ABRUPTO

6.4.06


FAZER OPOSIÇÃO (1)



Haver uma oposição eficaz é o melhor sintoma da boa saúde democrática e um dos factores cruciais para assegurar uma boa governação. É mais importante do que o consenso ou os "pactos de regime", que uma boa oposição não põe em causa, mas integra numa política alternativa, não na morte do contraditório. Esta é uma realidade que, nos palácios de Belém e de S. Bento, não pode ser meramente tolerada, como se tolera uma irritação que nunca desaparece, ou uma inevitabilidade incómoda, mas deve ser percebida como fundamental, tanto mais que há uma maioria absoluta a controlar.

Fazer uma boa oposição é em primeiro lugar... tarefa da oposição. Ora confunde-se cada vez mais a dificuldade que esta tem em fazer oposição eficaz, fruto de muitos factores, nos quais se inclui também a sua própria incompetência, com a impossibilidade de haver oposição eficaz nos próximos três anos. Engano puro - não faltam oportunidades, nem exigência de vigilância e crítica ao Governo PS. Não faltam - bem pelo contrário, abundam as razões, o que é preciso é que a oposição mude nos seus métodos, processos e objectivos para ser eficaz.

Comecemos pelo método para chegar à substância. Hoje há uma condição prévia, fundamental, urgente: o PSD e o CDS precisam desesperadamente de estudar. Corrijo a frase: o PSD e o CDS precisam desesperadamente de estudar para produzir políticas. Políticas sérias, informadas, consistentes e diferentes, em vez do lastro de posições, semiposições, posições na oposição e práticas governativas em contradição, afirmações demagógicas, pragmatismos necessários e oportunismos absolutos, que fazem o reportório partidário. O rastro que têm atrás de si os partidos que se alternam no poder, e que transformou o pragmatismo inevitável da governação num oportunismo puramente táctico, é péssimo. Já era de há muito desadequado e criticável - hoje, é um sintoma gritante da crise dos partidos em Portugal, que tem como efeitos o puro linguarejar táctico que se ouve todos os dias no Parlamento e nas declarações, que nada acrescenta, só introduz ruído. E só faz ruído porque esse linguarejar revela na sua essência apenas uma vontade de contraditório, do contra, sem coerência, sem consistência, sem interesse. E, para além do cansaço do "politiquês", para qualquer observador distanciado revela uma muito grande ignorância sobre o Portugal de hoje, os seus problemas, a sua realidade económica e social

Como o "politiquês" é um código árido de comunicação entre políticos de segunda, tende a ser muito conservador e a manter fórmulas que remetem para uma concepção do país que já tem pouco que ver com a realidade. O "politiquês" é uma corruptela de um Portugal "conhecido" apenas dos artigos de jornais, de reuniões partidárias e jantares-comícios, de graçolas e bocas de conversa de café e de corredor, por gente que não lê e não estuda. A única coisa que actualiza os praticantes do "politiquês é verem o professor Marcelo todas as semanas, que lhes dá uma certa lubrificação discursiva e argumentativa, que sozinhos nunca teriam.

Contrariamente ao que pensam os próceres da direita do dr. Portas e da esquerda do dr. Louçã, a questão não é ideológica, ou pelo menos, não é essencialmente ideológica, nem sequer de "centrão" versus dicotomia esquerda/direita. O mundo puro das ideologias soçobrou quando a sociedade moldada pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, que lhes tinha dado origem, se defrontou com pequenos problemas como a revolução da informação, a bomba termonuclear, o terrorismo apocalíptico, a crise do Estado-providência, a mediatização do espaço público, a "cultura de massas", o consumismo, etc. Hoje, ideologias globais, que ofereçam interpretações globais e coerentes para todos os problemas, leituras sistémicas baseadas em tradições do passado (como é a esquerda e a direita), não servem a não ser para os órfãos identitários, uma forma típica de conservadorismo. O problema é para já regressar a formas de piecemeal reformism, no sentido popperiano, de uma política mais modesta, mais experimental, menos de engenharia social e mais de pequenas intervenções numa realidade que tem outras leis e outras regras que é suposto conhecer a fundo. Ora uma condição fundamental para fazer este tipo de políticas é estudar, discutir, confrontar e produzir orientações, linhas de acção que se avaliem pela prática e não pela obsessão pela abstracção. E, durante ou depois, medir essas políticas com os interesses, as ideias, as "partes" que dividem numa democracia as pessoas.

Os partidos portugueses dão pouca importância ao estudo da realidade, e à formulação de orientações conhecidas, escritas, programáticas, porque isso contraria o tacticismo pragmático. Os partidos precisam de fazer uma considerável reconversão de recursos internos, abandonando ou reduzindo as tarefas partidárias de aparelho antigas, sobrevivências do tempo em que os partidos faziam o seu próprio marketing, publicidade, previsões eleitorais, etc., para outro tipo de organização mais voltada para a criação de think tanks, produção de documentos de orientação, todo um esforço de estudo, análise e produção de política que a complexidade dos problemas exige.

Os partidos precisam de virar uma parte importante da sua actividade interna das funções burocráticas, elas próprias tão cheias de funcionários recrutados por protecções e amiguismo, para um novo tipo de voluntariado político, a quem o partido deve dar meios, gastando aí recursos que hoje esbanja mantendo um número de funcionários excessivo, empregues em tarefas quase fictícias.

