ABRUPTO

5.2.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DISCORDÂNCIAS



Estas são algumas das mensagens que leitores do Abrupto me enviaram sobre a questão das caricaturas dinamarquesas. São representativas da esmagadora maioria da correspondência recebida. Raras vezes comento o que os leitores, que comigo "fazem" o Abrupto, entendem dizer, em particular quando exprimem opiniões diferentes da minha. Neste caso, discordo, discordo de todo, com o que dizem. Anoto apenas a minha surpresa com a facilidade com que são postos em causa valores que sempre pensei serem parte fundamental da nossa visão civilizacional da sociedade, aceitando-se uma relativização que, penso, põe em causa o cerne desses valores. O nosso entendimento de liberdade, de expressão e opinião, tem no centro o direito de os outros se exprimirem com toda a liberdade, mesmo que isso nos ofenda. É o direito de os outros dizerem aquilo que mais nos choca, que quem ama a liberdade defende acima de tudo. Não há relativização possível para este critério, o único que está em causa face a desenhos satíricos que são, em última razão, desenhos políticos. A maior das mistificações está em se pensar que estamos perante uma questão religiosa, quando se está perante uma questão política.

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Relativamente ao seu post no Abrupto, do passado dia 3 de Fevereiro do corrente,(o post das 14.32) permita-me discordar, vivamente de si, quando afirma, relativamente à questão das caricaturas dinamarquesas que e passo a citar"é extremamente simplese começa e acaba numa linha: é uma questão de liberdade. Ou há ou não há".
Confesso-lhe que me senti absolutamente desiludida por esta afirmação vinda de uma pessoa com a sua formação filosófica, quando conhece o estatuto ôntico da liberdade. Como sabe esta questão ultrapassa qualquer questiúncula filosófica, porque afecta algo que está para além do bem e do mal, do certo e do errado, do verdadeiro e do falso. O que está em causa são princípios e valores, abraçados por um bilião e meio de pessoa, que traduzem uma absoluta Fé em Deus. Além disso, qualquer meio de comunicação social credível tem um estatuto editorial, em que fundamenta as linhas orientadoras das suas publicações. Quando se insinua algo de falso num orgão de comunicação social, quem é visado tem o direito de recorrer às vias legais para defender o seu bom nome.
O que acontece aqui é que o bom nome do profeta (saw) foi posto em causa, assim como os princípios e fundamentos do Islão, situação perigosíssima, associada a uma absoluta falta de informação sobre o que é ser-se muçulmano/a. Perante a publicação de injúrias e difamações, camufladas de sátira inocente, só se poderia assistir ao levantamento das populações muçulmanas contra o que se passou, com todas as situações perigosas e condenáveis que surgem associadas a estas situações.
A publicação destes cartoons só é comparável à propaganda anti semita perpetrada pelo regime nazi, na Alemanha, nos passados anos 30, do século XX, que culminou no Holocausto. Se os Judeus, nessa altura tivessem reagido como agora o fizeram os muçulmanos, talvez se tivesse evitado o Holocausto.

Como muçulmana, como cidadã portuguesa, como europeia, sinto-me ultrajada por se conotar liberdade com tais práticas.

(Rosa Barros da Costa)
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Relativamente a este tema, discordo profundamente de si. É evidente que o direito de livre expressão e o direito de imprensa são, em qualquer Estado democrático que se preze, fundamentais e não devem ser tocados. Mas isso significa abuso? Se me permite uma analogia com o mundo jurídico, se alguém tem um direito – qualquer que ele seja – tal não significa que possa usá-lo conforme queira e bem lhe apeteça. Se o fizer, deixa de ser um uso legítimo e passa a ser um abuso de direito. Porventura, saberá como esta figura nasceu e começou a ser aplicada: em França, no século XIX, a propósito do uso da propriedade privada e das relações de vizinhança. O Sr. A não gostava do seu vizinho, B, e decidiu “prejudicá-lo” construindo uma chaminé tão alta que lhe fazia sombra o dia inteiro, impedindo-o assim de gozar o sol. Alegadamente, fê-lo no uso legítimo de um direito – o de propriedade – até aí de forma indiscutível. Só que os tribunais consideraram que tal uso era ilegítimo, porquanto lesava um direito alheio.

