ABRUPTO

25.4.06


PALAVRAS QUE SÃO MULETAS DO NOSSO JORNALISMO: ESQUERDA / DIREITA



Ao "analisar" o discurso do Presidente da República repetem n vezes a muleta da "esquerda" e da "direita" e nem sequer se apercebem de que o fazem para enunciar uma perplexidade, - o Presidente da "direita" fez um discurso de "esquerda" -, que talvez justificasse outro tipo de análise. Só que esta é simples e permite simplificar. O problema é que os factos são mais teimosos do que as palavras.

*
A propósito do discurso do Presidente da República, e a sua observação, ou seja, sobre o estado da Nação, não resisto a transcrever o que José Daniel Rodrigues da Costa versejou, sobre o mesmo assunto em 1819, e sucessivas edições (1820, 1822 e 1829), há 177 anos portanto, com o título infra, e onde transparece algum retrato de um Portugal que se vai parecendo a si mesmo, como se o tempo tivesse parado no tempo.

PORTUGAL ENFERMO / PELOS VICIOS, E ABUSOS DE AMBOS OS SEXOS

Portugal, Portugal ! Eu te lastimo !
E bem que velho sou ainda me animo
A mostrar-te os defeitos, e os excessos
Dos costumes, que tens já tão avessos
Dos costumes, que tinhas algum dia,
Quando mais reflexão na gente havia.
Tu de estranhas Nações foste envejado;
Hoje faz compaixão teu pobre estado:
Cada vez te vão mais enfraquecendo,
Todo o brilho, que tinhas, vas perdendo:
Paraiso do mundo te chamavão;
As mais Nações com tigo se animavão;
Ellas porém ficarão sãs, e fortes;
E tu todo o instante exposto aos córtes
Da usura, da ambição, da falcidade,
Do egoismo, da fuga, da impiedade:
Males, que aos que bem pensão cauzão tédio,
A que apenas descubro hum só remedio,
Que outro melhor não ha, a que se apelle,
E muita gente chora a falta d’Elle*…
……………………………………………

*…A desejada vinda dos nossos Soberanos.

Guardando as distâncias no entendimento do tempo que as separa, e se se quiser aplicar à actualidade o rodapé de então, basta substituí-lo, com a devida vénia, por A desejada vinda do Professor Cavaco Silva.

Pela sua extensão, limito-me a transcrever o princípio. Para quem quiser compulsar todo o livreto pode fazê-lo na Biblioteca Nacional, na cota L 65160 P, correspondente à edição de 1822 que consultei, mas as outras edições também estão disponíveis. Vale a pena lê-lo para se verificar que 177 anos, não são mais do que 177 dias.

(João Boaventura)

*

Mais do que a pobreza de análise da "esquerda/direita", "com cravo/sem cravo", perfeitamente indigente (é mesmo a expressão, peço desculpa) há coisas mais importantes a marcar a sessão comemorativa do 25 de Abril, a saber:

A tónica colocada por ACS na inclusão social que é, verdadeiramente, a pedra de toque que distingue o desenvolvimento do sub-desenvolvimento, a civilização da barbárie.

O facto de o seu discurso ter focado um só tema (um e só um), aquilo que se poderia designar em linguagem de gestão o key issue, evitando a dispersão distractiva e o discurso programático.

O discurso radical, aqui sim "à direita", do CDS/PP, afastando-se do conteúdo da notável entrevista de Mª José Nogueira Pinto à 2: e aproximando-se muito claramente da linha editorial (podemos chamar-lhe assim?) do extinto "Acidental" e da revista "Atlântico", e de textos de alguns dos seus mais conhecidos polemistas (v.g. Luciano Amaral e Mª Helena Matos).

A menção de Marques Mendes, no início do seu discurso, a "Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Patriarca" (sic). Penso terá sido o único (não ouvi o início do discurso do CDS/PP e de certeza o "Bloco" - que não ouvi - não o fez). Sinceramente, lamentável.

(João Cília)

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