ABRUPTO

9.3.06


O QUE É QUE STALINE SABIA EM 1941? TUDO

Quando, em Junho de 1941, as forças armadas alemãs invadiram a URSS, Staline foi apanhado completamente de surpresa. A sua incapacidade para se preparar, a recusa terminante em aceitar qualquer opinião em sentido contrário aos seus pontos de vista (que os alemães atacariam a Grã-Bretanha e não a URSS), considerando "desinformação" todas as informações que recebia revelando as intenções de Hitler e a preparação intensiva para a invasão, teve vastíssimas consequências em termos de mortos e destruições, tornando a guerra particularmente cruel para o povo soviético. Este livro de David E. Murphy, What Stalin Knew. The Enigma of Barbarossa, editado pela Yale University Press, é o mais detalhado estudo da informação disponível sobre o que "Staline sabia", ou seja, tudo. Nem sequer "quase tudo", mas "tudo". Numa análise só possível com a abertura parcial dos arquivos soviéticos, Murphy, ele próprio um espião qualificado para compreender profissionalmente os documentos a que teve acesso, mostra-se não só o peso imenso do aparelho de segurança e informações soviético, como a qualidade das informações que chegavam a Moscovo. Tudo o que era possível saber sobre a intenção e a preparação da invasão, a "operação Barbarossa", chegava por todo o lado, dos espiões que relatavam às missões soviéticas legais e ilegais do NKVD de Londres, Berlim, Bucareste, Tóquio, dos relatórios das tropas de fronteira, da rede de espionagem ligada aos caminhos de ferro, da intercepção de comunicações, do padrão dos voos de reconhecimento da Luftwaffe. A data e hora precisas da invasão, a identidade das unidades alemãs, a verificação de que os alemães conheciam as debilidades das defesas fronteiriças soviéticas, a actividade de envio de grupos de sabotadores ucranianos e lituanos, tudo, tudo.

Este é um dos casos em que uma pessoa individual conta. Staline, ele próprio, recusava-se a aceitar qualquer informação que o contrariava, e perseguia quem o fazia, desconfiava dos seus serviços ao ponto de não querer receber análises mas apenas os relatórios originais dos agentes, e envolveu-se numa correspondência pessoal com Hitler, em cuja palavra confiava. As suas idiossincrasias e o terror que inspirava são mais uma lição contra a falta de eficácia que o medo, como sistema de governo, tem nos seus limites mais absurdos. Mas, por evidente e inequívoca que seja a documentação disponível, ainda hoje na Rússia o sistema político e o sistema de poder defendem Staline, impedindo uma atribuição de responsabilidades a ele e aos seus homens de mão, pela enorme tragédia de 1941. Com um antigo membro do KGB no poder, que coloca muitos dos seus colegas em funções no aparelho de estado, a tendência dominante dos serviços de segurança e informação russos é acantonar-se numa linha de menor responsabilização, a bloquear a história e a fechar os arquivos. Isto torna este livro um excelente livro também para compreender a Rússia de Putin.

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© José Pacheco Pereira
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