Ora, na questão das caricaturas, há uma coisa que me faz profunda espécie: que sobranceria é a nossa (católicos, agnósticos, ateus, etc.) para tentarmos impor os nossos valores a uma cultura por sinal milenar que deveria, no mínimo, merecer-nos respeito? Ontem mesmo o José Manuel Fernandes deu a resposta quando deu o exemplo de não se fazer uma 1.ª página de um jornal com uma imagem pornográfica. Porquê? Porque ofende os nossos valores e a nossa sensibilidade. Não se passará a mesma coisa com a publicação de imagens do Profeta Maomé? Se para si ou para mim a sua publicação não é ofensiva, também terá que o não ser para os muçulmanos? Que direito à livre expressão se sobrepõe ao respeito que nos deve merecer outras crenças e formas de vida?

O problema é que hoje em dia não se acredita em nada. Ao ver na SIC-N a entrevista do João Adelino Faria e da Ana Lourenço ao Sheik Munir, fiquei chocado quando o primeiro, a certa altura, perguntou se o Sheik não considerava desmedida esta reacção do mundo islâmico, vista que se tratavam apenas de “desenhos” (sic)!!

Sem discutir que os muçulmanos devem, em muitos aspectos, “abrir” a actualizar as suas crenças, considero que esta iniciativa do mundo ocidental apenas tem o efeito contrário e não ajuda a pacificar a coexistência entre os dois mundos.

(Rui Esperança)

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Basta ler a Constituição, o Código Penal e Lei de Imprensa, sem mencionar uma infinidade de literatura jurídica sobre o assunto, para compreender que a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade artística e todas as liberdades têm limites. Têm limites jurídicos, têm limites morais e têm limites de bom senso.
Mas, para compreender isto, é preciso não ser tão fundamentalista como os outros fundamentalistas. Ser fundamentalista é recusar o outro, recusar ouvir, recusar pensar, recusar conceder.
O que há entre o Islão e o Ocidente não é um conflito de culturas, nem um conflito de religiões: é um conflito de estupidezes.
Todas as terras, todos os povos, todas as religiões têm os seus estúpidos. Quando eles dominam, é uma estupidez.
É um estupidez provocar e agravar uma situação que já não é boa.
Que Deus - o mesmo Deus dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos - nos acuda, e faça cair do Céu, como o maná na Biblia, um bocadinho de inteligência.

(Pedro Pais de Vasconcelos)

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Li o seu post sobre a publicação das fotos dinamarquesas e eu, que muito gosto de o ouvir e ler, não o comprendi. Acha que a liberdade existe em absoluto?

(M.J. C. Moreira)

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Parece-me que a questão não é tão simples como a põe. A liberdade tem o seu pendant, como o direito: acaba aonde começa o do outro.

(Monika Kietzmann)

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Juro que adorava saber qual foi a sua reacção quando surgirem problemas parecidos com estes em Portugal.

Gostava de saber se o seu raciocínio na altura foi tão esquemático quando os católicos se insurgiram, por exemplo, contra O Evangelho segundo Jesus Cristo ou a rábula que o Herman José fez da última ceia de Jesus Cristo. Há muita gente agora indignada contra os muçulmanos que na altura tomaram partido da Igreja.

(Mário Azevedo)

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"A história das caricaturas dinamarquesas é extremamente simples e começa e acaba num linha: é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há."
No contexto actual é mais do que "uma questão de liberdade" é também uma questão de bom senso. Num clima "conflituoso" como aquele em que vivemos (Ocidente) com o mundo islâmico (mais fundamentalista) era de esperar. Ou é ignorância ou insensatez.

(Conceição Soares)

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Acho que toda a gente já se esqueceu dos casos equivalentes cá no Burgo. Lembram-se das manifs de católicos à porta das amoreiras por causa da Sagrada Família com uma alface no lugar do menino? É certo que não se incendiaram bandeiras nem se dispararam tiros, mas seria bom que todos tivessemos a noção que se trata de um tema que não é simples, ao contrário do que você diz. E que todos pensassemos um pouco na velha máxima "não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti"

(João Paulo Telo)

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«A história das caricaturas dinamarquesas é extremamente simples e começa e acaba NUMA LINHA: é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há».

A realidade não é assim tão simples pois, nas relações humanas, há OUTRAS LINHAS, que não são PARALELAS mas sim CONCORRENTES:

Toda a gente sabe que «a nossa liberdade termina onde começa a dos outros», e «a liberdade de não ser insultado» é - alguém tem dúvidas? - uma delas.

Acresce que, normalmente, um conflito desses se resolve nos tribunais mas, neste caso, isso não será possível.

NOTA: Eu vivi de perto a realidade de três países muçulmanos (Marrocos, Tunísia e Argélia) e vejo que, neste caso, há uma dose de insensibilidade que ultrapassa (em quantidade e qualidade) o que eu julgaria ser possível hoje em dia.

(C. Medina Ribeiro)

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