ABRUPTO

28.1.06


AS COTERIES E OS BENS ESCASSOS



Voltemos à questão das coteries literárias, um tema tanto mais interessante quanto muito pouco, ou quase nada discutido por cá. Aqui há uma diferença com o passado para pior, porque a existência de “escolas” e “movimentos” tornava a coisa confrontacional, logo mais reveladora. Sabia-se quem estava com quem e a pancada era mútua. Agora não, há demasiados silêncios e demasiadas conivências, e era de alguma maneira essa a questão inicial colocada na nota do Esplanar: “Temos uma crítica literária jornalística de fachada.”;” influências que se movem, sectarismo, medievalismo. Textos que se escrevem em função dos favores, críticas que se cozinham como benesses e mesuras a amigos e colegas de trabalho (é assim que se formam as clientelas, alguma dúvida?).” Era este o ponto de partida e muito curiosamente ninguém se lhe refere. Aliás o que gera polémica é a nota do Abrupto e não a do Esplanar, muito mais cruel. Percebe-se, como infelizmente é pecha nos blogues, como tudo se torna ad hominem, e é preferível atirar ao lado para não se ir ao fundamental. Daí a revolta proletária contra o monopolista dos “bens escassos”, a mais irónica confirmação de que tinha razão no que escrevi. (Oh! Meus amigos, eu trabalho muito, trabalho com gosto e as encomendas não faltam no mercado. Não querem censura nem quotas, pois não?)

Não, a questão é outra. É fácil bater no José Rodrigues dos Santos, ou na Margarida Rebelo Pinto. Eles estão fora dos “nossos”, só vendem muitos livros. Eles não circulam nos mesmos meios, só vendem muitos livros. A cena da sopa de peixe é ridícula, mas é pulp fiction, não tem pretensões a ser literatura. E as “nossas” cenas ridículas que pretendem ser literatura? E as dezenas de livros menores que os “nossos” publicam todos os anos e que são protegidos pela “crítica literária jornalística de fachada”? Ou são tudo livros geniais, como para o Jornal de Letras, tudo é bom? Eu, como não sou crítico literário não vou fazer esse trabalho, mas estranho que ninguém o faça, e não se dê por ele. Há excepções solitárias, mas confirmam a regra.

E depois, gente que acha (e bem) que na política há compadrio e favores, passa róseo, pelo mundo literato que tem face à política muito menos escrutínio crítico, muito menos conhecimento dos meandros que se movem. E não é só na literatura, mas no mundo “cultural” no sentido lato, agora muito colado ao entretenimento, onde também há dadores de emprego, grupos de interesses, jogos de editoras, produtoras, programas de televisão, encomendas e serviços? Onde é que eu posso ler sobre isso? Em sítio nenhum. Só vejo exercícios de elogios mútuos, protecções de grupo, reputações que se sustentam em amigos e não em livros, trabalho, obra.

Nota: reflexos em Estado Civil, Da Literatura, O Amigo do Povo, e , de novo, no Esplanar.

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Um sinal curioso da pequenez de que fala no nosso meio cultural está bem patente, por contraposição, na elaboração das contracapas das edições anglo-saxónicas onde frequentemente estão presentes recomendações de personalidades de alguma modo ligadas ao tema dos livros. Em portugal as contracapas quase invariávelmente se limitam a trazer um extracto, uma pequena biografia do autor ou no caso de traduções o resumo do conteúdo.

(António Filipe Fonseca)

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Lei de Gersham

A questão da crítica é (ou deve ser) uma questão central neste País paradoxal onde se lê pouco mas se escreve e publica muito, onde não se vai ao teatro mas há dezenas de companhias de teatro, onde não se vai ao ballet mas se fazem abaixo assinados contra a extinção de companhias de bailado. E onde se lêem as críticas e é tudo fantástico.
Se houvesse verdadeira crítica, séria, isenta, consistente, sabedora, profissional, talvez houvesse menos paradoxo e mais qualidade.

