ABRUPTO

5.1.06


TEMAS PRESIDENCIAIS (6ª SÉRIE)



OS DADOS ESTÃO NO AR . A vinda para a rua das candidaturas faz entrar numa fase final a campanha eleitoral. A partir de agora é pouco provável que haja alterações significativas no curso das candidaturas, que jogam na consolidação do adquirido, mais do que na conquista de novos aderentes.

DUAS CANDIDATURAS QUE AINDA NÃO POUSARAM: A DE CAVACO E A DE SOARES. Cada uma com o seu dilema, quer a candidatura de Cavaco quer a de Soares têm margens de resultados estreitos e podem perder muito ou ganhar muito no tempo que falta. Cavaco precisa de passar à primeira volta, e isso exige um enorme esforço de mobilização. Não se trata, no seu caso, de ganhar mais votos, mas sim de não perder os que conquistou, principalmente a favor da abstenção. Da capacidade de mobilização do seu eleitorado depende muito a conquista da presidência à primeira volta. Soares, por seu lado, precisa de dar tudo por tudo não só para ultrapassar Alegre, o que parece estar adquirido, mas para obter o mágico número que lhe permitirá ir à segunda volta. E aqui as coisas parecem muito mais complicadas.

O QUE É QUE PODE MUDAR OS DADOS QUE ESTÃO NO AR? Escândalos, reais ou inventados, acusações graves, incidentes ou inconveniências graves dos candidatos diante das câmaras de televisão. Só isso. O debate político residual, à distância de paradas e respostas por via dos órgãos de comunicação social, dificilmente servirá para alguma coisa. Os portugueses conhecem bem demais os candidatos para terem surpresas.

HAVER OU NÃO SEGUNDA VOLTA pode ser decisivo para o resultado final. Todos estão convictos, a partir das sondagens, que Cavaco ganha quer na primeira volta, quer na segunda. Pode ser que sim, mas eu não estaria tão certo disso. Se Cavaco não ganhar na primeira volta, vários efeitos, difíceis de retratar hoje nas sondagens, poderão verificar-se e mudar muito o panorama das eleições presidenciais. O único que o percebe bem é Soares.
Se pensarmos alto, não custa perceber que se houver segunda volta, ela será entre Soares e Cavaco. Ora, uma passagem de Soares à segunda volta coloca-o à partida na exacta posição contrária à que tem agora: hoje, é o perdedor, face a Cavaco, o ganhador. Se conseguir, contra todas as expectativas, passar à segunda volta, entrará nas eleições como vencedor. Terá consigo um ambiente de grande mobilização, que arrastará votos de todos os outros candidatos à esquerda, contrastando com as dúvidas e a quebra de mobilização na candidatura de Cavaco, onde há um convencimento generalizado de que a vitória será já na primeira volta. A imprevisibilidade aumentará e com ela a credibilidade da candidatura Soares.

SOARES E A COMUNICAÇÃO SOCIAL. Há sobre esta matéria as habituais duas escolas de pensamento e uma terceira, a deste vosso autor, também habitual. Uma diz que Soares é prejudicado pela comunicação social, e o próprio candidato é o principal e mais loquaz proponente de tal escola. A segunda, a de que Soares é, como sempre foi, protegido pela comunicação social, que tem com ele uma cumplicidade já antiga. A minha terceira via é mais uma evolução da segunda escola do que da primeira e pode ser definida assim: nunca Soares teve uma comunicação social tão hostil desde 1985 e, nesse sentido, pode ter aqui e ali razões de queixa. Mas há que acrescentar dois caveats: um, que poucas vezes alguém fez tanto para suscitar animosidade da comunicação social do que Soares nesta campanha; segundo, a comunicação social parece mais hostil a Soares por contraste com a complacência que mostrava antes (e em muitas coisas ainda mostra agora). Por isso, acho que Soares é o último a poder queixar-se da comunicação social.

A DESAPARIÇÃO DE ALEGRE DOS RADARES. Alegre, como Soares, queixa-se dos "comentadores", por razões aliás muito parecidas. No entanto, como Soares, pouco tem que se queixar a não ser de si próprio. Há já vários dias que a campanha de Alegre é aquela que mais "vende" apenas a sua própria existência, o que é muito pouco para interessar os portugueses. Alegre não compreendeu que já acabou há muito o tempo em que lhe bastava fazer campanha apenas com as peripécias da sua iniciativa. Já sabemos que ele concorre para a presidência a partir de uma "vontade de cidadania", que teve de arrancar contra a hostilidade dos "aparelhos partidários" (leia-se o PS), que o PS todos os dias lhe arranja uma complicação, que há "perseguições", etc., etc. Depois, o que é que há mais? Nada. O que Alegre diz sobre qualquer tema é vago, confuso ou lugar-comum, e isso é mortífero. Se identificássemos Alegre com quaisquer causas, ele seria visível no radar mesmo sem "aparelho". Sem identidade, ele nem solitário fica, mas apenas baço.

SOARES VAI SAIR MAL DESTAS ELEIÇÕES. Mais do que uma dúvida, parece-me uma quase certeza. Soares está a fazer tudo para sair muito mal de uma eventual derrota eleitoral. Está a conduzir uma campanha agressiva, ressabiada, sem dimensão de qualquer tipo, nem de Estado, nem política, nem pessoal. Se perder, será uma derrota entendida como humilhante, que ensombrará o fim da sua carreira política.
Mas, a prazo, talvez a derrota que parecerá humilhante agora possa vir a dar uma dimensão trágica à sua vida política. Como Churchill, Soares concorreu à eleição fatal que o fará passar à história com uma imagem de perda e não de glória. No entanto, como Churchill, a prazo, é o seu perfil de político compulsivo, de "animal político" que ganhará uma luz mais humana, mais apaziguada e compreensiva. Os seus muitos defeitos, o muito de negativo que indubitavelmente mostra nesta campanha será episódico, face à imagem que entrará na história, onde ele tem um lugar garantido. Porque esta campanha eleitoral é o fim da carreira política de Mário Soares com uma dimensão de inevitabilidade que nenhum sonoro (e falso) "basta" teria capacidade para dar.

(No Público de hoje.)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]