ABRUPTO

6.10.05


MUITO, MUITO PREOCUPANTE 2



A inversão do ónus da prova conduziria, num país como Portugal onde a administração pública, incluindo a máquina fiscal e as polícias, estão muito politizadas, à discricionariedade dessa exigência de prova, tornando-a numa arma política que nenhum governo deixaria de usar. Basta só parar para pensar no que já acontece, para se poder antever com elevado grau de certeza a poderosa arma que vai ser colocada ao serviço do abuso dos governos. É muito, muito preocupante.

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As vezes penso que JPP exagera nas suas preocupações regulares sobre os danos que o Estado e a organização da sociedade moderna causam na privacidade.Esta proposta do Presidente da República, se transformada em lei, seria trágica. Não é só por poder ser usada como instrumento político. É que nós não temos um sistema judicial que, em tempo útil, elimine as injustiças e determine a indemnização dos danos. Eu aceito o Estado fiscal, o Estado em que a igualdade fiscal é um dogma infrangível, em que há fiscalização e penas pesadas para os que não cumprem, atentando assim contra a igualdade e a subsistência do próprio Estado social. Mas aceito-o apenas porque tenho bons e eficazes instrumentos para me defender. Num País onde a pendência média das impugnações e execuções é de 7 a 10 anos, onde a Administração demora mais de dois anos em média a responder às reclamações dos contribuintes, a sugestão do PR só criaria arbítrio e prejuízo para os mais fracos.

Será preferível, então, assumir que a tributação é sobre o acréscimo patrimonial anual, e não sobre o rendimento. As pessoas passariam a declarar anualmente a diferença entre o valor do seu património no início e no fim de cada ano. Não há nada pior do que discursos em efemérides e medidas avulsas!

(António Lobo Xavier)
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Em conversa com colegas de trabalho, a resposta que me deram quando disse não concordar com a inversão do onus da prova foi: "Quem não deve não teme!!!"
Como explicar que a liberdade pessoal , o direito à privacidade (incluindo a fiscal), a presunção de inocencia são principios fundamentais do estado de direito? Eu apresento contas em sede de IRS. Daí em diante exigo ser tratado como pessoa de bem!

(Alberto Mendes)
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Concordo com a exposição feita no Abrupto relativamente à inversão do ónus da prova sugerida pelo Presidente da República, mas não foi esta a única fonte de preocupação que encontrei. A forma redutora como são encarados os direitos de cidadania, a relação entre cidadãos e Estado e o próprio papel dos partidos políticos, aparentemente é aceite como uma inevitabilidade, uma espécie de destino fatal que ocasionalmente se recorda sem nunca contrariar.

Assim, o Estado vê os cidadãos não como aqueles a quem é suposto servir, mas como mero suporte financeiro de decisões muitas vezes erradas e de um despesismo incontrolado, enquanto rejeita de foam implícita ou explícita a colaboração daqueles que ainda pensam ter um contributo a dar. Quando o PR alega que existe falta de empenho cívico dos cidadãos, ai ignorar o autismo do Estado, reforça a posição de tantos governantes para quem a culpa do estado da Nação é sempre dos mesmos.

(Nuno Miguel Cabeçadas)

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A medida de combate à corrupção e fraude fiscal proposta pelo Presidente, precisamente no dia 5 de Outubro, é a ginja em cima do bolo passado de prazo que foi todo o seu segundo mandato. Ninguém o diz, mas a crise do sistema democrático de que todos se queixam, passa também pelo exercício do seu "magistério de influência", em especial nos últimos 5 anos, onde desde falar por recados nos jornais até dissolver parlamentos em câmara lenta para que aprovasssem orçamentos "falsos", tudo valeu, sem que, de tal, resultasse qualquer mácula no prestígio presidencial.

De um homem que defendeu presos políticos nos tribunais plenários do Estado Novo, a inversão do ónus da prova, num país de gente invejosa, tomado, segundo o próprio, pela corrupção, era a última coisa que se deveria esperar. Gostaria de ter ouvido o Presidente Jorge Sampaio falar sobre como dotar a Polícia Judiciária e o Ministério Público dos meios necessários à realização das suas missões, no fundo, sobre o que deve o Estado fazer para que efectivamente se aplique a justiça em nome do Povo. Ao invés, fomos todos nós declarados culpados até prova em contrário.

O Governo da República deveria ter-se distanciado de tal proposta no minuto seguinte. Pelo contrário, se não me engano, o ministro de justiça já veio declarar que alterações legislativas nessa área serão oportunamente apresentadas, no âmbito de mais uma reforma, não sei muito bem qual. Nem me lembro de tal coisa ter sido proposta no programa eleitoral da actual maioria ou no programa do governo. Vou ter de o ler novamente, se calhar com mais atenção. Mas parece-me previsivel o que aí vem. (...)

(Mário Almeida)
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Cumpre à Administração, que representa o Estado. nas suas diferentes vertentes, no que diz respeito a eventuais anomalias no comportamento do cidadão, detectar, analisar e actuar, propondo correcções às anomalias detectadas do cidadão perante o Estado e, sempre bem fundamentadas.

Tudo aquilo que signifique a transferência dessa responsabilidade para o cidadão comum, demonstra, apenas, incapacidade de exercer a função que lhe foi conferida pelo Estado. Fiscalizar é sempre uma função inalienável de quem tem o dever de fazer cumprir a normalidade; delegar essa função no cidadão comum é inaceitável. Os órgãos dum Estado que se demitam de fazer cumprir a normalidade, tornam fraco o próprio Estado.

E, fazer cumprir é explicitamente verificar se o foi; não esperar que outros sugiram que o não foi. Além disso, parece-me, o ónus da prova é sempre de quem acusa e, não de quem é acusado.

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© José Pacheco Pereira
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