ABRUPTO

22.10.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O DISCURSO DO PAI NATAL





Que o actual comunismo chinês viesse ameaçar de forma tão assustadora o actual socialismo europeu é algo que quase ninguém poderia imaginar. O "medo" da invasão dos produtos chineses nos mercados europeus com o consequente fecho de muitas indústrias, aumento do desemprego e instabilidade social (que agora se designa por precaridade no trabalho) é algo de muito presente nos discurso político da maioria dos nossos agentes económicos.

Curiosamente (ou talvez não) estes mesmos agentes económicos viram-se para o Estado como o seu último recurso , exigindo medidas de protecção contra o que designam como "concorrência desleal" (os chineses estão a escravizar as suas criançinhas, etc.). O Estado, por sua vez, cumpre o seu dever: proteger os seus cidadãos (ou alguns dos seus cidadãos) das ameaças externas, particularmente desta terrível e nova ameaça chinesa.

O nosso conforto socialista necessita de estabilidade e não de rupturas, de gradualismo para se adaptar, de tempo para se re-organizar, não podemos abrir as nossas fronteiras desta forma tão descarada, principalmente a quem vai destruir o nosso simpático modo de vida. Embora o tempo das benesses esteja a chegar ao fim, pode sempre telefonar-se para Bruxelas e ver o que se pode arranjar.A oligarquia burocrática de Bruxelas faz o que pode quanto mais não seja para proteger os seus empregos.

O que existe de curioso neste discurso é a sua imensa capacidade para o auto-engano, para a auto-ilusão, é um pouco como o Natal e as crianças: nós , os adultos, já não acreditamos no Pai Natal, mas para felicidade das crianças fingimos que acreditamos e lá fazemos a festa. Por sua vez, as crianças fingem que acreditam para não desiludirem os adultos de quem tanto gostam. Afinal de contas se eles se dão a tanto trabalho porquê estragar a sua felicidade. O amor é recíproco e genuíno embora sejam ambos amores enganados. As crianças vão todas à escola: eles cedo descobrem que o Pai Natal não existe, não é real. O que é real, o que verdadeiramente existe, são as sapatilhas Nike com rodinhas, fabricadas na China. E é todo um mundo que desaba: é suposto as crianças acreditarem no Pai Natal (para receberem presentes), é suposto não os desapontarmos nesta sua ingenuidade comovente (porque os amamos).
E é sempre com imensa expectativa e alguma ansiedade que todos aguardamos a chegada do Pai Natal.

Em Portugal o discurso político é o discurso do Pai Natal: o ritual perpetua-se na esperança da chegada dos presentes.

(João Costa)

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© José Pacheco Pereira
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