ABRUPTO

26.2.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LIÇÃO DE POPULISMO



No dia do primeiro aniversário da vitória com maioria absoluta pelo PS (20.02.2006) assistimos nas televisões a uma exibição de populismo de cátedra pelo Eng.º José Sócrates e governantes da educação:

1) Anunciou o primeiro-ministro o alargamento das aulas de substituição ao ensino secundário (10º-12º anos) num dia em que se iniciava uma semana greve de professores às mesmas, depois de numa greve anterior (18.11.2005) a ministra da educação ter publicado um texto «coincidente» com a data no PÚBLICO e no DIÁRIO DE NOTÍCIAS ser levantada, também nesse dia «oportuno», a questão das faltas dos professores. Começa a ser uma estratégia doentia ou então são coincidências a mais. Não vejo diferenças de fundo entre isso e a intervenção do primeiro-ministro sobreposta à de um candidato na noite eleitoral das presidenciais. No último caso admito que pode ter sido acidental, mas também não se podem deixar de assinalar outras atitudes comparáveis que revelam a estratégia de afirmação de um governo do qual o Eng.º José Sócrates é o primeiro responsável. Nada de novo nesta forma de atropelar a dignidade dos outros. Em democracia os processos valem tanto quanto os resultados. Não sou sindicalizado, concordo com as aulas de substituição, dou com prazer aulas de substituição, não fiz greve e, no entanto, não compreendo certas práticas.

2) Anunciam-se avanços sem se fazer uma ponderação minimamente séria de como decorrem as aulas de substituição no básico. Isso tem uma designação: fuga em frente, um vício de longa duração nas políticas educativas. Qualquer correlação entre melhorias substantivas na qualidade do ensino e a generalidade das medidas que o governo tem implementado, em especial as aulas de substituição, só mesmo se andássemos distraídos. A não ser que se considere que o problema do ensino é essencialmente orçamental. Mas se assim for preferiria viver numa república de contabilistas-governantes. Enquanto o centro da questão, a sala de aula, se mantiver como está (e não se prevê que mude com o rumo que as políticas tomaram), o que se «reformar» terá efeitos meramente laterais ou circunstanciais. Cá estarei daqui a meia dúzia de anos, se estiver vivo, para tentar explicar porque, uma vez mais, se falhou.

3) O governo tem-se mexido muito (reorganização da rede escolar, aulas de substituição, revisão da progressão nas carreiras, etc. – medidas que têm de ser tomadas, sem dúvida), mas foge dos problemas estruturais: indisciplina (não se vislumbra que o problema tenha sido assumido, tal como se teve de assumir o défice público, e que exista uma estratégia, boa ou má, para enfrentá-lo e, se calhar, teremos de esperar largos anos para, outra vez, se actuar tarde e mal), facilitismo das avaliações (enquanto o país insiste na incapacidade de discutir de modo sustentado e plural a questão dos exames nacionais no básico e no secundário porque uns quantos «especialistas» os desvalorizam, o governo reproduz medidas de promoção do facilitismo como o Despacho Normativo 50/2005), estruturas curriculares ineficazes (só não vê quem não quer).

4) Tal qual os populistas que falam «por cima» e atropelam as elites alegando que os interesses do «povo» estão em primeiro lugar, este governo insiste em falar «por cima» dos professores, encarnando a «vontade» dos alunos, dos encarregados de educação (com se não houvesse professores-progenitores-encarregados-de-educação nos mais de 100.000 profissionais) e da escola (cuidadosamente, ao menos, nessa palavra os governantes não ousam incluir os professores). Depois de marginalizados pelos discursos dos líderes sindicais, os professores de sala de aula são confrontados com uma nova versão: um governo que refinou e monopolizou o autismo estrutural do sistema. Nunca dei por um verdadeiro pluralismo na educação. Ora uns, ora outros.

