ABRUPTO

13.1.06


BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR


à memória do Carlos Cáceres Monteiro

BOAS

Na SIC: os documentários da SIC cujo melhor exemplo foi o de Cândida Pinto sobre Snu Abecassis, embora, durante todo o ano, tenham sido sempre as melhores reportagens jornalísticas de tipo documental, de “grande informação” ou em anexo aos noticiários.

Na SIC e na TVI: a excelente informação / opinião económica na SIC Notícias e Perez Metelo na TVI , um divulgador especializado com grandes qualidades comunicativas.

Na SIC Notícias: Mário Crespo e o par João Adelino de Faria / Ana Lourenço nos noticiários.

Na 2: Documentários culturais, entre outros sobre Luis Pacheco, Glicínia Quartim, João Vieira, Fernanda Botelho, etc.

Na 2: Clube dos Jornalistas, o único espaço que se aproxima da “grande informação” (porque está na televisão) dedicado á reflexão sobre o jornalismo.

A Sábado é o órgão de comunicação social portuguesa mais subestimado, vítima das “sinergias” que lhe faltam: não tem quem puxe pelas suas notícias nos outros órgãos de comunicação social. Mas que tem notícias, isso tem.

A imprensa de distribuição gratuita como o Destak. Para muita gente significa mais notícias que nunca iriam encontrar, ou melhor, ler, noutro lado. Isto só pode ser considerado um acrescento na "comunicação", na cidadania.

Na blogosfera: o debate político. Os blogues políticos de todas as cores continuam a ser a parte mais dinâmica da blogosfera, contra todas as cíclicas previsões em contrário. O debate pode ter todos os defeitos da "atmosfera", mas tem também qualidades que só há na blogosfera.

Na blogosfera: micro-causas - A questão dos “estudos da OTA” que se tornou a segunda questão mais determinante do debate público sobre a OTA (a primeira foi e é “faz-se ou não se faz”), deveu-se à persistência dos blogues, e não da comunicação social fora da rede, que só a assumiu quando não a podia evitar. Depois, tornou-se parte integrante do “problema OTA”.

Na blogosfera: blogues de jornalismo, sobre jornalismo. Os blogues especializados em “comunicação” são em sentido lato o melhor conjunto de blogues com um tema específico na blogosfera portuguesa. Exemplos: Engrenagem, Indústrias Culturais, Ponto Media, Atrium, Jornalismo e Comunicação, As Imagens e Nós, Blogouve-se, etc.

Na blogosfera: Margens de Erro de Pedro Magalhães, o “nosso” explicador das sondagens e muito mais. Um exemplo de um blogue que acrescenta.

Rádios Presidenciais - Uma rádio dedicada às presidenciais revela as potencialidades que este meio encontra quando faz um uso das tecnologias que ultrapassam o mero instrumento de trabalho ou de difusão sonora.

Na TSF: a sonorização das reportagens.

Livros e revistas sobre jornalismo: edições de revistas como Trajectos e Media e Jornalismo, as colecções "Media e Sociedade" (Editorial Notícias), "Comunicação" (Minerva), "Comunicação e Sociedade" (Campo das Letras /CECS-UMinho, dirigida por Moisés de Lemos Martins) e "Comunicação" (Porto Editora, dirigida por Manuel Pinto e Joaquim Fidalgo).

PÉSSIMAS



A obscura política comunicacional governativa – O ano passado era a “central de comunicações” de Santana Lopes, este ano é a gestão mais profissionalizada, com maior colaboração silenciosa de muitos simpatizantes no meio da comunicação social, do controlo governativo. As grandes manobras da propriedade, que a montante ou a jusante, incluem sempre o beneplácito do poder político num país como o nosso tão dependente do estado, estão pouco esclarecidas. Mas quase tudo vai no mesmo sentido. Se houvesse um medidor não impressionista do “grau de incomodidade” da comunicação social face ao poder, ver-se-ia como ele baixou significativamente. Um exemplo: o modo como foi tratada a conflitualidade social, seguindo uma linha governamental, nunca nos dando a ideia da dimensão do que estava a acontecer e vista sempre numa luz hostil.

