ABRUPTO

10.3.06


COISAS DA SÁBADO



OS QUE ANDAM POR AÍ

Um dos que "andam por aí", Paulo Portas, "regressa" às lides políticas mais activas, porque em bom rigor nunca de lá saiu. Portas é mais frio e calculista do que Santana Lopes, e bastante mais inteligente na gestão da sua carreira, e por isso não cometeu o erro de, de cinco em cinco minutos, chamar a atenção sobre si próprio para dar uma prova de vida. Tem também outras vantagens comparativas, como a de ter um grupo ideológico à sua volta, pessoalmente fiel.
O seu regresso não é evidentemente ao comentário político, mas sim à política pura e dura, tendo anunciado, como anunciou, um programa ideológico e político para o seu espaço na SIC. Uma coisa é ter uma agenda política, como Marcelo tem, outra é ter um programa pré-estabelecido de actuação que condiciona a liberdade analítica e o colocará sempre entre o dilema de ser um enfant terrible, e subir as audiências, ou de ter que assumir uma "pose de estado" e baixá-las.

OS PROBLEMAS QUE PORTAS NÃO TEM CONSEGUIDO RESOLVER

Portas tem sérios problemas que, de há muito tempo, o afligem e que nunca soube resolver. Um é pessoal, e tem a ver com o desgaste irreversível que causou a si próprio com a perda da virgindade entre as proclamações moralistas com que fez a sua carreira justicialista e a sua própria prática pessoal e política. Dificilmente poderá voltar à linguagem da arrogância moral que o "fez", sem continuamente chamar a atenção sobre si próprio e suscitar repúdio generalizado. Esse repúdio, que os seus simpatizantes gostam de dizer que se deve às suas posições clarificadoras de direita, tem muito mais a ver com o facto de ele ter exigido agressivamente aos outros comportamentos que ele próprio nunca praticou. O segundo problema é que Portas, que é apoiado por um grupo que se proclama do liberalismo radical, foi um ministro estatista e proteccionista, anti-liberal como poucos na governação e como ainda há dias o revelou de novo nos seus comentários nos estaleiros de Viana do Castelo. As forças de que Portas dispõe centram-se em primeiro lugar no grupo parlamentar do PP na Assembleia, que é muito hostil à liderança de Ribeiro e Castro, e depois no grupo que anima o blogue Acidental e a revista Atlântico, que com o afastamento de Helena Matos, se assume como uma espécie de prolongamento do Caderno 3 do Independente. Todos estes sectores se proclamam de uma espécie ideológica muito própria do liberalismo, e que aliás pouco tem a ver com a tradição liberal e muito mais com um radicalismo cultural de direita. A utilização do liberalismo como legitimação ideológica entra aqui em choque com o proteccionismo nacionalista, e com o estatismo interventor que presidiu à acção governativa de Portas. Este choque que sempre deu origem a um silêncio incomodado dos seus seguidores, que, críticos do intervencionismo do estado nas empresas, fechavam os olhos ao que Portas fez na área da defesa, naturalmente saudado por socialistas tão execrados como Jorge Sampaio.

FAZER UM NOVO PARTIDO?

O terceiro problema é estritamente político e Portas também nunca o pode resolver: é que ele não quer ser líder de um pequeno grupo, mas sim de um bloco (ou idealmente de um grande partido da direita) em Portugal e, sem enfraquecer e dividir o PSD, e na actualidade minar o prestígio do Presidente Cavaco, nunca o conseguirá. Portas tentou sempre esse objectivo, usando o Independente, como fundador de um PP agrafado ao CDS, no combate a Cavaco e Durão Barroso e na aproximação a Santana Lopes. Os resultados eleitorais de Fevereiro de 2005 remeteram-no outra vez à condição de líder de um pequeno grupo, com a agravante que a sua margem de manobra no PSD é muito escassa.

O único caminho de saída para esta situação era Portas romper com a ficção de um CDS/PP, e caminhar para criar um partido próprio. O momento ideal seria este, porque podia levar consigo um grupo parlamentar próprio, e usar os três anos que sobram até às eleições para se impor. A fragilidade no grupo parlamentar do PSD poderiam também dividi-lo, o que levaria a uma pequena revolução parlamentar, a quase extinguir o CDS fiel a Ribeiro e Castro e a criar uma situação muito difícil ao PSD, mas clarificadora das ambiguidades que resultaram da forma faccional como foram constituídos os grupos parlamentares. É aliás destes grupos parlamentares que vêm os maiores riscos, a prazo, para as lideranças partidárias do CDS e do PSD.
Duvido que os comentários políticos na televisão resolvam estes problemas. É até previsível que, passada a agitação inicial da novidade, os agravem.

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© José Pacheco Pereira
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