ABRUPTO

1.6.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (3ª série)




O número de contribuições para este debate é muito grande, como se compreende pelo seu interesse e actualidade. Tento publicar tudo o que me parece significativo, mesmo que contraditório entre si, mas pedia brevidade aos leitores que estão a fazer o Abrupto.

Mesmo que apareçam com iniciais, todas as contribuições estão identificadas.

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A INVASÃO DAS CIÊNCIAS ALHEIAS (ou o novo ECD)

Da proposta de novo ECD, pode ler-se:

CARREIRA:
- Duas categorias: professor titular e professor (novo: actualmente só há uma categoria)
- O professor titular desempenha todas as funções atribuídas ao professor, mais as funções de coordenação e supervisão de outros docentes, direcção de escola e direcção de centro de formação
- Para chegar a professor titular será necessário prestação de prova pública de discussão e análise curricular; é necessário pelo menos 18 anos de leccionação com avaliação positiva
- Seis escalões (três em cada categoria: actualmente há 10 escalões)
- A duração dos escalões depende da avaliação do desempenho, em regra seis anos (actualmente os escalões podem durar 3, 4, 5 ou 6 anos)
- Progressão horizontal, dependente de prestação de seis anos de serviço, atribuição de Bom, Muito Bom ou Excelente na avaliação anual de desempenho, frequência de acções de formação contínua
- Os que não obtiverem Bom não progridem na carreira
(1) Os que tiverem Muito Bom ou obtiverem um grau de Doutor na área das Ciências da Educação ou na área científica da qual são professores podem ter redução de tempo para efeitos de progressão (1)
(2) A mudança para a categoria de professor titular dependerá da aprovação em provas públicas de avaliação e discussão curricular e do trabalho desenvolvido e da avaliação de desempenho (Excelente, Muito Bom e Bom em toda a carreira) (2)

VALORIZAÇÃO DE DESEMPENHO (NOVO):
- Prémios de desempenho (percentagem da remuneração, ainda não definido)
- (3) Ao fim de quatro anos com classificação de Excelente ou Muito Bom o docente tem direito a um prémio de desempenho (3)
- (4) O professor que obtenha na avaliação de desempenho Excelente dois anos consecutivos reduz num ano o tempo de acesso ao exame para a categoria de professor titular; o que obtenha Muito Bom dois anos consecutivos, reduz em seis meses esse tempo (4)

EFEITOS DA AVALIAÇÃO:
- (5) Excelente: progride; pode antecipar num ano a candidatura ao exame de acesso a professor titular; prémio de desempenho (5)
- (6) Muito Bom: progride; pode antecipar em seis meses a candidatura ao exame de acesso a professor titular; prémio de desempenho (6)
- Bom: progride normalmente
- Regular: não muda de escalão, mas o tempo de serviço conta para antiguidade na carreira e categoria
- Insuficiente: não contagem do tempo para progressão e acesso na carreira; os contratados não terão contrato renovado; com duas qualificações de Insuficiente, passa ao quadro de supranumerários do ME (actualmente o docente só não progride para o escalão seguinte se tiver Não Satisfaz)

COMPONENTE LECTIVA:
- 25 horas semanais para Educadores de Infância e professores do 1.º Ciclo
(7)- 22 horas semanais para professores dos 2.º e 3.º Ciclos e Secundário (7)
-(8) Reduções de duas horas a partir dos 50 anos/15 de serviço e de mais duas horas por cada cinco anos de idade/serviço, até ao limite de seis horas (8)

Breves notas acerca dos pontos destacados:
(1a) O mestrado pré-Bolonha (antigo) era certamente um comprovativo de interesse, capacidade e esforço de actualização por parte dos docentes do secundário. Contemplar-se o doutoramento nesta nova carreira (muito provavelmente, tornar-se-á num crivo para atingir a categoria de Professor-Titular, é abrir a porta a uma verdadeira enxurrada de doutorados (muito provavelmente, considerados de "segunda"). As escolas que oferecem PhD nestas ciências serão naturalmente inundadas de alunos (óptimo para elas, isto não é inocente) mas para protegerem o seu próprio recrutamento de docentes universitários (no futuro, necessariamente doutorados) terão que ter dois cursos: um PhD para a casa, e outro para "encher" e "despachar" o "pessoal do liceu". Isto é um desrespeito a ambas as classes (docentes de liceu e universitários) bem como às ciências.

