ABRUPTO

9.12.05


TEMAS PRESIDENCIAIS (4ª SÉRIE)



1.Não sei se todos os dados já estão lançados nas presidenciais, mas sem dúvida que nos aproximamos desse momento. Para os candidatos, estes são os últimos dias que se passam ainda fora da rua, no terreno movediço dos debates. É verdade que os debates, o actual momento da campanha, não têm a mesma importância para Cavaco que têm para Alegre e Soares, mas mesmo para a sua candidatura são um momento de risco que não deve ser menosprezado. O objectivo de Cavaco é ganhar na primeira volta, e o esforço de concentração de votos não depende apenas da predisposição dos eleitores para o escolherem, mas também da mobilização na própria votação, para que o aspecto pouco dramático da campanha, apresentada como vencedora antecipada, não favoreça a abstenção de eventuais eleitores.

2. Para Soares, os debates são a última oportunidade. Soares acredita numa só coisa para salvar a sua candidatura, ou seja, para ir à segunda volta: no seu debate com Cavaco. Não se percebe por isso que tenha aceite um conjunto de regras para esses debates que o desfavorecem, co-assinando um guião que parece agora contestar. Penso que, no momento do debate, vai tentar passar por cima de todas as regras e impor ao adversário e aos jornalistas entrevistadores o que lhe parecer melhor e mais eficaz. Confrontará Cavaco directamente, interromperá, tentará forçar o diálogo, e colocará a todos, aos jornalistas em particular, uma situação complicada sobre o modo como actuar.

3. Soares, que tem tido uma posição de irritação e conflito com os jornalistas e entrevistadores, em praticamente todas as suas aparições, foi aliás o autor de uma das insinuações mais graves da campanha: a de que as eleições podiam não ser "limpas". Não se percebe muito bem em concreto quem pretendia atingir, porque tanto quanto saiba é o Governo que superintende às eleições e ninguém acusou as autoridades responsáveis pelas eleições desde o 25 de Abril da falsificação de qualquer resultado eleitoral (há o caso controverso da eleição de Lisboa entre João Soares e Santana Lopes, mas passa-se no âmbito de uma freguesia num resultado muito cerrado). Ao admitir essa hipótese, percebe-se muito bem o que estava a sugerir, mas é difícil compreender o que estava a dizer. Valia a pena esclarecer, quanto antes, se Mário Soares entende que as eleições a que vai concorrer têm condições de fidedignidade e legitimidade.

4. O debate Alegre-Cavaco foi, em princípio, vantajoso para os dois. Ambos ganharam, no tabuleiro de xadrez em que se movem estas presidenciais. Muitos comentadores queixaram-se que o debate foi "mole" e pouco interessante. Há duas razões para "parecer" isto: uma foi enunciada e bem por Alegre, que acusou os jornalistas e os comentadores de estarem sempre a pedir debates de ideias e depois, quando há um debate em que os candidatos expõem as ideias que têm, vêm dizer que o debate não interessa, queriam sangue, ou que os candidatos fossem outros. Não são, são estes e isto é o que têm a dizer, mais vale ouvi-los. A outra e mais interessante razão é que, mesmo sem o espartilho das regras estabelecidas entre todos, duvido que o debate fosse muito diferente, porque tal não interessava a ninguém, nem Alegre, nem Cavaco. Só Soares desejava "sangue", porque ele jorraria ou de Cavaco ou de Alegre, os seus dois adversários.

5. Nem Alegre, nem Cavaco são neste momento adversários directos. Cavaco fala para o seu eleitorado e o seu eleitorado não corre o risco de ser conquistado ou perdido para Alegre. Alegre, por seu lado, demarca-se essencialmente de Soares, através de uma diferença de discurso e de postura, e não pela corrida para ser o mais agressivo contra Cavaco. À esquerda é o discurso de Alegre o mais parecido com o de Cavaco, havendo pontos muito próximos entre os dois. Por isso, a campanha de Alegre mede-se hoje pelo confronto não nomeado, mas central com Soares, e não pelo confronto com Cavaco.

6. Eu disse "hoje", porque não tenho a certeza que as coisas continuem como estão. Para mim, a questão decisiva na primeira volta é saber se algum dos candidatos anti-Cavaco consegue bipolarizar com ele. Logo que um o consiga, as probabilidades de começar a concentrar os votos e criar condições para ir para à segunda volta tornam-se reais. No caminho começará a esvaziar os outros candidatos da sua área. Até agora isso não aconteceu, mas pode vir a acontecer. Será talvez a mais significativa mudança que se pode vir a dar nos debates.

7. Soares percebe instintivamente que é assim e por isso tem conduzido a campanha de forma agressiva e provocatória desde o primeiro minuto, tentando aparecer como o único real contraponto a Cavaco. Até agora essa estratégia não resultou, mas ou é esta ou é nenhuma. Soares não é hoje nem sequer a sombra do candidato consensual do passado. Soares não pode "estar", como Alegre e Cavaco, tem que se "mover", tem que se deslocar e levar tudo atrás de si para ter uma oportunidade para ficar à frente de Alegre e passar à segunda volta.

8. A minha dúvida sobre Alegre é saber se agora com os debates Soares começa a "mover-se", não tanto por si, mas porque os outros não se "movem", ficando onde estão, como é o caso de Alegre. Se Alegre tivesse um eleitorado fixado, o que parece não ter, o "movimento" de Soares não existiria, mas não é assim e Soares pode começar a fazer estragos. A questão está em saber por que razão Soares não fez estragos em Alegre mais cedo, e se vai a tempo de superar uma rejeição muito consolidada do eleitorado, mesmo à esquerda, da sua candidatura, que tem tudo a ver com uma iniciativa que consideram inadequada e inoportuna.

9. As campanhas de Louçã e Jerónimo de Sousa estão no terreno tribunício desde o início, ou seja no aproveitamento da campanha presidencial para a propaganda e para garantir a presença nos órgãos de comunicação dos seus partidos. Nenhuma delas parece ter saído de uma certa mediania, nem parece que consiga sair. Se Alegre e Soares se empatarem um ao outro, Louçã e Jerónimo ficarão no seu espaço reduzido e redutor. Se Soares desempatar e começar a "mover-se", arrastará atrás de si eleitorado de Alegre, Louçã e Jerónimo, por esta ordem.

(No Público de ontem.)

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© José Pacheco Pereira
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