ABRUPTO

27.1.06


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(27 de Janeiro de 2006)


___________________________

Nota certeira no Esplanar contra a troca grupal de elogios mútuos, uma das pragas da blogosfera, herdeira do mesmo tipo de atitude já antiga nos nossos meios literários. O problema é sempre o mesmo, e já é o mesmo há muito tempo: os bens são escassos e não chegam para todos. E há hoje no mundo literato vários sistemas e subsistemas grupais competindo pelos mesmos "bens", influência, artigos, colunas, programas de televisão, entrevistas, promoções, editoras, colóquios. É fácil criticar o Jornal de Letras (e merece-o bem) e a sua coterie, mas já é escassíssima a atenção crítica a outros grupos como o que ia do defunto DNA, para o grupo do "É Cultura, Estúpido", ou as Produções Fictícias, no mercado dos "produtos culturais" e do entretenimento. Há uma mudança geracional inevitável, mas os vícios mantêm-se. Os bens também continuam a ser escassos.

Esta nota, bem como a do Esplanar, são interessantes e gostava de acrescentar umas notas sobre a crítica literária que às vezes nos entra pela casa dentro. No último programa televisivo Livro Aberto cujo tema era debater as escolhas dos espectadores de uma votação informal que o programa e o seu blogue promoveram e à qual posteriormente o Mil Folhas aderiu, alguns dos quatro convidados, especialistas e críticos, tiveram um comportamento de considerei bizarro. Estavam mais interessados em comentar as escolhas dos Melhores de 2005 da nata intelectual publicadas no Mil Folhas do que debater as escolhas de espectadores anónimos que, como recomendação, só têm o facto de verem o programa Livro Aberto. Posteriormente desvalorizaram totalmente as escolhas dos leitores. Nunca se referiram à escolha para ficção portuguesa "Cavaleiro da Águia", nunca percebi porquê, e sobre as outras escolhas tiveram comentários cujo objectivo ainda tento entender. Dou como exemplo as escolhas de ficção estrangeira em que se encontravam nomes como Sebald ou Vila-Matas e que mereceram como comentário, de dois dos convidados, uma enorme estranheza por serem autores "difíceis": depreendi que, não sendo os espectadores membros de uma determinada casta intelectual, estão incapacitados de ler, apreciar, escolher e votar em autores "difíceis". Mas a coisa não se ficou por aqui porque no meio de insinuações de que votar em Sebald e Vila-Matas dá status social e intelectual (e eu a pensar que o Mercedes à porta cumpria bem melhor essa missão do que uma votação anónima!) tiveram o desplante de explicar "sem demérito para a obra de Sebald", não fossem os espectadores anónimos conspurcar o nome e a obra do autor.

Os tempos devem estar mesmo difíceis e há que serrar fileiras firme e guardar o couto, não vá algum anónimo querer lá entrar. O pior é que, como diz João Pedro George "esta gente lê, mas não aprende nada".

(J.)
*

Uma variante do Presidente vendido como um sabonete, num artigo de Luís Paixão Martins, "O desgaste das marcas partidárias", hoje no Diário de Notícias. Artigo que deve ser lido com muita atenção porque é típico dos tempos. Nele se diz, entre outras coisas:
Tal [desgaste] deve-se, em primeiro lugar, à descaracterização das marcas partidárias. É difícil encontrar pessoas que saibam explicar a diferença de atributos entre a marca socialista e a marca social--democrata, para referir as líderes no nosso país, para além dos símbolos do seu branding gráfico e das imagens dos seus principais protagonistas. Se os atributos de várias marcas se confundem, é natural que as próprias marcas tenham confundidos os territórios de imagem que vão definindo na mente dos seus "consumidores". "É tudo a mesma coisa" - diz-se que diz o povo.

Em segundo lugar, temos um problema de canal de comunicação. O marketing político não recorre, fora de momentos eleitorais e em outros muito específicos, a disciplinas de comunicação que, como a publicidade, permitem ao comunicador "finalizar" os conteúdos e, por conseguinte, obter a fidelidade da sua mensagem.
Pelo contrário, o marketing político usa, quase exclusivamente, o canal jornalístico para a sua comunicação, sendo assim forçado a codificar as suas intervenções segundo as regras do sistema mediático, isto é, de maneira simplificada, emocional e negativa.

Está bom de ver que uma marca cuja afirmação tenha de ser feita - sob pe-na de ser afastada do palco mediático - apenas de forma simplificada, emocional e negativa enfrenta muitas dificuldades de desenvolvimento se o seu objectivo for, por exemplo, demonstrar que deve ser escolhida para governar um país. É por isso, designadamente, que as marcas partidárias de "contrapoder", como o Bloco de Esquerda, ocupam mais espaço mediático que os partidos de "governo".
Boa publicidade para a LPM (reforçada pelas campanhas Sócrates e Cavaco), com algumas verdades pelo caminho. O recado é simples: deixem de fazer política, de fazer esses patéticos esforços para “sair bem” na comunicação social, façam só relações públicas e publicidade, as novas "disciplinas de comunicação". Se querem a mensagem limpa, vendam-na com uma marca nova, ou como se fosse uma marca nova.

É um caminho e há muita gente disposta a trilhá-lo. Em última instância, só depende do dinheiro que se está disposto a gastar, e da qualidade (baixa) política que se está disposto a fazer. Só que há outro caminho: façam outra política, com outros instrumentos, a partir de outros pressupostos, com outro tipo de pessoas, com outro tipo de discurso. É possível, há indícios um pouco por todo o lado de que é possível, sinais de outros modos de fazer, é só ter a coragem para romper, ou então fazer ao lado, noutros sítios.
Se a minha pequena nota o levou a concluir que eu defendo a comunicação publicitária - nomeadamente para as marcas partidárias –, custos acrescidos para as campanhas e um abaixamento da qualidade da política é porque não me fiz entender. O que eu julgo ter escrito é que, ao utilizarem, essencialmente, os “palcos mediáticos” (que são, de uma maneira geral, simplificados, emocionais e negativos), as marcas partidárias têm dificuldade em desenvolver-se se o seu objectivo for, por exemplo, demonstrar que devem ser escolhidas para governar um País – apresentando propostas complexas, racionais e positivas. Penso que esta é uma constatação que partilha comigo. Pela minha parte, partilho das suas reflexões finais.

(Luís Paixão Martins)
*

Excelente, excelente este Mar Salgado que cheira a maresia como deve ser.

*

Pelo Ponto Media cheguei aos blogues de fotojornalistas do Público, mais uma das razões para ficar cada vez mais preso à Rede, e verificar como a facilidade dos blogues (e a sua temporalidade) estão a mudar os media.


Veja-se este exemplo de Adriano Miranda que retrata todo um Portugal, solitário, antigo, que já não se reconhece nos "dias de hoje", e que se perde mostrando-se assim rectilíneo, homem e bandeira num só corpo, aconchegando-se, uma certa ideia que já verdadeiramente não compreendemos, romântica e ideal de Portugal. Mas ela está lá, com força suficiente para este homem a exprimir num acto, provavelmente contra todos, à frente de uma parede sintética e recente. Só a fotografia nos podia mostrar isto, nunca a televisão.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]