(1b) As escolas pensamento das ciências da educação têm aqui (mais) uma vitória estrondosa. Havendo pouco mercado em termos de alunos para cursos de docência, porque o número de alunos hoje nas faculdades e nos liceus diminuiu bastante, têm aqui uma dupla forma de angariar mais alunos e de conseguirem, como recurso, injectar docentes universitários excedentários (que necessariamente surgirão) no sistema liceal em situação vantajosa em relação aos demais. Passam a ter duas carreiras alternativas.

(1c) A designação Professor-Titular é manifestamente infeliz, dado que tem sido desde há longos anos debatida a sua utilização para o topo de uma carreira reformada do ensino superior politécnico (equiparando-a a Prof. Catedrático do ensino superior universitário).

(2). Óptimo. Deveria estender-se a outras carreiras da função pública como magistraturas e carreiras militar e policial. A docência do ensino superior sempre contemplou variadas provas.

(3) Quatro anos ?? Quatro anos ? No privado, a que se fazem loas e se recitam hossanas, os prémios são anuais! Não saberão disso os ministros que já foram, e voltarão a ser, gestores em empresas privadas? Andar a "penar" para ter um prémio como se fosse em ano de jogos olímpicos, haja decoro.

(4). Aqui começa o bruar da aparente dificuldade de atingir a categoria de topo. Em termos médios, é óbvio que é essa principal intenção do ministério, limitar a massa salarial. "Sendo necessário, para quê discutir se é justo?". É nisto que caíu a actualidade política nacional.
Contudo, olhando para o caso mais favorável, se cada dois anos como excelente reduzem um ano no exame de admissão, os 18 anos, reduzem-se a 12 anos o que já não é muito. Aqui manifesta-se a possibilidade de eternizar professores na categoria-base mas deixar sempre via aberta (um "fast-track") para alguns docentes chegarem rapidamente ao topo. Serão esses os que se doutorarem em ciências da educação?. Assim sendo, da corrida aos doutoramentos, com as expectáveis consequências nefastas, aguarda-se simplesmente o tiro de partida.

(5 e 6). Deve haver aqui um erro, caso contrário, as bonificações de tempo acumular-se-iam com as do ponto 4.....Algo vai mal no reino do "copy-paste" assessorial???

(7). Carga horária muito semelhante senão idêntica àquela em vigor actualmente. Mais uma vez se comprova o critério puramente economicista, uma vez que ao ministério, é indiferente quanto tempo os professores passam realmente na escola desde que lhes possa pagar menos, até aceitaria uma profusão de part-times se tal fosse aceitável pelos pais. Ficou o mais importante na gaveta, na linha reincidente dos anúncios faustosos e/ou agressivos, seguidos de abjurações e cedências silenciosas, fora da imprensa. Toda a retórica oca de aumentar a carga lectiva dos professores e/ou o aumento da sua dedicação in loco à escola soçobrou:
Nada se diz acerca de:
- ATL (que admito e aceito que a maior parte dos docentes não considere digno, mas chegou a ser usado pelo governo),
- salas de estudo acompanhado,
- explicações oferecidas pelo estado (mas nunca há decisões destas por cá, o estado nunca é um verdadeiro agente de igualdade entre classes),
- clubes de leitura e ciência nas escolas,
- tutoria de conjuntos de alunos.
Em tudo o que seria realmente fracturante de uma forma de ver a escola, o governo recuou...apenas pretende poupar em salários.

(8) Horário-mínimo de docente com mais de 50 anos: 14 horas lectivas. Todas as aulas agrupadas em dois ou três dias, sem requisito de exclusividade, sem investigação, sem actividade de gestão (agora vedada na categoria inferior), o que vão então os professores fazer ...? Vide ponto 7.

(L.V.)

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Fico-lhe para sempre grato por, tendo publicado a enumeração exaustiva das funções de um docente do secundário no Abrupto, me ter permitido tomar consciência da minha rotunda iliteracia. É que não consigo entender o jargão, deliberadamente redondo e espesso, utilizado pelos doutos e iluminados educadores que, desde o Dr. Veiga Simão, se têm chimpado na 5 de Outubro. Felizmente que, graças à preclara clarividência do nossos governantes, vem aí um Plano Nacional de Leitura que espero me ajude a não voltar a passar pela vergonha de não conseguir juntar duas letras daquela espécie de novilíngua.

