ABRUPTO

2.6.06


ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (5ª série)




Porque é que ninguém considera os alunos como intervenientes activos e responsáveis pelo seu sucesso ou insucesso?

Atente-se no Plano de Acção para a Matemática, Ano Lectivo 2006-07: "(...) o sucesso de uma intervenção para a melhoria dos resultados em Matemática depende fundamentalmente do trabalho das escolas e do trabalho colectivo dos professores de matemática."
Os alunos nem sequer são considerados (isto para não falar já dos pais, dos quais, segundo parece, nada se espera).
O S. e a N. eram ambos meus alunos a Matemática no 9º ano. Tiveram 5 no final do ano e 5 no exame, quando bastava terem tido 3 para manterem o 5 final (e sabiam-no).
Porque é que trabalharam tanto para o exame? E porque é que outros, também meus alunos, a receberem as mesmas aulas, não o fizeram? E esta é que é a questão verdadeiramente crucial no problema do insucesso escolar!!! Os alunos. Andar à procura noutros sítios só me faz lembrar a história contada por Herberto Helder:
“Trata-se de uma mulher que perdeu uma agulha na cozinha e a procura na varanda de sua casa. Acorre então o jovem que pretende ajudá-la, e pergunta:
Que procura? – Uma agulha. Caiu-me na cozinha. Logo o inexperiente jovem se espanta muito e quer saber porque a procura ela na varanda. – Porque na cozinha está escuro – responde a mulher.
A parábola ajudará a desaprender alguma coisa, e depois será possível aprender outra coisa.”
Acho que isto diz tudo.

(Rui Monteiro, professor de Matemática)

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Preocupação pertinente a da professora Madalena Santos no seu texto do Abrupto. As disciplinas de Área Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica servem para tranquilizar as mentes pensantes do "eduquês" em primeiro lugar, servem para impedir uma maior exigência curricular a Português, Matemática, Inglês, etc. Servem para os professores falarem com "agenda", mas sem ensinar nada durante os 90 minutos que duram cada aula de cada uma dessas pseudo-disciplinas, servem também para que os alunos nunca mais na vida queiram fazer trabalhos de grupo tal a pressão para o fazerem, com qualquer pretexto, de qualquer modo e com qualquer tema, num difícil período de desenvolvimento pessoal, em que as aptidões necessárias ao sucesso de um trabalho de grupo tais como aceitação dos diferentes pontos de vista, capacidade negocial, objectividade em relação às competências de cada um, e gestão de recursos, estão muito pouco desenvolvidas ou mesmo ausentes. As repetidíssimas experiências de trabalho de grupo são sobretudo, nestas idades, momentos e motivos de acrescida tensão, conflito, luta por liderança, que pouco ajudam o bom relacionamento entre colegas e amigos e que tanto tempo tiram à aquisição de conhecimentos.

Também eu tenho dificuldade em perceber como ninguém nunca fala sobre este assunto. Os Pais não se importam?

(não sou professora)

(J.)

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Reparo nos comentários que se continua a insistir em lugares comuns sobre os professores, típicos dum país em que todos desconfiamos que os outros não fazem nada. Não sou professor (nem o quero ser), mas conheço bem muitos professores. Para lá da experiência pessoal de que são sempre os meus amigos professores que têm menos disponibilidade e tempo livre, o facto é que quem se dá ao trabalho de investigar vê que um professor (pelo menos um professor normal, que em todas as profissões há quem não faça o que deve) trabalha tantos dias como os restantes trabalhadores (ao contrário do raciocínio simplista de muitos, quando os alunos estão de férias, os professores não estão de férias) e tem bastantes horas de trabalho por dia, a grande maioria das vezes muito mais do que oito horas. Claro que a maior parte das pessoas, completamente fora do mundo da educação, confundem "horas lectivas" com "horas de trabalho", quando uma grande parte da carga de trabalho docente consiste na preparação das aulas (ou assim devia ser...). Por isso, quando a maior parte dos meus amigos sai do trabalho, têm tempo para si; quando se trata dum professor, raramente tem tempo para deixar de pensar na profissão. Mas, claro, é mais cómodo deixar passar a imagem banal do "professor-preguiçoso". Talvez por traumas do tempo de escola...

