ABRUPTO

23.6.05


LEMBRANÇA A TEMPO POR CAUSA DO TEMPO

Uma pequena lembrança aos liberais: faz parte da força de uma sociedade livre e activa, como a que os liberais desejam construir, ter... greves. O conflito social não é um fim em si, mas um instrumento legítimo de defesa de interesses, por mais corporativos e egoístas que eles sejam, sem o qual as sociedades deixam de ser democráticas.

Segunda nota: não há greves eficazes sem dor, sem prejuízo, sem vítimas. Faz parte mesmo da possibilidade de eficácia de uma greve, que é o que uma greve pretende. A ideia que as greves só podem existir quando são apenas simbólicas, coloca efectivamente em causa o direito à greve. É natural por isso que os sindicatos as tentem realizar quando atingem ou mais pessoas, ou interesses de grupos, que possam levar governos ou empresas a recuar. O prejuízo social de uma greve – aos “utentes” dos transportes, aos alunos que vão fazer exames, etc – pode e deve ser discutido e utilizado no debate público contra os grevistas, mas não pode ser argumento contra a erosão do direito à greve. A distinção é importante. (*)

A sociedade protege o interesse geral estipulando os “serviços mínimos” que são vitais para o seu funcionamento regular. Mas “mínimos” significa sempre “mínimos”, e o terreno desse mínimo é o que atribuo às funções mínimas do estado: segurança dos cidadãos, defesa nacional, funcionamento regular dos corpos de emergência nos hospitais, bombeiros, etc. Fora disso, os “mínimos” já são máximos. Não tem sentido ser liberal quanto ao Estado e depois entender os “serviços mínimos”, que este tem que garantir numa greve, com uma latitude de obrigações típica de um Estado socialista, ou seja, tudo.

Lembrá-lo não significa estar de acordo nem com os objectivos das greves, nem com a actuação dos sindicatos, muito menos com os dos professores, dos primeiros responsáveis pela situação da nossa educação. Mas isso é outra coisa diferente. Nem sequer significa desacordo com a posição do governo quanto aos objectivos do seu programa que suscitaram a greve.

Só me preocupa que se deite fora o menino com a água do banho e, desde há muito, que a experiência dos socialistas mostra que mudam de políticas 180º, quando lhes convém, passando do maior laxismo para um autoritarismo (**) favorecido pela complacência da oposição (e o acordo silencioso em muitos casos) e pela falta de debate público substituído por modas – e a moda agora é deslegitimar os conflitos sociais.
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(*) Uma nota suplementar: é nestas alturas que se percebe como funcionam as lealdades políticas dos responsáveis pelas Direcções Regionais, constituídas tradicionalmente pelos “boys” dos aparelhos partidários locais e que nestes momentos tendem a ser mais papistas que o papa.

(**) Recordam-se da legislação ultra-permissiva sobre escutas telefónicas do ministro António Costa, atacada depois pelo PS quando do “caso” Casa Pia? Convinha lembrar.

*

A propósito do seu post de 23-06-2005 intitulado "Lembrança a tempo por causa do tempo", faria apenas o seguinte reparo: quando reconhece legitimidade, por exemplo, aos professores para fazerem greve no momento em que ela mais se nota, ou seja, durante a realização de exames, está apenas a esquecer-se de que, ao contrário de outros casos, esta greve produz efeitos que podem prolongar-se excessivamente no tempo. Quando há uma greve de transportes (que afecta sempre muita gente) as pessoas, quer utilizem nesse dia o carro particular, ou os transportes alternativos, ou usem até um dia de férias no emprego, etc., sabem que a greve começa a uma certa hora e termina a uma certa hora e que os efeitos se limitam a esse espaço de tempo. No caso dos exames, não é assim: a nova marcação de todos os exames levaria seguramente a que uma boa parte deles entrasse por Agosto dentro, destruindo por completo as férias de dezenas de milhar de famílias. Não me parece justo que os professores, com um só dia de greve, consigam produzir efeitos na sociedade durante mais de dois meses.

(João Ferreira)

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