(José Fonseca)

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Sou professora há 30 anos e não consigo parar de pasmar com o que se passa no ensino. Que isto está mal, toda a gente o vê, mas será que ninguém no Governo percebe que não se resolve com ataques indiscriminados da parte da ministra contra os professores? Não serão o Ministério e os sucessivos Governos responsáveis por aquilo que se está a passar? Quem deve avaliar os professores não será o Ministério? O mesmo que permitiu a entrada directa na carreira docente a todos os licenciados que não conseguiram emprego em mais lado nenhum. O mesmo que permitiu que se fossem fazendo sucessivas reformas mais interessadas em esconder a ignorância do que em promover a cultura.O mesmo que obriga os professores a frequentar cursos de formação para progressão na carreira que são um atentado à inteligência de qualquer um ( eu posso fazer um curso de danças populares para subir de escalão como professora de Língua Portuguesa!). O mesmo que obriga os mesmos professores a fazer um relatório das suas actividades, também para progressão na carreira, e que depois não serve para nada uma vez que não é discutido nem defendido pelo próprio, apenas lido por uma comissão de professores que se limita a ver se ele obedece às normas referidas no Decreto-Lei. Não estará o Governo, na pessoa da Ministra da Educação a tentar não perder votos ao passar todas as culpas do estado do país para os professores (incompetentes, preguiçosos, diabólicos, etc)? É que é muito mais fácil resolver as coisas desta maneira. Tem sido sempre assim qualquer que seja o Governo. É preciso olhar para os cursos das Escolas Superiores de Educação e ver a qualidade intelectual dos seus licenciados; é preciso que se tornem a implementar exames a nível nacional para todos os níveis de ensino e com uma ponderação na nota final que lhes permita avaliar realmente os alunos e professores. É muito fácil acabar com o insucesso. Basta os professores darem positivas a todos os alunos. É isto que já começa a acontecer. Tenho a certeza absoluta que não vai haver nem um pai que se preocupe com isto, pelo contrário, vão gostar imenso. É triste.

(Maria Nunes da Silva)

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O leitor N. M. faz a seguinte observação com a qual concordo plenamente:

'Os "pirralhos" são fruto das contingências que lhes oferecemos, sem negar as influências biológicas. '

Sim, é verdade, mas parece-me ser por aqui que passa muita da guerra relacionada com os "cientistas da educação" (de quem não gosto porque me soam a especialistas em Politicamente Correcto, sinónimo, para mim, naturalmente, de Falsidade Perfeitamente Camuflada em Verdade Absoluta, sancionada pelo carimbo "Ciência")

Sim, a frase de N. M. é verdadeira. Mas suponho que falta a conclusão fatal que, na minha opinião seria: "Perante tal há que contrariar os efeitos das contingências com o esforço e até sofrimento de todos nós INCLUSIVÉ dos alunos". É o "inclusive" que não aparece sistematicamente nestas considerações. Os alunos são sempre vítimas, por isso isentas de responsabilidade. Ninguém é capaz de lhes dizer: "Pois, a culpa pode não ser vossa mas são vocês quem terá que aprender. Deitem portanto ao lixo as justificações e atirem-se à matéria - ou ficam burros".

O mundo e a vida são muito frequentemente injustos. E então, carpindo mágoas resolve a coisa?

Frases como “Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;” parecem deixar margem de manobra a uma riquíssima aprendizagem em coisa nenhuma, caminho que já trilhamos há muito tempo com os resultados que conhecemos: a criatividade dos alunos tem-se revelado particularmente acutilante em métodos para não ter que aprender coisa alguma – métodos que o ministério vai sancionando como que fugindo com o rabo à seringa dos resultados obtidos. Resumindo, quanto mais idiota for a ideia que um aluno desenvolva em determinada matéria mais se arrisca a vê-la classificada como radicalmente criativa.

O Rei vai nú.

(H. Martins)

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(...) tomo a liberdade de enviar em anexo o texto dos dois mails que enviei ao Primeiro Ministro e ao Presidente da República, na expectativa de os ver publicados no seu blog. Faço-o não só porque gostei das reflexões que nele vi publicadas, completamente diferentes das boçalidades que por aí pululam, mas também porque o desespero e a frustração de ter uma profissão simultaneamente exigente e menosprezada me obrigam a agir e a instigar. Há alguém que compreenda a a baixa de autoestima que esta equipa ministerial provocou nos professores? Que não se iludam: os melhores de nós procurarão sair.