(E ai de mim se insinuar que o ensino até melhorou um pouco nos últimos 30 anos, apesar de todos os entraves. Obviamente, é mais fácil dizer que está tudo mal, não tentar destrinçar nada e atirar para o ar uns lugares comuns à laia de soluções infalíveis.)

(Marco A. F. Neves)

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Num conjunto de textos publicados n’As Farpas, sob o título “Os nossos filhos – instrução pública” ( e do qual aqui se transcreve alguns excertos), Ramalho Ortigão focava já alguns dos problemas que, neste momento, afectam o ensino e os que nele intervêm:

Em primeiro lugar os alunos habituam-se desde a infância, nos primeiros actos da sua vida civil, a descrerem do mérito, do trabalho, e do estudo, a contarem para todo o êxito com a falseação das provas, com a mercancia da justiça e com a omnipotência do compadrio – perfeita iniciação para uma inexistência de intriga, indolência e de desonra.

Os pais, quites para com as suas consciências dos encargos da educação que devem a seus filhos pelo facto de haverem delegado noutros esses encargos, contentam-se em participar aos parentes que o menino continua a ser aprovado nos seus exames, até que, aos dezasseis ou dezassete anos, o colégio devolve à família plenamente aprovado em todos os seus estudos o menino que a família lhe confiara, e o pai encontra-se então, frente a frente, no seu campo, na sua loja, na sua oficina, ou no seu lar doméstico, com um mancebo aproximadamente inútil para toda a espécie de emprego.

[…]

Na Escola Politécnica, na Universidade, num escritório comercial ou na casa paterna esse rapaz deixará correr descuidadamente a sua existência pelo declive fácil em que o puseram, sem estímulos afectuosos, sem vontade, sem energia, sem força, sem consciência e sem carácter”

(Ortigão, Ramalho – Os Nossos Filhos-Instrução Pública. In As Farpas, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1944.Tomo VIII, p.15-17)
Ao ler estas palavras recordei-me de alguma situações passadas, como por exemplo, a da professora primária que numa aula do 3.º ano ensinou aos que um conjunto de dois versos era um dueto, tendo posteriormente, quando questionada sobre o facto por um dos pais, explicado que para eles era mais fácil fixar o termo dueto do que dístico; ou do professor cujas aulas se repetiam textualmente, ano após ano; do professor que corrigia os testes durante as aulas; ou ainda o caso do professor que, momentos antes de entrar na sala, confessava não saber que matéria iria dar naquela aula; mas também o caso dos cento e tal atestados médicos que foram entregues por alunos aquando dos exames do 12.º ano, entregues com a conivência de pais e médicos, há dois anos atrás; ou ainda o estudo divulgado na passada semana, segundo o qual 4 em cada 5 alunos do ensino superior, copiava, uma vez que a sociedade premeia as melhores classificações em detrimento do saber e outras capacidades…

O ensino em Portugal tem sido desde sempre um dos principais problemas a que nenhum governo (passe o exagero e a presunção), tem sabido dar resposta.

Certamente nos recordamos da possibilidade que existiu durante largos anos, de “professores” leccionarem, tendo como habilitações o 11.º ano, ou o curso da Alliance Française, British Council,…, sem a mínima preparação pedagógica (a este propósito, não consigo perceber a indignação de um dos leitores, docente no ensino superior politécnico, por o quererem “obrigar a fazer estágio pedagógico”).

Claro está que ao permitir-se atitudes destas, deu-se azo à máxima utilizada por um dos leitores: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina, e quem não sabe ensinar é... agente educativo.”

Se a tudo isto juntarmos a massificação do ensino, (que levou a destruição do ensino técnico de que agora tanto se fala), o florescimento de escolas quer ao nível do ensino básico quer ao nível do ensino superior e a redução de alunos que se começou a verificar há alguns anos a esta parte, o resultado só poderia ser aquele a que chegámos.

E tudo isto era e tem sido do conhecimento dos governos, dos sindicatos, dos docentes e da sociedade em geral, sem que nada tenha sido feito para combater a situação, procurando-se agora empolar exageradamente a questão: um dos leitores chama a atenção para “a quantidade infindável de tarefas e funções a que vão obrigar os docentes [e para] a complexidade dos processos envolvidos em cada uma delas”.