Não estou a dizer que os partidos devam ser dirigidos por académicos e professores, na sequência de uma tendência nefasta que já existe no sistema político e comunicacional de achar que as opiniões académicas de "peritos", de "sábios", estão à margem e acima da política. Precisamos é de políticas que incorporem a maior quantidade de saber possível, que sejam produzidas por cidadãos que usem os seus conhecimentos a favor de uma ideia de "bem público", que conheçam melhor o seu país, estudem os problemas e sejam capazes de ouvir e de pensar sem ser com o "politiquês" pavloviano que se usa hoje em Portugal.

Comece a oposição por fazer este trabalho de casa, logo a seguir verá como é fácil avançar com um programa próprio e autónomo, que nenhum exercício de "ocupação do espaço político", como se diz que o eng. Sócrates está a fazer, pode diminuir.

(Continua)

(No Público.)

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Também me parece óbvio que só através de uma análise com um mínimo de profundidade dos problemas do país e de uma subsequente definição de políticas pode a oposição começar a ganhar credibilidade e legitimidade – e, sobretudo, evitar erros e abusos por parte de um governo de maioria absoluta.

Parece-me que isto ainda não aconteceu em Portugal devido a uma combinação de dois factores. O primeiro é que preparar políticas com alguma seriedade é um trabalho árduo e de médio/longo-prazo, o que muitas vezes não é compatível com a natureza imediatista das agendas políticas e da comunicação social. O segundo factor, talvez mais importante, é que se presume que quaisquer políticas que venham a ser preparadas e anunciadas serão inevitavelmente “impopulares” junto de alguns sectores da opinião pública, algo que seria imediatamente explorado pelos outros partidos. Daqui resulta que fazer um trabalho de casa com algum rigor tenha, pelo menos no curto-prazo, muitos mais custos que benefícios.

Claro que, por outro lado, querer governar sem se saber que políticas devem ser prosseguidas e como devem ser implementadas é algo difícil de explicar, a não ser à luz da procura do poder pelo poder. No entanto, nem a opinião pública nem a comunicação social se insurgem contra a pobreza do debate de políticas, até nas alturas críticas das campanhas eleitorais. E, assim sendo, parece ser dificil romper este equilíbrio de superficialidade na condução dos assuntos públicos que leva a tanto desperdício para Portugal.

(Pedro Silva Martins)

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O partido que deve ser a face mais visível da oposição em Portugal é o PSD. Mas basta ver ou ouvir os debates da Assembleia da República e, percebe-se nitidamente que quem sobressai mais no papel de oposição são os extremos, Bloco de Esquerda e CDS-PP. Será que o PSD não estará refém deste "centrão", que o acabou por absorver? Poderão partidos tão carreiristas, estatistas e aparelhistas como são o PS e o PSD, colocar em prática uma oposição com menos de politica de merceeiro, antes de profundidade e de estudo da nova realidade social emergente? E preocupada com novas causas... terrorismo, alterações climáticas, ecologia, trabalho ou emprego, reformas ou fundos de reforma, escolaridade ou literacia, etc.

O facto de termos uma classe politica tão presa à herança de Abril, não constituirá também um constrangimento, para uma verdadeira revolução do modo de fazer politica, não olhando a realidade, a partir da velha dicotomia esquerda-direita, desta perspectiva tão ideologicamente maniqueísta, mas tão substancialmente desadequada ao mundo contemporâneo. Pelo que vejo da classe política, tão cedo, não auguro coragem para empreender essa viragem sócio-cultural (...)

E os jornalistas, comentadores políticos, analistas políticos, estarão preparados para viver e trabalhar sem esta almofada, consubstanciada, nesta divisão simplista da sociedade actual, esquerda-direita, preto-branco... não será predominante uma grande faixa cinzenta (o "centrão")! Nas noites de eleições só ouço falar nas vitórias ou derrotas, da esquerda e da direita. Será que isto é sério por parte daqueles que deveriam ser estudiosos do fenómeno político, ou será apenas cómodo e simplista?

Esperemos, no entanto, que seja possível uma politica com mais substância e com muitos menos jogos florais!

(Helder Barros)
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Concordo em absoluto com as ideias expressas, mas surge uma questão: como estudar dossiês e apresentar políticas alternativas credíveis, fruto de muito estudo e reflexão, se os partidos, nomeadamente o PSD e o PS, têm afastado intencionalmente as pessoas qualificadas?

(Carlos Manuel Serra)

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(...) há cerca de cinco anos que vivo no Reino Unido e que tenho tido oportunidade de acompanhar a maneira como se preparam políticas por aqui. Como sabe, o contraste com Portugal é absoluto: entre muitos outros exemplos, os partidos apresentam claramente as suas prioridades (educação, saúde, impostos, burocracia, Europa, etc); caso queiram gastar mais numa área, explicam de onde vem esse dinheiro (impostos, divida, cortes em outras áreas). Quaisquer incoerências são imediatamente apontadas pelos jornalistas ou pelos vários “think tanks” que existem espalhados pelo país.

Ao mesmo tempo, a “evidence-based policy” é o método por excelência para o desenvolvimento de melhorias incrementais nos serviços públicos: conhecer as experiências de outros países, adaptá-las ao Reino Unido, desenvolver projectos piloto, avaliá-los com rigor, disseminar os resultados com transparência, e alargar os projectos ou discontinuá-los, dependendo do seu sucesso. É todo um pragmatismo na condução dos assuntos públicos que infelizmente ainda nem sequer se vislumbra em Portugal.

(Pedro Silva Martins)

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