ABRUPTO

10.1.06


ENFADO?



Cresce nos blogues e nos jornais, o enfado enorme que atravessa os comentários sobre estas eleições. Resta saber se haveria o mesmo enfado se não fosse esperado que Cavaco as ganhasse. Mas este enfado gigantesco é mais uma vez a medida da superficialidade com que as eleições presidenciais são observadas, e a tendência para repetir por ciclos os lugares comuns que se tornam dominantes. Pack journalism no seu pior.

E no entanto... estas eleições são muito mais interessantes do que parecem, muito mais importantes do que se imagina. Elas mexem fundo no sistema político-partidário, nos partidos, nos grupos dentro dos partidos, nas personalidades. Muita coisa vai começar, alguma está a acabar de forma inesperada. Muitas perguntas permanecem por responder. Por que razão Cavaco chegou, viu e vai vencer? Não é tão evidente como parece. Por que razão Soares não gerou o efeito que claramente esperava (e muitos comentadores com ele) e passou de "pai da pátria a mau da fita"? Que fazem Sócrates, Marques Mendes, Portas, nesta fita? Que futuro para cada um deles numa ecologia "cavaquista" na Presidência? Por que razão a esquerda se fragmentou e não conseguiu somar os seus eleitorados como lhe era prometido nos primeiros dias da campanha (bem sei que é arqueologia, mas convém perceber como as razões de legitimação “técnicas” das candidaturas eram débeis)? Por que razão não se conseguiu instituir o dilema esquerda / direita nestas eleições, como de algum modo já acontecera de forma menos evidente nas legislativas, e parecia dominar a política portuguesa desde o fim de Guterres? Como conviverá o Primero-Ministro, o Governo e o PS, cada um ao seu modo, com um presidente com forte legitimidade política, em particular se for eleito à primeira volta?

Tanta coisa por definir depois de 22 de Janeiro, que só os desatentos podem estar enfadados. Ou aqueles para quem a política tem interesse quando ganham e perde-o quando perdem.

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© José Pacheco Pereira
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