ABRUPTO

31.5.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE
(Actualizado)



Acabo de ler a proposta para o novo Estatuto da Carreira Docente (ECD) e fiquei siderado. Está certo que é uma primeira impressão. Mas o que lá está parece-me excessivamente perigoso. O documento mostra como o PS se rendeu às «Ciências da Educação» e a consequente desvalorização do papel central que os saberes científicos ou académicos específicos deveriam ter no sistema de ensino. A questão da avaliação dos professores pelos encarregados de educação seria um pormenor «acidental» e «removível» se não traduzisse o espírito do documento. Mas traduz. Parece estar a acontecer aquilo que receava do mais perigoso do populismo do governo do Eng.º José Sócrates: ao misturarem-se questões salariais dos docentes com questões «pedagógicas» (mais propriamente ideológicas) da função educativa, inquinaram-se quase irremediavelmente para as próximas décadas as condições para uma reforma de fundo naquilo que é substantivo para o ensino: a relação de sala de aula ou a relação professor-aluno-conhecimento. Não sei se este PS está a reformar o ensino ou a queimar esterilmente o terreno social favorável para a reforma que existia no tempo do Prof. David Justino (por muitas críticas que possam ser dirigidas a esse ex-ministro da educação).

O ECD parece-me anunciar a blindagem das Ciências da Educação dentro do Estado e do sistema de ensino (básico, secundário e superior). Não discutir politicamente a expressão «Ciências da Educação» que consta no Artº 54 da proposta e que confirma a notável conquista da última década de foro de «ciência privilegiada», conquista essa decidida por decreto governativo e não pelo prestígio social assente no valor irrefutável do seu saber, é tomarem-nos por estúpidos. Tirem-se esse tipo de muletas políticas aos cientistas da educação e ver-se-á o que sobra: pouco mais do que um lobby ideologicamente organizado. O problema não é só o que está explícito como o que está implícito em todo o documento.

Como é possível que um lobby (dos «cientistas da educação» ou qualquer outro) tome de assalto o ensino (e o estado) sem que isso gere um verdadeiro, profundo e genuíno debate público sobre quem é ou não dono do pensamento social sobre educação/ensino num país que se auto-referencia como democrático, livre, civilizado? Porque razões o pensamento dito liberal hiberna nestes momentos cruciais? Andaremos nos próximos meses a discutir questões laterais e deixaremos o essencial, como é hábito. O país arrisca-se, uma vez mais, a pagar caro por mais umas décadas este apoio leviano a quem, com a capa de «reformista», nos empurra para o desastre educativo, desta vez com um sorriso de quem disparata escudado numa confortável maioria absoluta. Não me preocupa a questão dos salários dos docentes. O problema é uma ideologia tacanha que, ao não ser combatida, vai persistindo de um modo inacreditável. Será que existe oposição em Portugal? Será que a classe política ligada às questões educativas tem lucidez mínima para avançar com esse tipo de debates? Ou o simples rótulo de «ciência» transforma uma qualquer área do saber em vaca sagrada?

(Gabriel Mithá Ribeiro)
*

Para entender a clarissíma incompetência desta "equipa" ministerial deixo aqui apenas as funções e tarefas exigidas a um docente:


"O docente desenvolve a sua actividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e no quadro da formação integral do aluno, cabendo-lhe genericamente:

a) Identificar saberes e competências-chave dos programas curriculares de forma a desenvolver situações didácticas em articulação permanente entre conteúdos, objectivos e situações de aprendizagem, adequadas à diversidade dos alunos;

b) Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;

c) Trabalhar em equipa com professores e outros profissionais, envolvidos nos mesmos processos de aprendizagem;

d) Desenvolver, como prática da sua acção formativa, a utilização correcta da língua portuguesa nas suas vertentes oral e escrita;

e) Assegurar as actividades educativas de apoio e enriquecimento curricular dos alunos, cooperando na detecção e acompanhamento de dificuldades de aprendizagem;

f) Assegurar e desenvolver actividades educativas de apoio aos alunos, colaborando na detecção e acompanhamento de crianças e jovens com necessidades educativas especiais;

g) Utilizar adequadamente recursos educativos variados, nomeadamente as tecnologias de informação e conhecimento, no contexto do ensino e das aprendizagens;

h) Utilizar a avaliação como elemento regulador e promotor da qualidade do ensino, das aprendizagens e do seu próprio desenvolvimento profissional;