(Maria Filomena Rocha)

ANEXO : http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Geral/Contactos

Venho por este meio expressar a vossa excelência a minha mais profunda revolta e indignação pelas gravíssimas, injustas, caluniosas, perigosas e demagógicas acusações feitas pela Ministra da Educação na abertura do debate promovido pelo CNE e hoje transcritas no DN e no JN.
Tal ataque cego e destemperado aos professores, que se concretiza em muitas das inaceitáveis e inadmissíveis propostas de alteração do estatuto da carreira docente, desmotiva os inúmeros profissionais qualificados, competentes e profundamente preocupados com os resultados e aprendizagens dos alunos, colocando em causa todo um percurso dedicado à consecução do sucesso educativo dos jovens, na maior parte das vezes em dificílimas condições de trabalho pelas mais variadas razões. As afirmações proferidas pela senhora ministra atacam a essência da missão dos docentes e da escola, questionam toda a orientação do seu trabalho e denigrem a sua imagem junto da sociedade, retirando-lhes o respeito, a autoridade e a competência que lhes deveria ser reconhecida em primeiro lugar pela tutela. Tivessem os docentes a força de outras classes profissionais e estaríamos hoje aqui a intentar uma acção em tribunal por difamação. Num estado de direito, as acusações feitas devem ser provadas e os prevaricadores identificados e punidos. O que é inaceitável e totalmente reprovável é a generalização abusiva, arrasando toda uma classe que está na base do desenvolvimento sustentável de qualquer país que se quer moderno, formado e empreendedor.
Muito mais poderia dizer a Vossa Excelência, sendo contudo preferível que vivenciasse o exigente e desgastante, acredite, dia a dia de uma escola e de um professor.
Termino considerando existirem razões mais do que evidentes para que a senhora Ministra reconheça a ligeireza e imprudência das suas conclusões e peça publicamente desculpa aos professores deste país.

A sua mensagem foi enviada com sucesso.
Em breve receberá um email de resposta.

http://www.presidencia.pt/index.php?action=3

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa

Como mais alto dignatário da nação e garante do estado de direito, venho por este meio expressar a Vossa Excelência a minha mais profunda revolta e indignação pelas gravíssimas, injustas, caluniosas, perigosas e demagógicas acusações feitas pela Senhora Ministra da Educação na abertura do debate promovido pelo CNE e hoje transcritas no DN e no JN. Considero, como muitos, que tal ataque cego e destemperado aos professores, que se concretiza em muitas das inaceitáveis e inadmissíveis propostas de alteração do estatuto da carreira docente, desmotiva os inúmeros profissionais qualificados, competentes e profundamente preocupados com os resultados e aprendizagens dos alunos, colocando em causa todo um percurso dedicado à consecução do sucesso educativo dos jovens, na maior parte das vezes em dificílimas condições de trabalho pelas mais variadas razões. As afirmações proferidas pela senhora ministra atacam a essência da missão dos docentes e da escola, questionam toda a orientação do seu trabalho e denigrem a sua imagem junto da sociedade, retirando-lhes o respeito, a autoridade e a competência que lhes deveria ser reconhecida em primeiro lugar pela tutela. Num estado de direito, as acusações feitas devem ser provadas e os prevaricadores identificados e punidos. O que se afigura inaceitável e totalmente reprovável é a generalização abusiva, arrasando toda uma classe que está na base do desenvolvimento sustentável de qualquer país que se quer moderno, formado e empreendedor.
Por me considerar atingida na minha dignidade profissional e pessoal, atrevo-me assim a dirigir a Vossa Excelência, na esperança de que uma sua possível intervenção contribua para explicar à senhora ministra e à sua equipa as nefastas consequências das suas conclusões, reflectindo sobre e repensando propostas que em nada contribuirão para a promoção do verdadeiro sucesso educativo.

Subscrevo-me atenciosamente,

Maria Filomena Rocha

A sua mensagem foi enviada com sucesso.
Agradecemos a sua participação. A resposta à sua mensagem será enviada tão breve quanto possível.

31 Maio 2006
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Sou professor efectivo com 19 anos de serviço. Estou no 7º escalão (congelado) e fiz um Curso de Mestrado em Estudos Americanos. Deveria estar no 9º escalão, não fosse o "tal congelamento" Agora face à reforma do sistema, vou ficar para sempre congelado, nunca mais podendo ser "tutelado". Entretanto, levo para casa 1200 Euros, tenho 3 filhos a meu cargo (na totalidade) e sou divorciado. Será assim, pagando um salário de miséria e limitando a progressão na carreira a quem está devidamente formado que a nossa educação vai melhorar?

