No que correu bem (algumas coisas correram bem aos alemães) e no que correu mal (muita coisa), a batalha de Kursk foi mais decisiva do que qualquer outra para o destino final da II Guerra Mundial. Não é líquido o que podia acontecer caso Hitler não tivesse mandado suspender a ofensiva, no momento em que, com muita dificuldade,as divisões alemãs tinham conseguido juntar-se numa frente contínua, para reforçar a frente italiana ameaçada pelos desembarques americanos.
Conheci um combatente de Kursk, um velho azeri com os dentes de ouro, que usava as suas medalhas sobre um fato puído. Chamava-me "effendi", palavra que nunca imaginei alguém chamar-me, tão longe vinha da história otomana e queria vender uma carpete que trazia aos ombros, a sua riqueza súbita num sítio onde não havia turistas. Mas o velho sabia muito mais do que eu e não esquecera a deferência do tratamento para com quem, naquele sítio, uma aldeia azeri com refugiados do Nagorno-Karabakh, estava com as autoridades, com o poder. Contava depois, com orgulho, como tinha iniciado a guerra nos momentos difíceis de 1941 e a tinha acabado em Praga vitorioso, combatendo sempre pelo caminho. Com passagem pelo matadouro de Kursk.
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Discordo, JPP, que a batalha de Kursk tenha sido mais decisiva "do que qualquer outra" para o destino final da II Guerra Mundial. A mais decisiva foi Estalinegrado, e Kursk, 5 meses depois da rendição do 6º Exército, foi apenas o seu remate. Em Estalinegrado não foi apenas o 6º Exército, a fina flor da Wermatch que vencera a França um ano antes, que desapareceu; foi praticamente todo o exército romeno e boa parte do grupo de exércitos do Don! Mais: a ofensiva russa em tenaz que cercou o 6º exército alemão em Estalinegrado foi apenas parte de uma ofensiva muito mais geral que atacou depois todo o flanco esquerdo da ofensiva alemã, guarnecido por exércitos italianos, obrigando o grupo de exércitos do Don a retirar apressadamente para Karkhov, de onde partira a ofensiva de Verão desse ano de 1942. Mas há mais: conforme foi narrado pelo grupo de reporteres do 6º exército, no Inverno de 1942-43 a Rússia já produzia mais tanques, morteiros e munições que o Reich. O T-34, embora fosse um tanque primitivo quando comparado com o Tigre que faria a sua "apresentação" meses depois, em Kursk, avariava muito menos que este precisamente devido à sua simplicidade, e tinha lagartas largas adaptadas à neve e à lama. Os Tigres tinham uma blindagem quase invulnerável e um canhão incomparável, o 88, mas enterrava-se com facilidade devido ao seu peso e avariava-se ainda mais facilmente. Em Kursk boa parte deles não passou dos campos de minas com que os russos se fortificaram. E mais ainda: já em Estalinegrado a percentagem de feridos que sobrevivia era nos russos superior à dos alemães, atestando a superioridade dos seus serviços médicos de campanha! Mas, onde a superioridade se afirmaria ainda mais, seria na espionagem. Em Kursk, apenas alguns meses depois da derrota da ofensiva para o Cáucaso, Hitler já estava derrotado à partida. Era claro que não conseguira destruir os exércitos russos nem a Norte, em 1941, nem a sul em 1942, e por isso foi uma ofensiva desesperada. Em primeiro lugar por que, ao contrário das anteriores, este ataque já não se inseria num plano estratégico (a ofensiva de 41 visara Moscovo e a de 42 o petróleo do Cáucaso). Em segundo lugar porque Hitler piorou da sua paranóia racista e decidiu abdicar dos exércitos auxiliares estrangeiros (aliás já praticamente destruídos) e apostar em factores mágicos, nomeadamente nas divisões SS de maior pureza racial e dando-lhes nomes gloriosos. Em terceiro lugar por que os russos dominavam completamente o terreno e as informações: minutos antes do hora marcada secretamente para o início do ataque, o exército russo desencadeou uma barragem infernal de artilharia, mostrando que sabia tudo sobre os planos nazis, para já não falar nas fortificações preparadas arduamente durante semanas, incluindo vastos campos de minas que, apesar da eficácia nocturna dos sapadores alemães, foram um cemitério para os tigres. Em quarto lugar por que os russos tinham entretanto aprendido tácticas de combate tão boas como as dos alemães (e que por sua vez eram incomparavelmente melhores que as de ingleses e americanos). A primeira importância de Kursk foi a de ser a primeira batalha frontal em que, em pleno Verão, quando os tanques se não enterravam e os aviões tinham boa visibilidade, os exércitos mecanizados nazis tiveram tantas baixas como o seu inimigo. Com uma diferença: enquanto os russos eram já capazes de substituir as máquinas e os homens perdidos em poucos meses, as perdas alemãs eram praticamente irrecuperáveis. A segunda e maior importância de Kursk foi a de ter tornado claro para todo o mundo que a eficácia militar de choque nazi fora superada. Foi certamente por isso que foi a partir de Kursk, no Verão de 43, que a resistência clandestina nos territórios ocupados ganhou outro fôlego e alguns colaboracionistas começaram a mudar de campo, como Miterrand. Infelizmente foi também a partir de Kursk que a paranóia nazi descambou de todo, atribuindo aos judeus a culpa dos males sofridos e que eles próprios tinham provocado, e que a matança dos mesmos entrou no desenfreamenteo total. Não creio que a ofensiva de Kursk tenha sido parada por Hitler por que os aliados ameaçavam a Itália. Creio que foi ao contrário: os aliados resolveram finalmente atacar a sério a Ocidente por que em Kursk ficou claro que Rússia ganhara a guerra. Até por que em Itália os aliados negociaram com os italianos a sua mudança de campo e estes não ofereceram resistência. Teriam de vir a ser os páraquedistas alemães a deter a ofensiva aliada em Monte Cassino, meses depois, já bastante perto de Roma... Significa isto que a guerra aliada na frente ocidental não teve mérito? Teve, claro. Mas muito mais por ter impedido o comunismo de ocupar o Ocidente do que por ter derrotado os alemães!...