Assim como as moedas têm sempre duas faces, também as situações podem ser sempre vistas de dois modos diferentes.

Ninguém, de bom senso, acredita que a cada professor será exigido o cumprimento simultâneo de todas as tarefas e funções enunciadas, tratando-se outrossim de um mero elencar das mesmas.

Por outro lado, é preciso não esquecer que muitos daqueles que tantos protestam são, provavelmente, os mesmos que usufruem de 6 a 8 horas de redução num horário de 22 horas, trabalhando 14 horas semanais (contrariamente ao funcionário público comum que é obrigado a fazer 35 horas até se reformar), e complementando o seu tempo de descanso, para que foram dispensados, com explicações noite dentro!

Em síntese, há boas e más políticas, há bons e maus bons profissionais, há melhores e piores condições de trabalho… (...)

(Jorge Amaral)

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Notas soltas sobre a Escola

Há 9 anos, era eu pouco mais que recém-licenciado, concorri para dar aulas no distrito de Beja – nos então designados "mini-concursos" – e fiquei colocado! Na altura tinha apenas uma licenciatura em Sociologia, obtida na Universidade Nova de Lisboa; tão mal forjada para as minhas necessidades de emprego como para as necessidades do mercado.

O facto de ter uma licenciatura em Sociologia tornava-me, na altura e creio que ainda hoje, legalmente habilitado para dar aulas de Português/História ao 2º ciclo do ensino básico; apesar da mesma legislação não me considerar capaz de leccionar… Sociologia!

Quando me apresentei na escola deram-me o horário com a anotação 318/91. Perguntei o que é que aquilo queria dizer e responderam-me que era o diploma legal que regulamentava o ensino especial e, no caso, o ensino que eu deveria leccionar às minhas turmas. Preocupei-me, li o diploma, preocupei-me ainda mais, falei com o conselho directivo que me tranquilizou e me encaminhou para o gabinete de psicologia da escola. No gabinete de psicologia tranquilizaram-me – outra vez! – e disseram-me que não me preocupasse, que não tivesse muitas expectativas em relação aqueles miúdos e que me limitasse a ir com eles ao centro de recursos, ver uns filmes, conversar um bocado… enfim, passar o ano.

Não sei se nesta altura do relato, para avaliar convenientemente a situação, interessa lembrar que eu não tinha experiência lectiva, não tinha qualificações para lidar com crianças com necessidades especiais, nunca tinha dado uma aula e que a única coisa que me habilitava a dar aulas de Português/História (ou passar o tempo com os alunos, como explicitamente o gabinete de psicologia da escola me sugeriu) era uma licenciatura em Sociologia. Por esta altura poder-se-á perguntar se o cenário era este, porque raio resolvi eu aceitar o desígnio. A explicação é simples. Estava desempregado, queria trabalhar (o que nem sempre são condições cumulativas), disponibilidade para sair de casa e ir arranjar emprego a 200 kms de casa (de Cascais a Beja), tinha um "perfil" de habilitações que o "mercado" reconhecia e validava, uma imensa vontade de aprender e, já nessa altura, uma grande apetência para os processos de ensino/aprendizagem.

Conheci finalmente os alunos. Eram 14. Distribuídos por 4 (!) turmas o que dá uma média de 3,5 alunos/turma. Uma turma tinha 6, a outra tinha 4 e ainda havia 2 turmas com 2 alunos cada. Nenhum deles tinhas necessidades especiais – sobretudo deficiências ou incapacidades como o discurso correcto lhes chama agora – como o diploma anunciava. Tinham de facto necessidades especiais, mas de outra ordem. Resultavam essas necessidades especiais de serem crianças provenientes de montes isolados e de lugarejos rurais, onde a sociabilidade era pouca, pobre, rude e, não poucas vezes, violenta.

Fosse lá como fosse, a escola tinha resolvido contratar um professor de português e um de matemática e outros de outras disciplinas para dar "acompanhamento" mais personalizado (um acompanhamento sobre o qual nem sequer tinham pensado muito…) a estas crianças.

