Na democracia de Timor-Leste há um problema de fundo que ninguém tem falado. Além dos vários problemas sobre o "não respeito das minorias", há este problema de fundo: as únicas eleições que existiram em Timor-Leste, além da Presidência da República, foram para a Assembleia Constituinte, em 2001, organizadas pelas Nações Unidas. Como é normal, em qualquer processo democrático, estava previsto fazer-se as eleições para o Parlamento Nacional de acordo com a nova Constituição.
Com o consentimento de Sérgio Vieira de Melo, a Fretilim, que tinha a maioria absoluta, incluiu uma cláusula na Constituição que diz: Artigo 167 da Constituição de Timor-Leste: «A Assembleia Constituinte transforma-se em Parlamento Nacional com a entrada em vigor da Constituição da República.»
Ou seja, O ACTUAL PARLAMENTO E ACTUAL GOVERNO DE TIMOR-LESTE NÃO RESULTARAM DE ELEIÇÕES.
A intenção seria "evitar despesas" com eleições. No entanto, os partidos mais pequenos, e principalmente os que não têm deputados, estavam à espera das eleições para se afirmarem, ficaram frustrados e nunca "perdoaram" nem aceitaram esta "transformação". Por isso, desde sempre, que esses partidos minoritários têm apoiado manifestações contra o Governo por não ter sido democraticamente eleito, mas "nomeado".
ESTRATÉGIAS PARA ESMAGAR A OPOSIÇÕES
Além da estratégia da Constituição, que "eliminou" qualquer hipótese de oposição, existem outras ameaças:
E o problema mais grave surge porque existem receios (e "ameaças") de várias estratégias para "esmagar" toda e qualquer oposição dentro e fora do partido, utilizando, para o efeito, várias estratégias legislativa formais.
Nas eleições para os Chefes de Sucos, em 2005, à última da hora foi introduzida legislação que inviabiliza a apresentação de candidatos pelos partidos da oposição, por exemplo.
A recente "eleição de braço no ar", no congresso, embora dentro do partido foi mais um indicio que o Governo utiliza todas as estratégias para evitar oposições (como o fez com os chefes de Sucos).
O que a comunidade internacional tem a fazer é vigiar e pressionar para que exista verdadeira democracia, e não democracia formal. Caso contrário, continuarão a surgir tentações totalitárias, estimuladas com o dinheiro do petróleo.
(Marcos)
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A etnicidade é um combustível ao qual se pode chegar o fogo mas é claro que nem todos - dos mais de 20 grupos etno-linguísticos e das centenas (pelo menos) de clãs - se agregam de forma fácil das duas designações etnicas colectivas: Firaku e kaladi.
Timor é um país mais clãnica do que étnico. Mas isso não melhora a situação.
O problemático desta crise é a de poder ser reduzida - pelo desconhecimento - a uma crise político-institucional (o que parece ser a sua posição) no esquecimento dos problemas socio-culturais. Assim, a reconstrução vai outra vez usar os militares os político e os juristas e esquecer-se das áreas soft da Antropologia e das ferramentas de construção das nações.
(Paulo Castro Seixas)
Fragmento do artigo de Paulo Castro Seixas, "Firaku e Kaladi: Etnicidades Prevalentes nas Imaginações Unitárias em Timor Leste", Trabalhos de Antropologia e Etnologia, vol. 45 (1-2) SPAE, Porto
Em 2001, na altura da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte e Parlamento em Agosto, quando em casa do Francisco (um dos meus interpretes da cultura timorense) com alguns membros da sua família e muitas crianças, visionávamos no LCD da minha câmara um dos comícios em Liquiçá, numa conversa do Francisco com o seu irmão, a certa altura, surge a referência a alguém no comício que é classificado como “Firaku”. Foi neste contexto, já político, que pela primeira vez (apesar de em 2000 já ter efectuado uma estadia de terreno) ouvi este termo. Quando perguntei o que queria dizer “Firaku”, surgiu ali a primeira versão desta história na voz do Francisco com a ajuda do seu irmão e que de seguida parafraseio:
Quando os Portugueses chegaram a Timor, falaram primeiro com os timorenses de Dili. Os timorenses ouviram e ficaram calados. Depois foram para leste e voltaram a falar com os timorenses dali mas neste caso os timorenses simplesmente viraram as costas aos portugueses. E, assim, os calados ficaram “Kaladi” e os que viraram as costas tornaram-se “vira-cus” e depois “Firaku”. Os “Firaku” são os timorenses de Lorosae, de Manatuto para leste e são mais extrovertidos, negociantes e meliantes; os “Kaladi” são os de Loromono, de Manatuto para Oeste e são mais introvertidos, mais perguiçosos, mais consensuais. (Esta foi a versão contada por dois Kaladi).