i) Participar na construção, realização e avaliação do projecto educativo e curricular de escola;

j) Participar nas actividades de administração e gestão da escola, nomeadamente no planeamento e gestão de recursos;

l) Participar em actividades institucionais, designadamente em serviços de exames e outras reuniões de avaliação;

m) Colaborar com as famílias e encarregados de educação no processo educativo, em projectos de orientação escolar e profissional;

n) Promover projectos de inovação e partilha de boas práticas, com outras escolas, instituições e parceiros sociais;

o) Fomentar a qualidade do ensino e das aprendizagens, promovendo a sua permanente actualização científica e pedagógica apoiado na reflexão e na investigação;

p) Fomentar o desenvolvimento da autonomia dos alunos, respeitando as suas diferenças culturais e pessoais, valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo processos de exclusão e discriminação;

q) Demonstrar capacidade relacional e de comunicação, assim como equilíbrio emocional nas mais variadas circunstâncias;

r) Desenvolver estratégias pedagógicas diferenciadas, promovendo aprendizagens significativas no âmbito dos objectivos curriculares de ciclo e de ano;

s) Assumir a sua actividade profissional, com sentido ético, cívico e formativo;

t) Desenvolver competências pessoais, sociais e profissionais para conceber respostas inovadoras às novas necessidades da sociedade do conhecimento;

u) Promover o seu próprio desenvolvimento profissional, criando situações de autoformação diversificadas, nomeadamente em equipa com outros profissionais, na resolução de problemas emergentes de educativas situações;

v) Avaliar as suas práticas, conhecimentos científicos e pedagógicos e gerir o seu próprio plano de formação.

Ao professor titular são atribuídas, além das previstas no número anterior, as seguintes funções:

a) Coordenação pedagógica do ano, ciclo ou curso;

b) Direcção de centros de formação das associações de escolas;

c) Exercício dos cargos de direcção executiva da escola;

d) Coordenação de departamentos curriculares e conselhos de docentes;

e) Orientação da prática pedagógica supervisionada a nível da escola;

f) Coordenação de programas de desenvolvimento;

g) Exercício das funções de professor supervisor;

h) Participação nos júris das provas nacionais de avaliação de conhecimentos e

competências para admissão na carreira ou da prova de avaliação e discussão

curricular para acesso à categoria."

Repare na quantindade infindável de tarefas e funções a que vão obrigar os docentes (vinte e nove). Repare, ainda na complexidade dos processos envolvidos em cada uma delas.

Levanto apenas três questões:

1. Que ser humano é capaz de cumprir com tal número de tarefas e funções?

2. Que ser humano do mundo ocidental aceita realizar tal número de taferas por mil euros?

3. Quem vai preparar as aulas?

O problema principal da escola pública portuguesa é a insensatez, a profusão de questões ideológicas e a falta de pragmatismo. A escola pública portuguesa, actualmente, não serve ninguém, porque transformou-se num centro de apoio social, de entretenimento e de guarda de crianças e jovens. Tudo isto devido às “ciências” da educação, repare na enorme quantidade de “parasitas” que vivem à custa da escola pública:

Escolas Superiores de Educação;
Faculdades que leccionam licenciaturas em Educação;
Docentes dessas escolas;
“Investigadores” das “ciências” da educação;
Editoras que publicam os textos (todos muito semelhantes e completamente vazios) destes “investigadores”;
Entre outros.

Isto chega ao ponto de se obrigar professores com 3 anos de experiência na formação de jovens e adultos e mais de 8 anos de experiência a leccionar no ensino superior politécnico a fazerem estágio pedagógico! As “ciências” da educação dominam de tal forma a escola pública, que os professores com mais de 6 anos de experiência são obrigados a frequentar uma Escola Superior de Educação para assistirem e serem avaliados a disciplinas como: “Psicologia da Educação”, “Sociologia da Educação”, “Organização Curricular e Avaliação”; “Organização e Gestão Escolar” e finalmente aquela que realmente interessa: “Técnicas pedagógicas”. Para perceber ao ponto a que isto chegou, raramente é leccionada qualquer aula nas quatro disciplinas acima referidas, os alunos é que as leccionam...! Justificação? A legislação está sempre a mudar...!
(...) Se em Portugal não for possível encontrar quem seja capaz de o fazer, que se contrate alguém de fora; porque a escola pública está-se a esvaziar de alunos oriundos das classes média, média alta e alta. Está-se a transformar num centro social para as classes sociais mais desfavorecidas.
(...)

