O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: IMPOSTOS E DEMAGOGIA
(Continuação da discussão da nota LENDO / VENDO /OUVINDO (11 de Maio de 2006)
Diz António Lobo Xavier no Abrupto:
"Do ponto de vista teórico, só há três tipos de justificação para atenuar ou eliminar a tributação das mais-valias de acções. A primeira tem que ver com o facto de se tratarem de rendimentos ocasionais, “trazidos pelo vento”, para os quais porventura será exagerado aplicar taxas progressivas que foram pensadas para rendimentos periódicos, que se repetem, ordinários, ainda para mais quando o IRS na prática impede a comunicação das perdas entre as categorias; em geral, pode dizer-se, de facto, que as perdas não têm relevo fiscal no IRS!. A segunda tem que ver com a preocupação de evitar um efeito de lock-in, que o proprietário de bens que se pretende que circulem os conserve mais tempo do que seria desejável para evitar o imposto. A terceira, a mais importante, prende-se com a preocupação em evitar a dupla tributação. Os ganhos feitos com as acções correspondem à antecipação ou realização dos ganhos ou incrementos de valor experimentados pelas próprias empresas, os quais são normalmente tributados em IRC. É possível dizer, por isso, em grande medida, que há dupla tributação se simultaneamente tributarmos as empresas pelo respectivo incremento de valor e depois as pessoas singulares, quando realizam pela venda das acções o mesmo incremento de valor. É claro que isto não conduz automaticamente a uma isenção das mais-valias de acções realizadas por particulares. Cada sistema escolhe a medida tolerável de dupla tributação. O problema será sempre um problema de política fiscal, de atracção do investimento ou de facilitação de obtenção de fundos em mercado de capitais. O resto é conversa demagógica em que o discurso político é fértil quando se trata de impostos.
A proposta do BE não fica por aqui, contudo. Aquilo que mostra o seu ódio ao capitalismo e seus instrumentos é a proposta de não aceitar como custo fiscal os encargos financeiros com a aquisição de empresas! Não lembra a ninguém, é de um basismo chocante! É melhor a empresa que faz aquisições com capital próprio do que a que faz o mesmo com crédito? Por que razão os custos financeiros são menos dignos do que todos os outros, para apurarmos o rendimento real? O bloco desconhece que as SGPS não podem já deduzir os custos financeiros com aquisições, desconhece que as suas menos-valias não são consideradas, enfim, parece que estamos na Albânia há mais de trinta anos. Podia ser só ideologicamente simbólico, mas não é: é básico, irracional e retrógrado."
Sem querer defender Louçã, permito-me contrapor o seguinte:
1. O fundamento de taxas nominalmente progressivas não é incompatível com a tributação dos ganhos fortuitos, antes pelo contrário. A utilidade marginal dos ganhos fortuitos é menor que a dos rendimentos ordinários, pelo que justificaria uma progressividade ainda maior. Dito isto, muito mais chocante do que a isenção das mais-valias é a isenção do Euromilhões.
As limitações à comunicação de perdas entre categorias de IRS não justificam a isenção de qualquer uma das categorias. As derrogações à unidade do imposto não se combatem com mais derrogações.
2. O efeito lock-in só existe se a tributação das mais-valias for mais gravosa do que a dos restantes rendimentos. De contrário, temos de nos preocupar primeiro com o efeito de lock-in sobre o ócio em resultado da tributação do trabalho.
3. Não há dupla tributação económica dos lucros não distribuídos ou nem sequer realizados. Mesmo considerando que as mais-valias representam o valor presente dos dividendos futuros esperados, que por definição são líquidos do IRC sobre os resultados, o que faz sentido não é isentar as mais-valias, mas sim tratá-las como os dividendos, até para evitar uma arbitragem ineficiente do ponto de vista do mercado.
4. O problema da dedução dos encargos com o financiamento de OPAs aos resultados operacionais das empresas adquiridas não releva do amor ou ódio ao capitalismo, mas da medida admissível de subcapitalização do adquirente. É um problema de erosão da base tributável e, por essa via, da repercussão do esforço fiscal sobre os demais contribuintes. (Nem só as SGPS lançam OPAs)