis, não propriamente pelo facto de ensinarem mal ou de serem intrinsecamente maus professores. A responsabilidade é mais funda. É que desde há algumas décadas os professores abdicaram da sua vocação intelectual, ou mantiveram-na só para aquilo que interessa em cada conjuntura ou momento, aceitando em troca incluir-se na bolsa de sustentação do poder político e económico.

O poder, é sabido, precisa destas bolsas de sustentação, e um grupo como os professores é fundamental que seja "capturado" para o pleno exercício do poder actual. Fala-se em "democratização" do ensino, mas isso é um eufemismo. Com certeza algo corresponderá a isso, mas na essência o que se deu foi um fenómeno de "massificação do ensino", o que não é exactamente a mesma coisa. Nesse processo, foi preciso apresentar taxas de sucesso, níveis de ensino em grande escala, impedir o abandono escolar, etc. Ou seja, o aparelho educativo esteve ao serviço de objectivos sociais, económicos e políticos que pouco têm a ver com o verdadeiro ensino. E em troca de favores profissionais e de um certo teor de vida, entre outras vantagens, a "classe profissional" dos profs. alimentou estes objectivos extra-educativos. Numa palavra, vendeu-se ao poder.

Evidentemente, o nível de formação e de conhecimentos dos alunos tem-se ressentido drasticamente. Mas os professores têm estado sempre cegos, surdos e mudos. Sempre muito mais preocupados com os seus interesses profissionais e com a sua carreira, enfim, com a sua vidinha. Não se importaram, portanto, durante estes anos, de se submeterem a um processo de proletarização que lhes retirou muita da credibilidade que possuiam, sendo natural que agora o poder os trate como párias e não nutra por eles o mínimo respeito. E os restantes actores também não, designadamente, os pais dos alunos, que não vêm com bons olhos os resultados obtidos. Que pretendem agora os professores? Já nada podem fazer. Podem fazer greves e manifestações. Mas não têm mais crédito que qualquer outro grupo social. E perderam o apoio da sociedade, e agora falam sozinhos no deserto. Isto é uma análise generalíssima. Não se pretende pôr em causa os muitos professores que ensinam bem e que fazem das tripas coração para que os alunos passem e se formem, etc. Mas isso não pôe em causa a minha tese central: os professores, enquanto classe, prostituiram-se ao poder e agora são tratados como rameiras do sistema. E se querem ter emprego e fruir ainda de algumas migalhas do poder têm que aceitar a "grelha" que lhes é imposta e conformar-se.

O servilismo e a apatia de anos vão sendo agora cada vez mais evidenciados, e pelo próprio poder, o que não é surpreendente. Ainda me recordo quando aqui há uns anos se negociou o Estatuto da Carreira Docente (penso que em 1997), e estava em causa a saída do ensino de centenas de professores provisórios que durante anos foram os colegas de segunda, mas muitos deles com provas de dadas de qualidade e dedicação, que ficavam sempre com as piores turmas e até ganhavam menos. Estava em causa na mesma altura, através da uma reforma do ensino secundário, o desparecimento de disciplinas como Introdução à Antropologia ou Jornalismo. A "classe" dos professores e os sindicatos nada fizeram caso disso, e negociaram o Estatuto e a reforma sem o mínimo de solidariedade por esses colegas, muitos com família, que ficaram sem trabalho, e muitos continuam no desemprego porque estiveram 10, 15, 20 anos nessa situação provisória e agora não têm onde se agarrar... E quando estes fizeram manifs. à porta do Ministério estavam sozinhos, porque a "nobre" classe dos profs. esteve a marimbar-se para estes colegas... E quanto ao desaparecimento das disciplinas? Alguém se interrogou sobre a validade destas matérias, qual o seu papel na formação integral dos jovens? Alguém ainda se lembra de Educação Visual?...

Orlando de Carvalho (...não sou professor)

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(...) desejo fazer uma confissão solene. É verdade, também eu sou culpado. Sim, incluo-me no grupo dos réus responsáveis pelo “estado a que «isto» chegou”, independentemente do conceito que possa atribuir-se ao termo «isto».
Resumindo, também eu sou professor. Do 1º ciclo por reforma imposta pelo “eduquês”, primário, por opção de há trinta anos, consubstanciada nos ideais que o republicanismo projectava na instrução popular.
Publicitado o meu crime, ouso, humildemente, questionar o leitor identificado como Leonel sobre algumas das suas afirmações, face á minha incapacidade de as tornar inteligíveis. (Confesso, no entanto, que apesar desta minha dificuldade, sou moreno e nada tenho de louro. Nem um simples cabelinho).
Para evitar que alguma das aves negras e palradoras que, usualmente, costumam enovelar-se por entre o texto escrito subverta o meu discurso, vou recorrer ao mui tecnológico “copy past”.

Então vejamos:

Afirma o comentador Leonel:

«Falam-se em "parasitas" das educação, apontando Escolas Superiores, Faculdades, Docentes, Editores.»

«Aprende-se melhor a nadar na água dentro dela, não a ter aulas teóricas sobre natação, é o que se tenta explicar muitas vezes.»

« As ciências da educação, como em qualquer outra área científica emergente, contêm grande valor e grande quantidade de irrelevância ou desinformação.»

« faça-se como sempre que se fez, não tenho de pensar tanto»
(Sic)

Como disse?

Ora, meu caro Leonel, não me diga que necessita de uma licenciatura em ciências de educação para escrever esta prosa brilhante?
Mas que digo eu? Uma licenciatura? Não pode ser. Às ciências de educação deve corresponder uma licenciatura por ciência…
Aliás, meu caro, saberá quantas são essas ditas ciências? Tê-las-á contado? Deveras?
Quanto mais descansado eu ficaria sobre as qualidades dos cientistas que tanto velam pela nossa educação, se pudesse esclarecer-me esta dúvida.
Três, eu sei, de fonte certa, que integram o elenco, «noções de psicologia, de sociologia, de métodos de avaliação».
Mas o Português, sim esta língua banal em que nos expressamos, também faz parte da lista, ou tê-la-á V. Exª esquecido enquanto tanto se empenhou, durante sete anos, «a procurar mais informação sobre todos estes elementos, não apenas sobre as "técnicas pedagógicas"»?
(...)

(António Vicente)

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