Devido ao teor de todo o texto do novo ECD, à impossibilidade de qualquer ser humano ser capaz de cumprir o exigido e à humilhação a que a classe docente tem estado exposta, pondero seriamente abondar o ensino público português. E, se tal acontecer, tudo farei para deixar de vez este miserável país. Infelizmente, uma boa parte dos docentes das áreas tecnológicas (licenciados em engenharia) com quem tenho conversado, já tomou esta decisão uma vez que não estão para mais vexames públicos.

(..) um docente cansado de tanta insensatez e tanta humilhação pública,

(Carla Maria Fonseca Gouveia)

*

No artº 111 da Proposta de Alteração do Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente apresentada pelo Governo este fim de semana, diz-se o seguinte (sublinhados meus):

"1 – O exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino

públicos é feito em regime de exclusividade.

2 – O regime de exclusividade implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo nos casos previstos nos números seguintes.

3 –É permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com:

a) Actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente;

b) O exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino."


Eu não percebo muito de leis, mas parece-me que, com este artigo, o Governo pretende dizer aos professores o que eles devem ou não fazer no seu tempo livre e privado. Percebo, por exemplo, que o Governo pretende impedir-me até de fazer trabalho voluntário (já que nem mesmo admite as actividades não remuneradas), coisa que eu faço desde os meus 14 anos! Mas com que direito? E seremos nós, os professores, um balão de ensaio com o objectivo de estender a outros esta vontade de controlar sem limites as vidas dos cidadãos?

(Rui Monteiro, professor de matemática)

*

Não posso deixar de exprimir a minha mais profunda revolta e tristeza pela forma como têm sido os professores tratados. Hoje perante as primeiras páginas dos jornais não posso deixar de sentir revolta. Não vou comentar a necessidade de revisão nem esta revisão. Quero apenas expressar que considero indigno a forma como estrategicamente estas noticias aparecem na comunicação social.

Penso não ter espírito de perseguição. Poderei estar enganado, mas sempre que querem "apertar o papo" aos prof´s a ministra parte para uma "peixeirada" pública que muito diz dos políticos que temos. Sei que não é politicamente correcto dize-lo. Que normalmente isto é dito apenas por "gentinha", mas temos uma ministra que nitidamente não se sabe comportar e temos todos os outros a assistir e a aplaudir. Fala alto, aos berros e tem medo que não lhe obedeçam. Necessita da coacção pública. Necessita de denegrir os seus funcionários perante a opinião pública, perante pais e alunos. Como enfrentarão, os professores, amanhã os seus alunos?

Não resisto a fazer um comentário ao estatuto da carreira docente proposto: não promove quem merece. coloca à partida docentes no topo da carreira a avaliar outros possivelmente (quase certo) com mais formação. Teremos Bacharéis a avaliar pessoas doutoradas. Será razoável?

(Carlos Brás)

*

Julgo que se estará a entrar numa profunda demagogia com esta lista de funções docentes. Obviamente que nenhum professor irá cumprir TODAS essas tarefas. Mas poderá (pela primeira vez) cumprir alguma delas nos seus tempos livres. Finalmente deixaremos de ter professores dispensados da Escola por “ausência de serviço”. Uma situação recorrente em quase todas as Escolas deste País que não é conhecido pelo sucesso das suas escolas e dos seus alunos. Uma situação que permitia às Direcções Escolares (eleitas pelos professores) dar muitos dias de férias aos a quem os elegeu, para além dos devidos por lei. Nomeadamente nos períodos de interrupção das actividades lectivas. Agora, sem prejuízo dos seus horários (de 35 horas), os professores poderão contribuir para a melhoria da sua Escola. Clarifica-se, deste modo, uma questão importante: o que devem fazer os professores na escola…

(Gonçalo Araújo)

*

QUEM SABE FAZ, QUEM NÃO SABE ENSINA, E QUEM NÃO SABE ENSINAR É... «AGENTE EDUCATIVO»

Asseverou-me um amigo biólogo, especialista em espécies autóctones em perigo, que o homo docens, comummente conhecido como professor, se encontra em vias de extinção. Por incapacidade adaptativa às novas exigências ambientais/ profissionais, o professor, isto é, aquele que estuda e ensina, irá, num fósforo, transformar-se numa raridade zoológica. Os seus tropismos adaptativos (estudar , ler, ensinar, pois é!) já não são eficazes, e é vê-lo agora a soçobrar (também de tédio!) nas intermináveis reuniões dos conselhos (pedagógico, de turma, de directores de turma, de departamento, de grupo...), que se transformaram numa morosa (logo)terapia grupal. É vê-lo a arquejar nos labirintos processuais dos projectos/planificações/formações/avaliações, e muitas outras ninhices pedagógico/didácticas, à espera de ser professor, isto é, estudar, ler, ensinar.

