ABRUPTO

8.5.06


UMA MISSA NA IGREJA SÉRVIA DE BUDAPESTE



Ao lado da Igreja está uma exposição sobre Nikola Tesla (os jogadores de Command Conquer podem imaginar quem é…), mas nenhum raio atingiu o incréu que entrou pelo jardim do pequeno pátio. A Igreja está abaixo do nível da rua, o que quase a ia destruindo nas cheias de 1838. É pequena, num barroco moderado, pintada de um amarelo forte. Está quase sempre fechada, guardada por um portão de ferro. À volta, um relvado e velhas árvores, nos muros, lápides tumulares. E, em pleno centro de Budapeste, um silêncio apenas perturbado pelos pássaros.
A comunidade que a frequenta não é muito grande, mas tem a intensidade habitual nos momentos de identidade, como seja o ritual da missa. Sem ser espectacular, nem artisticamente relevante (a maioria das suas pinturas e ícones são tardios, em estilo italiano), a Igreja atrai pela sua intimidade, por se perceber que é uma igreja a sério. Talvez o cheiro forte a incenso e estearina seja o principal factor nessa ecologia que se sente imediatamente. A missa segue o complexo ritual ortodoxo, com um padre paramentado, cercado de vários outros padres e acólitos, que se movimenta à volta das portas da iconostasis. Ao lado, um coro, em frente um pão numa mesa. Nas igrejas orientais o pão é fermentado, é pão mesmo. O padre levanta dois castiçais e cruza as velas. Volta-se para as imagens e depois para os fiéis, que já não respeitam a tradicional separação entre homens e mulheres, traçada na geografia da Igreja por uma diferença de nível e uma barreira de madeira. O “Sinal da Cruz” é diferente do nosso.

Na assistência, os homens mais velhos movimentam-se sem ruído, todos vestidos com as suas "roupas de domingo". Dois tipos de mulheres assistem, sem meio termo, umas vestidas de negro, como as monjas ou as nossas viúvas do Norte, outras grandes e louras e muito pintadas, vestindo vestidos com um traço antiquado. Vestidos-vestidos, em vez de mera roupa, vestidos com pompa e arquitectura, que trazem com grande naturalidade e um sentimento de estar bem, de serem o que são, mesmo ali na Igreja, onde nas suas faces se percebe a fé.

A uns metros dali, havia uma missa católica, muito mais frequentada, mas que, talvez por conhecer melhor o seu ritual e o interior da Igreja ser-me mais familiar, me pareceu mais habitual, menos curioso. Como a curiosidade muito me move, fui atrás da maior estranheza. Na Igreja sérvia eu sabia que estava na Europa de lá, na Igreja católica, uma das muitas de Pest, era como estar na Basílica da Estrela. Mas, em ambas as igrejas, o tempo estava parado. Deve ser isso que elas dão aos que tem fé: um momento de eternidade, a participação num outro tempo mais sagrado que a velocidade profana do lado de fora.

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© José Pacheco Pereira
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