ABRUPTO

26.1.06


RETRATOS DO TRABALHO EM S. TOMÉ


Alfaiate, São Tomé, STP, Out. 2005.

(António Ferreira de Sousa)

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Desde há algum tempo que alguns colaboradores do blog tem incluído fotografias que retratam cenas quotidianas do trabalho em alguns locais do mundo, nomeadamente India, algumas das ex-colónias etc, onde se pode constatar a existencia de trabalho infantil mas fundamentalmente trabalho sem queixumes nas condiçoes mais deprimentes e se julgadas pelo prisma ocidental degradantes. Não vou fazer qualquer consideração acerca das fotos mas permito-me perguntar se não haverá uma estratégia maior que a par da diminuição dos direitos dos trabalhadores em Portugal se venha assim subliminarmente dizer-lhes que ainda estão cheios de sorte, primeiro por terem trabalho e segundo por as suas condições de trabalho serem melhores do que aquelas. Se é apenas coincidência e eu não percebi a intenção peço desculpa e vou-me embora.

(João Santos)
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Podem-se considerar degradantes e deprimentes as condições retratadas pelas fotos Cenas do Trabalho que vem publicando no Abrupto, mas a impressão que me deixaram foi a oposta. A de que o trabalho dignifica. Esta ideia, cada vez mais estranha nas sociedades pós-industriais, fortemente orientadas pelo principio do prazer como indutor de consumo, torna dificil perceber que o trabalho retratado, orientado pelo principio da necessidade, não sendo uma benção, muito menos é um estigma.
Podemos ficar deprimidos ao constatarmos que nos nossos dias milhões de seres humanos trabalham duramente sem serem recompensados condignamente, sem conseguirem sair da miséria degradante. Mas recearmos que venham a correr tirar-nos o nosso emprego ou os nossos direitos laborais por causa deles é condená-los duplamente. É no fundo dizer que, se alguém tem que ser pobre, então antes eles do que nós. (...)

(Mário Almeida)
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Os principais traços, porque comuns a quase todos eles, dos retratos do trabalho que têm vindo a ser publicados é o facto de serem trabalhos “manuais”, de um tempo que não é o nosso, apesar de muitas fotografias serem actuais (da comparação das fotografias actuais com as antigas ressalta que, em lugares diferentes, os tempos são diferentes, embora o Tempo seja o mesmo) e também de uma circunstância provavelmente muito diferente da da maior parte dos leitores do Abrupto. Talvez por isso a sensação de estranheza e até de desconforto que possam provocar. É curioso que os achem degradantes ou deprimentes. A mim parecem-me naturais.

(RM)
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As fotografias que vêm sendo publicadas no Abrupto inserem-se numa temática “popularizada” por Sebastião Salgado de mostrar que ainda existem espalhados pelo mundo muitos trabalhos, manuais, artesanais, pesados, sujos, desgastantes fisicamente, perigosos, praticados sem equipamento de protecção, etc. Este tipo de trabalho há algum tempo que se encontra desfasado do imaginário da maioria da população urbana (classe média para cima) dos países desenvolvidos. No entanto esses trabalhos existem e por vezes não estão tão longe de nós quanto julgamos. Pareceu-me que a sua publicação apenas tinha por objectivo mostrá-los, avivar memórias, fazer-nos pensar sobre eles e não ser um “bicho mau” com que se ameaça as crianças que não comem a sopa. A mim pessoalmente fez-me pensar o mesmo que as fotos de Sebastião Salgado. Que quem nasceu a ocidente tem a sorte de estar mais afastado desse tipo de trabalho, pois mesmo aqueles que têm trabalhos com essas características no mundo ocidental têm mais protecção do que a que se vê nestas fotos. Por outro lado recordo um artigo recentemente lido na revista da Marinha sobre a actividade de desmantelamento de navios (que há anos foi objecto da objectiva de Sebastião Salgado) que, apesar da crescente procura, se transferiu totalmente para países pobres (Índia, Bangladesh, etc.) exactamente para fugir aos custos salariais directos, aos custos de protecção e segurança dos trabalhadores e aos custos de protecção ambiental. Resultado, enormes navios, portadores de imensos materiais perigosos, são encalhados em praias para serem desmantelados literalmente à martelada e por vezes com maçaricos (“luxo” a que apenas os trabalhadores com maiores “posses” se podem dar) com todos os riscos que isso implica para trabalhadores e com um enorme rasto de poluição deixado nas praias. Devemos pensar sobre este lado da “globalização” ou se queremos seguir o velho aforismo americano “it´s a dirty job, but some one has to do it”. And no matter how it is done, since we pay less for it and the dirt is far away from our door.

(Miguel Sebastião)

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