(José Carreira)

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A avaliação dos professores na proposta de revisão do ECD aparece como algo particularmente objectivo parecendo assim que o processo é OBRIGATORIAMENTE transparente e blindado a subverções subjectivas. Dito por outras palavras, presume-se que a aplicação dos mecanismos previstos só podem conduzir a resultados unívocos e justos, sem manipulações para se promoverem os primos, lambe-botas, e cartões-rosa!

Basta percorrer os artigos 44.º e seguintes para se ficar com a sensação de que tudo é claro e objectivo. Esta avaliação " implica a utilização de instrumentos normalizados nos quais se incluirá a definição de cada um dos factores que integram" as várias componentes (art. 45.º, n.º 2); por outro lado, existe uma multiplicidade de itens e factores (art. 46.º) cuja apreciação é posteriormente "convertida" matematicamente numa escala de 1 a 10 (art. 47.º) , da qual, a média vai dizer se o professor é "Excelente", "Muito Bom", "Bom", "Regular" ou simplesmente "Insuficiente"!

Só que, tanta objectividade esbarra logo a seguir com o facto de ser a senhora ministra a dizer quantos "Excelentes" ou "Muito Bons" é que há nas escolas mesmo sem conhecer os professores envolvidos!
" Por despacho conjunto do Ministro da Educação e do membro do Governo responsável pela Administração Pública são fixadas as percentagens máximas de atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente, por escola ou agrupamento de escolas" (art. 47, n.º 3).

Então vamos lá analisar o seguinte exemplo: se, depois da aplicação das fórmulas, se concluir que em determinada escola existem três professores qualificados de "Excelente" no ano em que a Senhora Ministra, decide que só deve haver dois, qual a solução aplicar? Faz-se o "Jogo das Cadeiras" para ver quem fica de pé?

É evidente que terão de ser alteradas e manipuladas as classificações de uma das vítimas, para se cumprir a ordem da tutela. Ou seja, lá se vai a objectividade e transparência por água abaixo!

(Paulo Martins)

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A propósito de um comentário publicado que refere que ao fim de 18 anos há uma estagnação na carreira, os cálculos estão errados. É ao fim de 12 anos que tal acontece. É com esse tempo de serviço que ocorre a transição do 2º para o 3º escalão no 1 º patamar da carreira, de onde uma elevada percentagem nunca mais sairá, independentemente das suas capacidades profissionais, pois a progressão a partir desse momento depende de um concurso sujeito a vagas. Portanto, em 40 anos de carreira, para muitos docentes, a partir dos 12 anos , não existe qualquer possibilidade de progressão.

(Paulo Viegas)

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O Estatuto da Escravidão Docente

Muitos são os trocadilhos que se podem fazer com a designação de Estatuto da Carreira Docente.
Confesso que a que mais me agrada é a de Estatuto da Escravidão Docente e isso não se deve ao desejo de fazer um trocadilho fácil, mas simplesmente porque é aquilo que mais me parece adequado na actual proposta de revisão apresentada pelo Ministério da Educação.
O documento colocado para discussão (será mesmo negociável?) é passível de ser atacado de muitas formas, sendo as mais óbvias aquelas que são esperadas pela equipa ministerial para contra-atacar de acordo com o modelo típico deste Governo que é o de mostrar determinados grupos sociais como privilegiados e reactivos de forma corporativa ao esforço moralizador do Estado.

Também é errado atacá-lo por significar a vitória de uma qualquer facção instalada no Ministério da Educação sobre estes ou aqueles professores, porque isso é minimizar os seus perigos e reduzi-los a questões de luta pelo Poder, o que é perfeitamente lateral ao que é fundamental nesta questão.