A ausência de programas de informação nas televisões generalistas.

Na RTP: a cobertura dos assuntos da UE , em especial os da responsabilidade de António Esteves Martins, que têm um tom oficioso e não-jornalístico.

Excesso de cobertura de eventos religiosos em directo, muito para além do conteúdo de "interesse público" num país de maioria católica (que justifica algumas transmissões, mas não todas) e sem qualquer valor informativo.

Na RTP: os comentários de António Vitorino nunca acrescentam nada e são claramente limitados por uma vontade de ortodoxia, que é uma vontade de carreira política. Legítimo, mas não chega para comentar sob aquela forma e com aquele estatuto, quando não se tem mais nada para dar. Pode-se ter “mixed feelings” sobre os comentários de Marcelo, mas estes são um “facto comunicacional” impossível de passar ao lado. Podem ter (têm) agenda política, são superficiais e ligeiros, mas ultrapassam os defeitos do seu autor, pelas suas qualidades no meio. Marcelo é um Mensch comunicacional, Vitorino não é.

Tsunami – Mais um exemplo de “masturbação da dor” como sensacionalismo jornalístico, ao ritmo das grandiosas imagens das vagas do maremoto. Se não houvesse imagens tão poderosas, turistas estrangeiros e destinos de férias como Puket atingidos, o tratamento comunicacional seria o que foi dado ao terramoto paquistanês, ou seja quase nulo. Não é a dimensão da tragédia que conta, mas a sua espectacularidade.

Katrina – O contra-exemplo ao tratamento do tsunami: “inforopinião” politizada ao extremo, “masturbação da culpa” em vez de “masturbação da dor”. Números fantásticos, previsões apocalípticas, dedo apontado a Bush em cada segundo, e quase nula compaixão pelas vítimas. A cidade “destruída” lá está a funcionar, ferida, mas viva. As dezenas de milhares de mortos anunciados continuam por descobrir, mas ninguém entende que deva corrigir alguma coisa.

Arrastão – A pseudo-história mais fantástica da nossa comunicação social em 2005, que, desde o primeiro minuto, parecia a qualquer pessoa sensata, muito bizarra. Who cares? Passou do sensacionalismo, para a demonização política anti-emigrantes e racista, para depois, no backlash, se tornar demonização política anti-racista ao estilo do “SOS Racismo”, ou seja do Bloco de Esquerda. Como era uma história (falsa) que “favorecia a direita” anti-emigrantes foi desmontada e contrariada. Quantas, ao contrário, que “favorecem a esquerda”, e igualmente falsas nunca são desmontadas?

Entre o 24 Horas, que sobe, os jornais grátis, os blogues, e a informação em linha, a imprensa generalista cai. Para responder à queda molda-se ao que pensa dar sucesso, o “social”, o “económico”, e temo que as reestruturações em curso nos grandes jornais valorizem ainda mais a superficialidade do produto. Se for assim, é só uma questão de tempo para cair ainda mais, porque nesse terreno outros fazem melhor.

Na Público: o fim da consulta grátis em linha.

No Expresso: as primeiras páginas inventivas. Agora que se sabe de quem é a responsabilidade, – de José António Saraiva, que as faz sozinho numa forma de meditação transcendental como nos disse em entrevista –, espera-se que Henrique Monteiro acabe com elas.

O fim da A Capital e de O Comércio do Porto.

O jornalismo económico continua a depender de uma visão mais do “económico” do que do “jornalístico”. Com capacidade para produzir boa informação sobre o estado e o governo, revela-se incapaz de tratar as empresas como objecto jornalístico, mostrando pouca independência em relação aos sectores económicos e financeiros que a patrocinam. Não há verdadeiras reportagens ou notícias sobre o que corre mal e sobre face não-empresarial da economia, como por exemplo, o mundo do trabalho.

A Antena 2 é demasiado loquaz. Muito se fala naquela rádio, num tom entre o pedante e o falsamente intímo, tirando limpidez à música.

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© José Pacheco Pereira
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