É-me bastante indiferente esta polémica sobre o casamento para homossexuais, que não penso que toque nada de importante quer no que se adquiriu de tolerância na sociedade, quer no que não se adquiriu. E aqui tolerância é o direito de cada um viver como entende.
Mas, poucas coisas conheço mais conservadoras do que reivindicar o “casamento” para os homossexuais. Nem mais nem menos do que o “casamento”, essa sobrevivência na lei do mandamento cristão-católico. Se a reivindicação fosse feita à Igreja, para um acto religioso por parte dos crentes, ainda se entendia. Mas exigi-lo ao Estado, dá como resultado reforçar-se ainda mais a centralidade da instituição “casamento” nas relações afectivas, e isso parece-me conservador, para não dizer outra coisa. O que é que se espera no “casamento” que não se tem na união de facto? A obrigação contratual de “fidelidade”?
Sou avesso a que o Estado legisle muito sobre intimidades, afectos e modos de vida. Isto de se valorizar a diferença, de se andar a dizer “todos diferentes, todos iguais”, só tem sentido quando de facto valorizamos a diferença e não quando queremos que se normalize a sociedade, se mate a diversidade. E quanto aos argumentos legais, se é assim, então por que não se aceita a poligamia na ordem jurídica? Mormons e muçulmanos não têm direito à sua visão do mundo? Podem ser discriminados por razões religiosas? Não é contra a Constituição?
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Há dias, as duas lésbicas que pretendem casar-se foram entrevistadas por um canal de televisão e, no decorrer da entrevista, uma delas deu como motivo para se quererem casar o desejo de terem os mesmos direitos que os casais heterossexuais. Por sua vez, a sua leitora Ana Mouta enviou-lhe um e-mail com uma lista de direitos dos casais que não estão em vigor no caso das uniões de facto.
O que me impressiona nestes dois casos é que só se discutam os direitos ao mesmo tempo que se ignoram totalmente os deveres. Mas num casamento também há deveres. Com efeito, o Código Civil declara que «[o]s cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência». Ou será que o que se pretende aqui é que as uniões de facto tenham os mesmos direitos que o casamento mas nenhuns deveres?
Nada tenho contra o casamento entre homossexuais, desde que se trate efectivamente de um casamento, ou seja, com os mesmos direitos e deveres que o casamento entre heterossexuais.
(José Carlos Santos)
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Parece-me completamente errado atribuir às uniões de facto uma quase equivalência ao casamento. O que é que fazem duas pessoas que querem viver juntas sem os compromissos, direitos e deveres inerentes ao casamento? Por este andar já nem sequer podem optar por uma união de facto, pois ficam automaticamente quase casados! Não se podem tratar aos adultos como crianças. Quem não se casa tem obrigação de saber que a sua situação é, por definição e segundo a lei, menos "estável" do que quem resolve "assinar os papéis". Tal como num contrato de outra espécie qualquer, a informalidade tem vantagens e inconvenientes. Deixemos as pessoas escolherem o que querem para si, sem lhes tentarmos impingir um quase-casamento à força de uma lei super-protectora.
(Tiago Fernandes)
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Quando diz, no post "Os novos conservadores", "O que é que se espera no “casamento” que não se tem na união de facto? A obrigação contratual de “fidelidade”?", posso dar-lhe alguns exemplos: -O direito de visita, enquanto familiar, nos hospitais e nas prisões; -Direitos sucessórios, nomeadamente a possibilidade de herdar património comum; -As actuais leis de imigração portuguesas são restritivas dos direitos. A União de Facto não é útil, pelo menos de forma directa, para os processos de legalização, visto que a Lei das Uniões não prevê o direito ao reagrupamento familiar; -Da mesma forma não está previsto o reconhecimento em Portugal de uniões de facto celebradas noutros países, nem sequer no âmbito da UE; -A forma de pôr fim à União de Facto não está regulamentada. (Fonte: Portugal Gay)
O conceito de "casamento civil" não é mais do que uma "união de facto" com todos os direitos, não tem nada de conservador.
(Ana Mouta)
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Já Foucault defendia que os homossexuais deviam aproveitar a situação em que se encontravam para construírem "relações outras", em que as relações de poder/resistência encontrassem novas dinâmicas. Poderiam assim criar transformar uma limitação que sobre eles pesava numa oportunidade mais ou menos revolucionária. A ideia é apelativa e tem muitos seguidores no seio do que hoje se chama "queer theory".
Mas nem todos os gays serão assim tão revolucionários. A maioria será até tão conservadora quanto aqueles que os cercam, pois é nessa comunidade que a sua felicidade é, ou não, possível. Não admira portanto que queiram aceder de pleno direito às mesmas instituições que lhes são apresentadas como normativas. Ora em Portugal ninguém quer aceder ao direito de ser poligâmico, pela simples razão de que esse direito não existe para ninguém, logo o princípio da igualdade não é violado.