A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. O que há é um upgrade tecnológico no crime, que a Rede melhora e nalguns casos favorece pela sua acessibilidade e universalidade. São estes os múltiplos exemplos da chamada “fraude nigeriana”, ou os casos de Phishing que leva os incautos a fornecerem palavras-passe de acesso a contas bancárias; os casos de “cyberstalkers”, pessoas que perseguem outras cujo nome e morada aparece na Internet. Isto tudo depois da pedofilia, e de outras utilizações criminosas da Rede.
O que é novo na Rede, quer na “normal” quer na criminosa, são as características psicológicas especificas do mundo em linha, em especial a exploração da fronteira, mais ténue do que parece, entre a realidade e a virtualidade. E isso traz elementos novos como se vê se analisarmos para além do crime em si. Um caso actual é o do assassinato de uma menina de 10 anos, por um autor do blogue chamado “Strange Things are Afoot at the Circle K.” , que tinha feito pouco antes um comentário sobre canibalismo, O que há de novo neste caso e no interesse mediático sobre ele, é que em vez de um diário em papel, ou escritos mais ou menos dementes ou geniais, como era o caso pré-Internet do Unabomber, agora, quase de imediato, todos se voltam para o blogue, para o perfil do blogue, para o rastro na Rede do putativo criminoso. A Rede fica indissociável da nova identidade das coisas, como se entre o mundo virtual e o real a teia fosse completa. E, se calhar, é.
Mas não é este apenas o único aspecto interessante, há outro para que não se tem chamado a atenção: o mundo muito próprio dos que escrevem sobre textos alheios nas caixas de comentários dos blogues ou de órgãos de comunicação em linha. O Strange Things are Afoot at the Circle K. continua em linha e tem, à data em que escrevo, 644 comentários na última nota escrita pelo seu autor, todos eles posteriores ao conhecimento do crime. O blogue continua vivo mesmo depois da prisão do seu autor.
Mas os 644 comentários empalidecem face aos portugueses 1321 comentários do Semiramis cuja anónima autora teria morrido de morte súbita, suscitando as mais contraditórias versões na própria caixa de comentários do blogue. Deixando de parte a polémica sobre as caixas de comentários abertas ou moderadas, ou sobre a sua própria utilidade e valor, deixando de lado também a história pessoal inverificável do que aconteceu à sua autora (ou autor?) anónimo, o interessante é registar que o que há nesse blogue é uma comunidade que aproveita o “lugar” para se encontrar. A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 494 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua.
O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contra-comentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem à regra de muitos frequentadores desta área da Rede: horário laboral na maioria dos casos, quebra no fim-de-semana e nos feriados. São pessoas que estão a escrever do seu local de trabalho ou de estudo, de empresas ou de escolas, onde tem acesso à Internet. Há no entanto, alguns casos de comentadores caseiros e noctívagos, que só podem estar a escrever noite dentro, como era o caso nos primeiros anos da blogosfera portuguesa, antes de se democratizar. É um fenómeno aparentado com muitas outras experiências comunitárias na Rede, mas está longe de ser o mundo adolescente dos frequentadores do MySpace ou dos “salas” de conversa virtual.
No caso português, os comentadores não parecem ser muitos, embora a profusão de pseudónimos e nick names, dê uma imagem de multiplicidade. São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. É o caso da “Zazie”, do “Euroliberal”, do “Sniper”, do “Piscoiso”, “Maloud”, “Bajoulo” “Xatoo”, “Atento”, Dasanta”, “José”, “e-konoklasta”, “Cris”, “Sabine”, “José Sarney”, “anti-comuna”, etc,, etc, Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam mini-comunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos.
Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não tem voz” os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter.
Não são bem “Trolls”, sabotadores intencionais, mas tem muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio, e dos impostos dos comentadores compulsivos presume-se. O que lá se passa é o Far West da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si , não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal.
O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “quinze minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes.
(No Público de hoje.)
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Quanto ao assunto das caixas de comentários, há caixas e caixas. Como há sempre comentadores de todos os estilos e para todos os gostos, o resultado depende em grande parte da forma como é gerida (ou não) a aceitação de comentários. Veja por exemplo o bom caso d'A Baixa do Porto , em que a "caixa de comentários" _é_ a própria página principal do blog.
(Tiago Azevedo Fernandes)
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Achei interessante a reflexão que fez no seu artigo do Público. Reconheço lá muita coisa.Mas também julgo que falta lá outro tanto, creio. O ano passado teve a bondade de integraraté uma reflexão que continha uma crítica (exposta num blog - A ameaça dos weblogs), estou certo que desta vez não lhe faltará igual coragem e coerência. Julgo que se não tem a caixa de comentários aberta para não lhe suceder o mesmo que ao espectro, faz bem; já o que não se compreende - uma vez que isso contraria o princípio do rizoma que comanda a rede das redes que, por vezes, é mais uma teia, é que não tenha links na vitrina do seu template. No fundo, fala-nos da sociedade digital do séc. XXI e depois o seu template recorda-nos os tempos de novecentos e do arranque dos caminhos-de-ferro, em que o bom do Eça quando se deslocava de Cascais a Carcavelos demorava umas 3 horas. Ora bolas, assim é que não!! Já agora, acha que se o Eça fosse vivo, para tristeza de muitos espectros, teria a caixa de comentários aberta? E teria links?