Nem vou falar sobre o efeito que esta pedagogia, alegadamente inclusiva, e o seu efeito estigmatizante, consubstanciado no facto de se criarem turmas especiais para os "bichos do mato" ou, como lhes chamavam na altura, os "319", tinha sobre as crianças.

Vou falar de prioridades. E de custos. Que é coisa que a esquerda normalmente acha que faz parte da agenda suja da política.

Ora bem, eu tinha na altura um horário completo (deveriam rondar, não me recordo com exactidão, as 21 horas lectivas) tal como todos os meus colegas que tinham, também eles, aproximadamente 4 turmas "normais". Uma turma "normal" contava com uns 20 e tal alunos. Façamos a coisa pelos 22. Ora cada colega tinha (4 turmas x 22 alunos) 88 alunos. Eu tinha 14. Recebíamos todos aproximadamente o mesmo. Eu deveria receber, líquidos, qualquer coisa como 180 contos. Ora, isto fazia com que os meus alunos, para desenvolverem competências em Português/História, custassem, cada um deles, (180 cts/14 alunos) quase 13 contos por mês. Ao passo que os outros alunos custavam apenas (180 cts/88 alunos) 2 contos; para o mesmo objectivo.

A pergunta que eu faço, e faço-a a pensar nesta minha experiência particular, como a faço a pensar nos acontecimentos em discussão sobre a violência nas escolas urbanas e sub-urbanas é a seguinte: e os melhores? Quem se preocupa com os melhores? Aqueles que, em turmas "normais", aguardam pelo curso normal, na melhor da hipóteses, da mediania geral? Pior: quem se preocupa com aqueles que, não sendo ainda pré ou proto ou recém delinquentes, pelo convívio e sobretudo pela partilha do espaço escolar com todos aqueles que já são qualquercoisa-delinquentes acabam por não se desenvolverem como mereciam numa escola que estimulasse a excelência e que não andasse sempre a olhar para os mais violentos, e para os mais carentes de ajuda e para os mais atrasados.

É evidente que não julgo que se devam deixar cair, ainda mais, os mais fracos. O que não suporto é ver a Escola consumir-se até à exaustão com toda a problemática dos coitadinhos, nomeadamente por via dos efeitos que o meio exerce sobre eles, como se o facto de se nascer e viver na Cova da Moura tornasse o individuo, inexoravelmente, num marginal inimputável ou merecedor de maior atenuante que outro marginal qualquer nascido e criado na Quinta da Gandarinha.

O que não suporto é ver a Escola transformar-se numa arena em que aos alunos e aos pais dos alunos é permitido insultar, cuspir, agredir e incendiar os cabelos dos professores, com total impunidade. E um Estado que ao invés de proteger a Escola e de a centrar no essencial a desloca para tarefas que deveriam estar a ser, no limite, caso os pais sejam irremediavelmente casos perdidos, desempenhadas pelo Instituto de Reinserção Social, pela Polícia, pelos Tribunais e pela Segurança Social.

(Pedro Gomes Sanches)

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Sou professor do ensino secundário e estou, como muitos outros, "de rastos" com o actual estado da carreira docente. A proposta apresentada por este governo vai piorar ainda mais o nível do ensino em Porugal. É reconhecido pelos especialistas que a carreira docente é uma das profissões mais causadoras de stress e as alterações que têm sido introduzidas nos últimos anos só têm ajudado a piorar o estado das coisas, como referia um leitor deste blog, neste momento os professores vivem "afogados" em burocracia, reuniões e projectos, não lhes sobrando muito tempo para fazerem aquilo para que se propuseram e que é preparar aulas e ensinar. Como se não bastasse o actual estado das coisas e os ataques que já foram feitos vem agora este governo denegrir ainda mais a imagem dos professores perante a opinião pública, por que razão? Na minha opinião estas manobras mediaticas têm por objectivo legitimar junto da opinião pública este ataque à classe docente.