Por isso, esse é o caminho que não deve ser seguido por quem pretender demonstrar como este potencial futuro ECD é negativo e prejudicial, não apenas para os professores, mas para o funcionamento do sistema educativo no seu conjunto. Porque esta proposta de revisão do ECD contém demasiados equívocos, erros, omissões, injustiças profundas, incongruências e factores de distorção, para nos ficarmos pela espuma das aparências. Convém, por isso, por deixar de lado a questão das faltas (artigo 94º), dos critérios para a sua justificação e das múltiplas obrigações definidas para os docentes (artigo 36º), porque isso apenas suscitará reacções demagógicas típicas contra quem quer manter “privilégios” e não aceitar “deveres”.
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Comecemos pelas evidentes incongruências do documento: antes de mais, o paradoxo de um documento que pretende servir uma Escola plural, criativa, flexível e com capacidade de reacção aos diversos problemas que se lhe podem colocar, optar por uma estratégia que tolhe profundamente a acção dos docentes, impondo-lhes um espartilho de obrigações formais e de regras de comportamento, cujo não cumprimento pode implicar graus diversos de penalização (desde logo a não progressão na carreira) que torna virtualmente impossível que esses mesmos docentes se sintam disponíveis para arriscar soluções inovadoras, mas potencialmente “irregulares” e, no caso de falharem, puníveis.
Em seguida, o paradoxo de um discurso que, pretendendo afirmar uma política de meritocracia, reduz imenso as possibilidades de valorização dos docentes, limitando-lhe as hipóteses de valorização pessoal, circunscrevendo-as na prática apenas à oferta das próprias estruturas centrais, regionais ou locais do Ministério (artº 109).
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Depois temos as injustiças gritantes: fazer depender parte da avaliação de um docente do desempenho dos seus alunos (artigo 46º, nº 2, alíneas b e c), pois isso coloca em situação de vulnerabilidade todos aqueles que trabalham, voluntariamente ou não, em zonas e com turmas problemáticas. Isto significa que os professores que se disponibilizam para trabalhar com turmas de percursos alternativos e outras modalidades e soluções destinadas a combater as situações de maior insucesso escolar, estão em situação de risco acrescido em relação a quem trabalha em zonas “pacíficas” e com turmas regulares. O abandono escolar ou o insucesso escolar provocado por factores exógenos à acção do docente terão reflexos na sua avaliação, mesmo que tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para contrariar situações que, por exemplo, podem derivar da situação familiar dos discentes. Para além disso, coloca nas mãos dos órgãos executivos a possibilidade de fazer uma distribuição “selectiva” das turmas, favorecendo conjuntos de docentes em relação a outros.
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Quanto aos factores de distorção passíveis de ser introduzidos em todo o sistema de funcionamento do sistema educativo, logo desde a introdução de um novo ECD como este, destacaria desde logo o facto de ser criado, ex nihilo, um sistema hierárquico tendencialmente gerontocrático, pois postula que passem a professores titulares os docentes que se encontrem actualmente nos 9º e 10º escalões, passando esses professores-titulares a “dominar” áreas sensíveis como a coordenação pedagógica de grupos disciplinares, a orientação de docentes em ano probatório ou a própria avaliação dos restantes docentes. Para um sistema que se pretende meritocrático na progressão na carreira e rigoroso na avaliação, esta primeira medida é claramente incongruente, pois valida o factor-idade como suficiente e único para constituição das novas elites nos estabelecimentos de ensino e/ou agrupamentos. Desde quando é a antiguidade, por si só, critério de mérito que permita o acesso a uma situação de privilégio?
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No plano das omissões avulta a inexistência de qualquer tentativa de limitar a perpetuação das mesmas pessoas nos cargos executivos, pois nada se escreve sobre a limitação dos mandatos. Actualmente, existem grupos fechados que dominam estabelecimentos de ensino e agrupamentos, com práticas de gritante nepotismo que a presente proposta de ECD parece querer validar ao fechar formalmente esses grupos e ao dar-lhes um maior poder ainda sobre a avaliação dos colegas, em especial se for aplicada uma política de quotas para a atribuição das melhores classificações.
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E aqui entronca o mais crasso de todos os erros deste documento que é tornar a avaliação dos professores um processo que não é kafkiano, mas apenas um emaranhado burocrático de competências, em que todos parecem ter um papel na desorientação geral, mas em que a margem para a cristalização de práticas de favorecimento pessoal e de clientelismo se alarga de forma desmesurada. O mais grave não é a participação dos encarregados de educação no processo; o mais contestável é que o processo possa ser adulterado, desde o seu início, por questões de ordem pessoal e tornar-se um sistema atribiliário e, mais do que subjectivo, simplesmente arbitrário e ditado por humores e simpatias. Qualquer docente que se torne persona non grata junto do poder estabelecido na sua escola, vê-se perfeitamente desprotegido perante a possibilidade de ser prejudicado por um conjunto variado de factores.
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Por tudo isto, e muito mais haveria a dizer numa leitura mais demorada do documento, acho que é dever de todos os docentes com orgulho de ainda o serem, intervirem e desmascararem a forma ínvia como todo este processo tem decorrido e vai culminar, sem que nenhuma parte activa tenha sido deixada aos próprios docentes na definição das condições do exercício da sua profissão.

Paulo Guinote (professor de nomeação definitiva do quadro de escola, do 1º grupo do 2º ciclo do Ensino Básico, doutorando em História da Educação)

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