(Rui Paula de Matos)
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Era expectável que JPP pretendesse reduzir a participação de uma ampla diversidade de comentadores em blogues a um saco de gatos anónimos - resulta da compreensão dos spin-doctors quando se apercebem estar perante um novo meio de comunicação dificil de controlar como até aqui o foram os jornais de referência, ou muito mais importante, a televisão, ambas ferramentas de manipulação detidas pelas corporações da desinformação.
Óbviamente fui referido no artigo publicado como "postador de comentários", enquanto se omitiu deligentemente que eu próprio sou autor de um Blogue. Como se cada um de nós não tivesse nada a dizer, ou pior do que isso, como se essa opinião não interessasse verdadeiramente para nada.
(Francisco Pereira)
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(...) a sua caça aos anónimos parece-me algo esquisita e muito, muito inconveniente.
Em priemeiro lugar porque normaliza os comportamentos: para sí, um anónimo ( ou alguém que escreve sob pseudónimo ) é um ser que pertence a "esta gente," que vive num "mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido".
Nada mais errado. Há tantos comportamentos possíveis quanto pessoas diferentes. Eu não posso falar dos outros (um erro em que o Abrupto incorre e que envenena tudo o que diz) por isso vou falar por mim. Hele em dia escrevo sob pseudonimo (hoje sou o Guy Fawkes e já fui o Harry Lime) e chamo-me Rui Silva e possuo um blog além disso comento frequentemente outros blogs. Quer no meu blog quer nas caixas de comentários já escrevi sob estas três formas.
A minha atitude nas caixas de comentários varia de blog para blog e do tom que cada um deles me inspira. Exemplos: no Barnabé (onde comentei sempre sob o nome de Rui Silva) publicava comentários muito violentos porque era esse o tom que aquele blog pedia. Aquilo era um blog de combate e a minha atitude perante ele era uma atitude de combate. E divertia-me muito com os doidos que andavam por lá.
Noutros blogs (na Janela Indiscreta, por exemplo) já comentei sob qualquer uma das 3 formas e fiz alguns amigos (que comentam frequentemente no meu blog) da maneira como os blogs pediam: moderadamente e concordando ou discordando educadamente. Existe ainda um terceiro caso: o dos blogs de futebol. Aí tenho de confessar que prefiro mil vezes os blogs benfiquistas (sou do sporting) e quando lá vou comento violentamente e sem cerimónias. Num deles até já me acusaram de ser um troll...
Além disto, é de assinalar que tenho uma vida social saudavel. Gosto de muito de livros, de boa música, de filmes, de sair à noite, de jogar Playstation e de jantar com os meu amigos (um deles é o benfiquista que me chamou troll). Trabalho muito, numa multinacional de consultoria. Serei um anormal?
Perante o que acabei de lhe descrever acha que eu encaixo nesse perfil que descreve? E se eu não encaixo como é que tem a certeza que os outros encaixam?
Pense muito bem no que escreve. Nestas coisas cada caso é um caso. E é sempre errado reduzi-los a esterotipos. Não o faça por favor e deixe as pessoas "andar à vontade com as botas" como dizia o meu avô .
(Rui Silva, aka Harry Lime aka Guy Fwakes)
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Acho que generalizou demais e agora tem a fauna toda à porta, de tal modo que as excepções arriscam-se a ser a regra.
Do alto do seu Abrupto, sem caixa de comentários e sem "blogroll", não sei até que ponto se apercebe que a caixa dos comentários é também a imagem do autor do blog. Ou apercebeu-se bem demais e precocemente. A qualidade das caixas de comentários, leia-se e infiro do seu texto, a falta dela, é um reflexo directo dos autores dos blogs, que em nome de grande e piedoso "espírito democrático" e "anti- censório", se dão à ociosidade de publicar rigorosamente tudo, como se de uma grande qualidade se tratasse. Preguiça.
Desde que li o primeiro e-mail em 1993, fui compreendendo que isto do teclado é uma fonte de mal-entendidos. Pode classificar e arquivar aí muita da acidez que detecta. Se juntar a leveza de espírito de conversar para um monitor, com um nome de guerra, tem grande parte do caldo. Mas não tem todo.