As razões que estão por detrás deste novo estatuto são as mesmas que estão por detrás da lei que pretendia obrigar os professores a permanecerem 35 horas por semana na escola e que são, nada mais nada menos que o corte no orçamento da educação. Inventam-se motivos, inflama-se a opinião pública contra os professores para que, no meio da confusão, os cortes salariais sejam introduzidos. Na minha situação em particular, com a aplicação desta lei no presente ano lectivo, com os mesmos cargos e com o mesmo ou mais trabalho na escola tive um corte salarial de cerca de 150 €. Multiplicado este valor por alguns milhares é facil encontrar a causa do surgimento desta lei.

O estatuto proposto vai provocar exactamente o mesmo efeito desejado. Com a introdução de bastantes entraves na subida da carreira docente (convenientemente disfarçados com motivações pedagógicas) vão haver bastantes professores a ficar retidos em escalões mais baixos e consequentemente com ordenados inferiores.

Relativamente à resposta por parte dos sindicatos a esta situação gostaria aqui de lamentar a desunião existente e a manipulação partidária dos mesmos.
Que lógica tem um sindicato ser apoiado por um partido? Como é obvio quando esse partido estiver no governo vão existir compadrios e o sindicato não vai fazer o papel que devia! Quem acredita no contrário?
Gostava ainda de referir que relativamente à greve anunciada pela FENPROF, prevista para uma ponte, sem estar sequer disposta a ouvir os demais sindicatos e a chegar a um acordo para uma iniciativa concertada, na minha opinião joga claramente a favor do governo pois desta forma a única coisa que vão conseguir é denegrir ainda mais a imagem dos professores junto da opinião pública. Todas as pessoas vão se levadas a pensar que a greve foi feita para que se tivesse um fim de semana prolongado, "malandros dos professores que só querem sopas e descanso".

(Francisco Lampreia)

*

Antes de mais quero esclarecer que sou professor. Tenho uma licenciatura em Física cujos os primeiros dois anos e meio são comuns à preparação científica de outros cursos do ramo científico (Matemática e Física) nos semestres seguintes são “cadeiras” das áreas das didácticas específicas , psicologia, sociologia entre outras. A preparação de uma monografia temática no quarto ano com uma forte componente laboratorial associada é igualmente necessária. O quinto ano da licenciatura é um estágio com 3 supervisores, dois científicos (Física e Química) e um docente que acompanhou as minhas actividades numa escola, o estágio pedagógico integrado, que inclui a elaboração de dois seminários (trabalhos escrito em estreita colaboração com os supervisores científicos).

Tenho 10 anos de serviço nos quais ao longo dos primeiros cinco conheci várias escolas e portanto realidades diversas. Nos últimos seis anos tenho trabalhado na formação inicial de professores tendo exercido o cargo de supervisor pedagógico em colaboração com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A formação acrescida, fornecida pela instituição do ensino superior para o exercício do cargo tem sido realizada regularmente e de forma pertinente com vista à melhoria do processo. Para além disso adquiri um Mestrado na área da Educação Multimédia cuja interdisciplinaridade muito enriquece quem o frequenta. A minha tese assentou num desenvolvimento de um estudo nacional sobre a utilização das TIC na escola em particular pelos professores da minha área; na produção de recursos e estratégias para uma eficaz integração das novas tecnologias nas escolas e na compreensão das perspectivas pedagógica – didácticas com base no livro branco da Física e Química entre outros estudos com vista a uma mudança de paradigma educativo cuja a eficácia dê resposta às necessidades não só formativas da população para o século XXI como do desenvolvimento de competências transferíveis. Participei em simpósios internacionais apresentando comunicações. Formador de professores, actividade que suspendi por ter optado por continuar como supervisor apesar de penalizado do ponto de vista remuneratório.

Constato hoje que os meus alunos de 9º ano de à dez anos sabiam mais e melhor, que a maioria dos alunos que agora completam o 11º ano de escolaridade. Para que possa compreender que esta é uma comparação possível e não uma opinião cumpre-me explicar que o currículo está elaborado em espiral. De uma forma simples é o mesmo que dizer que os alunos andam sempre a falar do mesmo mas com graus de profundidade crescente. Voltam sempre, mais tarde, aos assuntos. É portanto comparável tendo em conta que hoje coloco nas minhas fichas de avaliação do 10º e 11º ano questões com um nível de exigência idêntico às que colocava aos meus alunos de 9º ano de à dez anos atrás. Os professores são os mesmos. O que mudou então? A resposta é simples: o sistema. Temos os mesmos programas e menos horas para os leccionar; o número de alunos por professor disparou. Quando comecei um professor tinha cerca de quatro turmas (cerca de 100 alunos); hoje um professor tem entre 7 a 11 turmas ( cerca de 180 alunos). Equacionando a implementação de novos programas e de um aumento significativo de trabalho burocrático nas escolas com a pressão da instituição e da sociedade para um sucesso a qualquer custo começa-se a compreender os resultados. Lembremo-nos do tempo em que era necessário o 9º ano para obter a carta de condução, forma de reconhecimento dos valores e conhecimentos aí adquiridos. Hoje esse é um aspecto irrelevante.