A questão inicialmente focada na nota do Esplanar incidia sobre a crítica literária mas foi alargada no Abrupto à crítica à produção cultural em geral. Entretanto, no Estado Civil e no Da Literatura, surgiram exemplos vivos do que JPG e JPP referiram: porque é que nós não havemos de defender o nosso território se tu defendes o teu? Não defenderam a qualidade e consistência do seu trabalho, nem negaram que se escreve muitas vezes de e para amigos. Não negaram que muito do que se escreve sobre livros ou outras produções culturais (algumas fictícias) são simples conversas entre amigos, amigos que aliás o são e deixam de ser ao sabor das necessidades e desejos editoriais de cada um. No entanto, os blogues são muito transparentes nessa matéria. Como sempre, é de influência e poder que se está a a falar. Se se ampararem bem uns aos outros, lá vão construindo carreiras.

Não tenho particular gosto em ouvir dizer mal de um livro ou de um escritor. Não me parece que seja critério exclusivo de qualidade de uma crítica apontar aspectos negativos. Acho que a crítica deve ser uma análise global de características ou qualidades de um livro, de um quadro, de uma música ou de uma peça. Qualidades que podem ser positivas ou negativas.

Os críticos também têm gostos e é natural que eles transpareçam da sua análise.
Também gosto de ler os trocadilhos, de palavras ou ideias, que pululam por muitos blogues literatos/culturais. Divertem-me. Mas vai uma grande distância entre um trocadilho, uma ideia divertida ou uma frase melancólica e uma obra literária. É suposto um crítico saber ver isso. Para se criticar de forma profissional, tem que se estudar e saber, não basta gostar ou detestar.

Em suma: usando uma ideia em voga, a má crítica afasta a boa obra de arte. E o "amiguismo" enquanto elemento de crítica é uma má crítica. Por isso é que acho esta uma questão verdadeiramente importante. E convém não esquecer que os leitores são os críticos dos críticos.

(RM)
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Estes são os nossos críticos literários: parecem ter algumas limitações a interpretar textos, ou então o que será que os move? O problema também está no facto de terem poucos consumidores para os bens que oferecem. Só uma minoria é que lê algumas das críticas literárias que são publicadas. Eu que leio livros "difíceis" tenho a maior dificuldade em ler críticas "difíceis". Basicamente quero saber se gostaram ou não de determinada obra, porquê e quero que a enquadrem, para que eu, que não leio todos os livros do mundo, e que tenho de fazer escolhas, possa ter alguma informação que me ajude a minimizar uma má compra. Os desfiles de citações, referências - a autores certamente interessantíssimos - e efabulações teóricas e especulativas que enchem as páginas de crítica literária, mas em que pouco se fala da obra em questão, verdadeiramente pouco interessam a uma larga maioria das pessoas que gostam e ler e que compram livros, mas não se querem perder nos meandros das teorias literárias. A sensação com que se fica é que "eles" escrevem para "eles".

Se soubesse que ía escrever este texto tinha preparado alguns exemplos do que não gosto (é só ir ao Mil Folhas) e do que gosto (é só ir aos sites literários anglo-saxónicos: não sendo intelectual eu, tal como muitos portugueses, lemos em várias línguas). O que era interessante saber é como é que se mede a audiência que tem a crítica literária. Porque a audiência de comentadores políticos (ver caso Marcelo Rebelo de Sousa) é sempre medido, ou em audiências ou em número de tiragens das publicações. A crítica literária só sobrevive se for em suplemento a outra publicação. Como seria se os jornais em causa baixassem os seus preços às Sextas ou aos Sábados e não oferecessem suplementos literários? Será que isso não obriga a reflexão? Mas sem culpar o "povo", por favor!
(...)
Já li um livro (o "Sei lá!"?) de Margarida Rebelo Pinto e essa experiência chegou para perceber o estilo. Já li um livro ("A Filha do Capitão") do José Rodrigues dos Santos e não me parece de todo justo pô-los no mesmo saco. MRP é literatura light sem mais nada: lê-se rápido e fica-se com azia. JRS, não sendo uma experiência literária nirvanesca, tem o mérito de pesquisar e construir uma bela narrativa, com algumas limitações, que não irei enumerar, mas consegue aquilo a que se pode chamar uma obra "honesta". Vendem livros os dois: sorte a deles! Mas parece-me injusto, a nível literário compará-los, só se podem colocar lado a lado no facto de serem outsiders. E outsiders que vendem...

(J.)

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