5) Directa ou indirectamente, este discurso governamental ao referir apenas «os sindicatos» (e mesmo esses convinha discriminá-los) e ao omitir os professores, não estabelecendo uma distinção entre uns e outros (talvez porque, honestamente, não sinta legitimidade para tal), permite que socialmente se instale uma percepção pública que mete tudo no mesmo saco, numa área tão complexa quanto a do ensino (veja-se o artigo primário da autoria de Filomena Martins na SÁBADO de 23.02.2006, p.67). Além disso, a negação sistemática e mesmo obsessiva do papel social dos sindicatos (concorde-se ou não com eles), representados no simplismo retórico do primeiro-ministro (e de alguma imprensa) como «os maus da fita», em prol de um omni-representativo governo na área da educação, constitui uma óbvia deriva populista inimaginável num governo dito de esquerda se recuássemos um ano. A «burguesia, os ricos, os poderosos» foram finalmente descodificados: os sindicatos. Já nem sei se a esquerda que governa tem alguma coisa a ver com Marx.

6) Todavia, a sobranceria do primeiro-ministro e do governo tem muito a ver com uma oposição que, dia-a-dia, vai justificando o contrário daquilo para que existe: apesar de tudo, com esta oposição (não generalizo, mas refiro-me em concreto à área da educação), justifica-se a maioria absoluta do Eng.º Sócrates e a acção «notável» da ministra da educação.

(Gabriel Mithá Ribeiro)

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Toda a gente ligada à educação sabe que a decisão do Governo relativamente às aulas de substituição está ligada a um número que recentemente surgiu nos media: o de que a taxa de abstencionismo dos professores do ensino básico orça os 10%. Ora, sendo sobejamente evidentes os prejuízos que tal prática acarreta sobre a educação das crianças, das duas uma: ou o Governo, entidade abstracta que para o efeito teria de tomar a forma concreta de uma qualquer entidade inquisitorial e disciplinar, a puniria, ou criava mecanismos, similares aos já institucionalizados pelo costume em muitas Universidades, para que sejam os próprios pares dos abstencionistas a criarem uma moral menos transigente para com esse relaxe. Fazendo-os ocupar os tempos lectivos que os colegas abstencionistas abandonam. No fundo, trata-se de afirmar uma coisa muito simples e justíssima aos docentes: “faltem se quiserem, mas as crianças não podem ficar abandonadas e alguém tem de tomar o lugar dos faltosos”!
Evidentemente que as aulas de substituição não são a melhor solução para o abstencionismo de alguns docentes. A melhor solução seriam medidas punitivas fortemente dissuasoras de tal prática. Mas e o seu custo político? E a sua implementabilidade prática? Enquanto o relaxe for uma cultura dominante ou pelo menos tolerada, é difícil imaginar melhores soluções!
Misturar este problema com o da qualidade das salas de aulas ou com o facilitismo não ajuda nada. Cada problema de sua vez. Até por que se não começar por instaurar uma cultura de auto-exigência entre os docentes, nada se conseguirá realizar com eles.
A maioria dos portugueses apoia esta política. Por que é populista? Não, por que é cristalinamente necessária. Ou qual é a alternativa?
Pessoalmente, gostaria de acrescentar o seguinte: não pertenço ao clube do 1º Ministro nem a clube nenhum. E tanto se me dá que seja o Engº Sócrates como o Dr Marques Mendes a fazer o que é necessário na educação. Mas como nas últimas décadas ainda ningém se interessara em fazer coisa alguma nesta matéria, por mim, apoio! E comigo, segundo as sondagens, a maioria dos portugueses!

(José Luís Pinto de Sá)
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Por outro lado, quero fazer uma observação relativa ao excelente texto do seu leitor Gabriel Mithá Ribeiro, que faz referência «facilitismo das avaliações». Quero apenas acrescentar que uma das causas desse facilitismo consiste em querer-se diminuir o insucesso escolar. Mas se analisarmos o conceito subjacente de «insucesso», o que se torna óbvio é que ter sucesso é passar de ano e não, como se poderia pensar, ter-se aprendido novos factos ou desenvolvido novas competências. Considero obscena esta noção de sucesso. E se a aplicássemos a outras áreas? Vamos medir o sucesso de um político unicamente pelo número de eleições que ganha, independentemente do modo como o fez e de como exerceu o cargo para que foi eleito? Vamos medir o sucesso de um presidente de um clube de futebol unicamente pelo número de campeonatos ganhos, sem pensar em eventuais subornos e outras falcatruas? Já agora, porque não medir o sucesso de um professor pelo número de alunos que não reprova? Parece-me que faria perfeitamente sentido, pela mentalidade em vigor.

(José Carlos Santos)

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