ABRUPTO

25.5.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LEITURA, LEITURAS

No domingo 21 de Maio a crónica de Vasco Pulido Valente no Público refere-se a um convite que lhe terá sido enviado por três ministros para pertencer à Comissão do Honra do Plano Nacional de Leitura. Afirma ter resolvido responder em público. Mas afinal limita-se a usar o convite como pretexto para um arrazoado de ataques incongruentes e despropositados. Acusa os ministros de lançarem “uma fantasia”, sem se dar ao trabalho de esclarecer o leitor qual é afinal o conteúdo do dito Plano.

Acusa o Dr. Graça Moura, de fazer propaganda ao governo (!) Acusa a televisão, o computador e o telemóvel de impedirem as “criancinhas” de lerem, para afirmar na frase seguinte que afinal nunca se leu tanto em Portugal. Acusa o Miguel Sousa Tavares, a Margarida Rebelo Pinto e o Saramago porque “vendem”livros. Acusa os best-sellers e seus leitores de existirem. Afirma que os hipermercados promovem mais a leitura do que as escolas e as bibliotecas, enfim, não vale a pena continuar a reproduzir o chorrilho de asneiras.

É óbvio que o autor da crónica ignora, (ou quer ignorar?) quais são os resultados dos portugueses nos estudos internacionais de literacia. Bastava-lhe ter lido os jornais na altura da publicação do relatório do PISA 2003, ou consultar a net., para se informar. Se o tivesse feito, poderia verificar que a competência de leitura de 48% dos jovens de 15 anos é mínima. Apenas lhes permite localizar uma informação num texto ou identificar o tema principal do que leram. Um tão baixo nível de domínio da leitura no final do ensino básico exige que se tomem medidas, pois deixa irremediavelmente comprometido o sucesso académico e profissional das novas gerações e impossibilita o desenvolvimento do país. Face a este panorama, considero absolutamente extraordinário, que se possa considerar “inimaginável” a intervenção do Estado, usando como argumento que se deve deixar agir o mercado, ou mais precisamente o “hipermercado”.

Saberá o autor que praticamente todos os países europeus, mesmo os que apresentam resultados bastante favoráveis, lançaram ou estão a preparar medidas de âmbito nacional para desenvolver a literacia? Que países com tradições de intervenção minimalista do Estado nas áreas da Educação e da Cultura (por exemplo o Reino Unido) lançaram planos nacionais e têm apresentado resultados muito positivos? Não leu, não sabe e provavelmente não lhe interessa saber. (...) A mim, como professora, interessa e muito e espero que o governo neste plano siga o bom exemplo inglês que pode ser visto aqui.

(Olívia Cardoso)

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Ao contrário da minha Colega Olívia Cardoso, fui dos que reagi no PÚBLICO favoravelmente ao texto de Vasco Pulido Valente. Independentemente das especificidades do Plano Nacional de Leitura e do tom veemente do autor, o problema é que esse tipo de planos, certamente “causas nobres” (para usar a expressão de VPV), têm sistematicamente desviado a acção governativa das medidas de fundo que teimosamente continuam a ser adiadas no ensino. Não é “à volta do ensino” que se resolve o problema da literacia, mas dentro do próprio ensino, sem me é permitida a imagem. Para usar uma expressão do Primeiro-Ministro, «Não há volta a dar». Os mesmos governantes que desvalorizam o papel de saberes estruturais para a identidade civilizacional a que pertencemos (a nível literário, científico ou, numa palavra, humanista), através da imposição ou tolerância face a currículos e programas que muitas vezes não revelam mais do que ódio ao conhecimento; os mesmos governantes que se entretêm com as aulas de substituição (com as quais concordo), mas que não mudam nada de substantivo no modelo esgotado de sala de aula e de relação professor-aluno-conhecimento; os mesmos governantes que fingem não entender que a tranquilidade (e mesmo o silêncio) são decisivos para a qualidade das aprendizagens e mantêm uma política de avestruz face aos problemas de indisciplina; os mesmos governantes que pressionam o corpo docente no sentido do facilitismo (por exemplo, incentivando a que a avaliação incida sobre absurdos como as “competências” ou as “atitudes” e cada vez menos sobre a qualidade do que os alunos, de facto, lêem, escrevem ou são capazes de calcular) – tais governantes não têm depois grande legitimidade para, tal qual almas cândidas, virem propor “planos” para corrigir o monstro que deixam arrastar. Admitia legitimidade a tais “planos” se eles viessem complementar políticas de fundo. Mas, lamentavelmente, não é nada disso que está a acontecer. Um outro aspecto que me parece preocupante é que os consensos que tais “planos” bem-intencionados quase invariavelmente geram (tal qual organismos inócuos como o Conselho Nacional de Educação) na prática tendem a apagar a dimensão verdadeiramente política e democrática (e porque não ideológica) do debate educativo. Foi a quase ausência do contraditório, do debate frontal sobre opções ditas «pedagógicas», que fez do ensino aquilo que ele é: o território onde se manifestam, por excelência, efeitos socialmente nefastos do politicamente correcto. Creio que a esse nível, ingleses ou europeus, não nos podem dar grandes exemplos. Há apenas, em benefício deles, uma diferença de grau. Mas o problema é de fundo.

(Gabriel Mithá Ribeiro)

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