Antes de qualquer opinião que se possa ter sobre a proposta do governo no que respeita ao ECD é necessário perceber que esta é uma mudança de paradigma e que o actual estatuto não é comparável à proposta do governo.

Sobre este assunto seria interessante conhecer as opiniões de Roberto Carneiro, Marçal Grilo ou Ana Benavente.

A grande diferença está no estatuto dos professores. Afinal é essa a função do documento. As diferenças são enormes. De modo muito simplificado podemos afirmar que no actual ECD, ainda em vigor, os professores são vistos como responsáveis e parte integrante do sistema educativo. As suas funções no terreno são trabalhar com o ministério da educação no sentido de melhorar o sistema. Na actual proposta os professores não trabalham com, mas para o ministério da educação. São funcionários (servis) e não colaboradores activos para uma melhor educação.

Como supervisor estou habituado a ter aulas assistidas todos os anos por várias pessoas. Assisto e avalio o desempenho de outros à tempo suficiente para perceber que este sistema de avaliação serve sobretudo para avaliar um funcionário e não um professor.

Neste novo paradigma as responsabilidades do governo são enormes. Não há dúvida que face a maus resultados o governo não mais poderá atribuir a culpa aos docentes, pois possui todos os mecanismos de avaliação e correcção das irregularidades do sistema.

Resta saber se este é o modelo adequado às exigências dos tempos e do país. Este não é apenas um Estatuto da Carreira dos Docentes é um modelo de educação para o país que vamos conhecendo aos poucos. O país deve ter uma palavra a dizer e o assunto deve ser discutido abertamente sem a postura fossilizante dos sindicatos e a casmurrice da ministra.

É talvez a confusão entre formação profissional e educação que este governo não percebe.

Os sucessivos governos PS têm afundado sempre a educação pública. Esta é sem dúvida a última machadada. O PP não faria melhor.

Do ponto de vista social a situação é grave e tende a agravar-se. Ao contrário do que possa supor qualquer intelectual de esquerda esta democratização da ignorância que a escola pública promove (não os professores) levará, na minha opinião e a curto prazo a uma cisão entre classes sociais. Os acontecimentos recente em Paris com a incineração de automóveis na via pública é um aviso a que devemos estar atentos.

Um último pensamento: ainda não percebi se esta reforma em curso é fruto de uma convicção séria ou de uma posição demagógica com objectivos económico-financeiros mas que ainda não pesou as consequências a longo prazo.

“A coragem e a estupidez identificam-se pelos resultados obtidos” dizia um colega meu; o problema é que quem irá pagar será o país e não este governo pois é certo que nessa altura estarão na oposição.

Uma coisa é certo estas não são as funções para as quais me preparei.

(C. B.)
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Por que razão ninguém toca na ferida das àreas Projecto e Estudo Acompanhado que, juntamente com a Formação Cívica, têm uma carga horária igual a duas disciplinas, tal como História e Ciências ou CN e Inglês. A redução da carga de Inglês? Depois a Senhora Ministra diz que eles não sabem matemática.... E a indisciplina? Os programas?
Os noventa minutos, em que sobeja tempo útil de aula, ao contrário dos quarenta e cinco, em que falta? E as carências dos meninos mais pobres? E as pobrezas morais que por aí há que "animam" muito os telejornais? Na escola, nós temos de lidar com elas antes da "Alice no País das Maravilhas".

A culpa é sempre toda dos porfessores. Porquê?

(Madalena Santos, Professora do 2º ciclo, Ensino Básico)

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