Não tenho visto no meu blog, que quero cada vez mais de jardinagem, comentários "perversos", "ácidos" e "ressentidos". Nas poucas vezes, apaguei-os sem olhar para trás e sem dar grandes satisfações. Mas é verdade que a discussão já chegou a azedar nos nossos temas "fracturantes" (aquecimento global, ogms...). Podia listar dezenas de blogs, "Dias Com Árvores", "Guilhermina Succia", " A Cidade Surpreendente"... onde a contradição com o que diz é flagrante. É caso para me questionar (como se não soubesse), a que universo reduziu os blogs em que se movimentou ou movimenta, para generalizar com esta aparente autoridade. Afinal, concluo também, que as caixas de comentários, além de reflexo do "blogger", são uma espécie de trangénico dos temas que tratam.
É inevitável não regressar aos autores e também já falou anteriormente disso, designadamente na relação dos blogs com a "imprensa tradicional". De momento não me posso considerar um observador especialmente atento do fenómeno, porque os temas interessam-me pouco ou nada, mas quem é alguém na blogosfera ao nível de poder aspirar a formar opiniões, já era alguém antes na imprensa escrita, rádio e/ou televisão. Os que por acaso ou mérito, não sei, atingiram um determinado nível de visitantes anunciados (podia-se discutir a sua qualidade enquanto visitantes para além da caixa de comentários) e visibilidade, andam por aí de bicos de pés a ver se essa tal imprensa repara neles. Também acham que têm direito a 15 minutos de fama, provavelmente a mais. Também eles já viram que os blogs de referência, estão bem alicerçados não só na qualidade do seu conteúdo, mas também e principalmente, na visibilidade mediatica dos seus autores. O fogo-fátuo da blogosfera, que deu pelo nome de Espectro, só foi excepção na sua falta de endurance. E a recepção foi digna de ser vista. Aqueles pobres autores nunca imaginaram que tinham tantos amigos.
Voltando ao início, nesses blogs onde se baseou para lavrar esta teoria, a relação entre comentado e comentador, é muito mais de simbiose que de parasitismo. Para os 15 minutos, valem mais 100 comentários idiotas, ruidosos e que praticamente ninguém lê, que meia- dúzia de comentários sensatos, podendo estes, inclusivamente, tornar- se inconvenientes. Aliás, é regra o autor do "post" retirar-se para parte incerta e deixar "o bom povo português" fazer o seu papel.
(José Rui Fernandes)
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Eu já pus meia duzia de posts anonimos em dois ou três blogues, devo pertencer aos tais ingénuos e acho que tem razão. Gostava de acrescentar uma coisa - a solidão de quem bloga é enorme. A actividade é muito impessoal - não se vê o outro - e talvez / provavelmente por isso a asneira é tanta.
(Eduardo Tomé)
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Desde que existem blogues, fóruns e caixas de comentários passei a ser um ser muito mais social. Agora escuso de me irritar ou contrariar e discutir com alguém, seja amigo, familiar ou simples desconhecido, sempre que não concordo com o que oiço. Não vale a pena! Mais vale concordar "Pois é..." ou ficar calado e continuar nas graças dessa pessoa. Já não oiço mais: "Estás a ser demasiado radical" ou "Estás a ser fundamentalista".
Agora tenho na net o espaço para expressar as minhas opiniões, para discordar quando quero, para "converter" os outros, se calhar atá para uma audiência maior sem que a minha sociabilidade fique beliscada.
(Paulo Martins)
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Hoje não li o Público, (...) mas a partir de certa altura, comecei a achar bizarro, toda a gente a despropósito falar-me da sua coluna. Entretanto já estou informada do insólito.
Pelos outros não posso falar, mas por mim posso. Comecei a “blogar” no Espectro com o meu nome. Como não conhecia as regras, cometi numerosas imprudências. A família começou a temer que me tocassem à campainha e arranjaram-me um nick, Maloud. Continuei com a mesma descontracção, mas houve gente que embirrou com aquilo a que chamavam a minha vacuidade. Tornou-se insuportável, porque estou habituada às boas maneiras. Bati a porta com estrondo e simultaneamente com pena. Toda a gente cá em casa me incentivava a continuar, e arranjaram-me outro nick, DasAntas. Quando o Espectro se suicidou, deixei cair o DasAntas, fiquei com alguns contactos pessoais e outros por e-mail, que mantenho. Um deles que o Sr. Dr. não cita, porque escrevia como Anónimo, mas terminava sempre por Niet, telefona-me de Estugarda e e-maila-me todos os dias os links, para artigos de jornais franceses, visto eu dominar mal o inglês. Tem razão, quando diz que se criam uma espécie de cumplicidade e de amizade entre gente que não se conhece {um veio ao Porto conhecer-me}. Mas sabe, no meu caso, acho estas pessoas muito mais interessantes do que as “tias” das Antas com que me vou dando e, por outro lado, os filhos, embora vivendo cá em casa, cresceram e pouco precisam de mim e o meu marido é verdadeiramente ocupado. Acho que não prejudico ninguém “blogando” e a mim dá-me gozo.
Como talvez me tenha feito entender, vê que nada tenho a esconder, nem me envergonho do que sou. O nick existe mais para proteger a família do que a mim própria, visto ser uma dona de casa anónima do Porto.