(Paulo Ferreira)

*

Os comentários ao Novo Estatuto da Carreira Docente levantam-me preocupação. E preocupam-me porque à falta de substância (tirando o comentário muito pertinente acerca da ingerência na vida privada), optam por criar um manto de dúvidas para criar confusão e medo. Usam-no batendo nas ciências da educação, porque está na moda bater nelas. Como estaria na moda bater na física de Galileu durante o Renascimento ou já esteve na moda bater em muitas outras ciências no seu início. Sim, porque cem anos ou pouco mais não é senão o início de uma ciência. Na informática, mas também nos meios militares e politicos, e em muitos outros, há hoje um nome para isto: ataque por FUD (Fear, uncertainty and doubt).

Critica-se a "quantidade infindável de tarefas e funções" (29), não querendo ver que surgem como requisitos, que não são uma lista para ir marcando de cruz à medida que são feitas... Discussão objectiva é isto: se são muitas, apontem-se as que estão a mais. Como no célebre filme Amadeus, em que perante a sugestão do imperador que a sua música tinha notas a mais, Mozart perguntava então quais devia tirar.

Falam-se em "parasitas" das educação, apontando Escolas Superiores, Faculdades, Docentes, Editores. Então, pergunto: eliminem-se estes actores, e como se forma um professor? Sem sem ensinado por ninguém, sem nada ler? Será que estão a propor que se aprenda a ensinar na lógica "atirem-se à água para nadar"? Aprende-se melhor a nadar na água dentro dela, não a ter aulas teóricas sobre natação, é o que se tenta explicar muitas vezes. Que não é o mesmo que dizer que as aulas teóricas sobre natação não sejam importantes. É apenas dizer que, sendo úteis, não bastam para saber nadar.

Critica-se a "obrigação" de professores com experiência terem de estudar sociologia, psicologia, organização e avaliação, porque o que interessaria seriam apenas as técnicas pedagógicas. É triste ouvir isto. Já agora, tivesse-se a coragem (falo ironicamente) para propor não aprender mais do que o estritamente necessário ao exercício das funções manuais. Francamente! Então ter noções de psicologia, de sociologia, de métodos de avaliação não interessa?!? Porventura são noções óbvias e evidentes, que só porque um professor tem experiência certamente domina?!? De modo algum!! Dou aulas há 7 anos e continuo a procurar mais informação sobre todos estes elementos, não apenas sobre as "técnicas pedagógicas". É como um carpinteiro dizer que só quer saber de cortar madeira, não de economia, não de atendimento a clientes, não de conservação das madeiras em armazém ou depois de entregues os móveis aos clientes...

As ciências da educação, como em qualquer outra área científica emergente, contêm grande valor e grande quantidade de irrelevância ou desinformação. Simplesmente, os professores, que deveriam ter um espírito crítico para avaliar e julgar o que lêem e ouvem, preferem geralmente receber informação doutrinária, "a papinha feita", e assim dá-la (mesmo a nível superior), mais do que ter de assumir uma vida perante conhecimento que, por ser científico, é imperfeito e incerto. É mais difícil receber informação, pensamentos, ideias, conhecimento que apresentem contradições, que possam entrar em contradição com o que se vê e pensa... E tentar resolver essas contradições. É mais fácil dizer "faça-se como sempre que se fez, não tenho de pensar tanto".

Se as ciências da educação em Portugal foram tão más para o Ensino, então porque está a população em geral muito mais bem formada? Proventura esquecem-se as pessoas do que era o ensino no anos 70 e anteriores, da quantidade de pessoas que simplesmente saia do sistema ou era deixada para trás... E que hoje estão na escola. Comparar os poucos (e éramos poucos) que conseguiam prosseguir no sistema de ensino com a globalidade da população que o faz hoje é não apenas cegueira, mas muito perigoso.

(Leonel)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]