Apesar de ter regressado a Timor em 2002 e em 2003, só em 2004 (Março-Abril) considerei que era o tempo propício para apalavrar esta questão pois com a entrega da segurança interna e externa ao governo timorense pela UNMISSET teríamos os timorenses entregues a si próprios e às suas diferenças. Portanto, Firaku e Kaladi caracterizariam diferenças entre os timorenses, tal qual foram percebidas pelos portugueses. E tais representações culturais, cuja origem estaria no primeiro “confronto do olhar” dos portugueses com os timorenses, teriam talvez como elemento prévio ou, pelo contrário, ganharam ao longo do tempo, uma densidade étnica na memória e representação actual da sociedade timorense. No entanto, ao longo dos últimos 4 anos de trabalho sobre Timor (com 5 estadias no país de cerca de mês e meio cada) percebi que esta classificação é uma estrutura latente e não é apalavrada nas conversas correntes, pelo menos explicitamente através de tais denominações apesar de fazer parte dos sentidos das conversas, por vezes mesmo antes delas se iniciarem .
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SOBRE A FUTEBOLÂNDIA
A propósito da futebolândia, Albert Camus, que adorava o futebol, dizia que "os detractores do futebol são tremendos: obrigam-se a falar do futebol" porque a concepção que tinha do jogo encerrava-se nesta asserção:"Ce que finalement, je sais de plus sûr de la morale et des obligations des hommes, c'est au football que je le dois...". É possível que esta visão do jogo constituisse o modelo existencialista corrente e já globalizado nos dois primeiros quarteis do século XX, a ajuizar pelas declarações do então Presidente da Federação Internacional de Futebol, Jules Rimet: "Je suis comme Charles-Quint, le soleil ne se couche jamais sur mon empire". O que é indesmentível.
(João Boaventura)
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SOBRE O PLANO NACIONAL DE LEITURA
(...) Tenho também algumas dúvidas sobre a eficácia de um Plano Nacional de Leitura uma vez que partilho do ponto de vista do leitor do Abrupto Gabriel Mithá Ribeiro que questiona a legitimidade de tal plano num universo em que nada de fundo é anunciado para aumentar o saber dos alunos, mantendo um nível de complacência geral e acreditando que aulas de substituição e a presença dos professores na escola, para lá das horas de aula (medidas com as quais também eu concordo) resolvem o que quer que seja. Ninguém nunca falou em exigir mais dos alunos: disciplina, aprendizagem e avaliação. Ninguém nunca falou em alterações profundas aos currículos nomeadamente questionando o que se dá, as disciplinas que se impõem aos alunos: eu continuo sem perceber a utilidade de disciplinas como Estudo Acompanhado, Área Projecto e Educação Cívica, esta última então, é de um politicamente correcto absolutamente assustador num universo em que os alunos tem uma literacia baixa, capacidades matemáticas baixas, e sérios problemas de violência (física, verbal, intimidação) e disciplina.
O problema com a leitura e a literacia é um problema social. Não sei, também aqui, como Planos disto ou de aquilo poderão modificar algo de estrutural e tão enraizado como a marginalização da leitura face outras actividades mais imediatamente "gratificantes". Os hábitos de leitura surgem quando a criança, e até o adulto está num ambiente de leitura. Quando têm livros à sua volta, quando vêm os outros, pais, família, amigos, conhecidos a ler. Só se gosta de ler, lendo.
Eu poderia escrever muitíssimo mais sobre este assunto, quer enquanto mãe de filhos em idade escolar, quer enquanto amante de leitura, quer enquanto grande crítica dos currículos escolares cheios de ruído e pouca substância que formam uma sociedade de plástico e tipo Morangos com Açúcar.