ABRUPTO

28.6.05


“ANTECIPAR” E GANHAR A BATALHA DA COMUNICAÇÃO

Um governo, um político habilidoso, “antecipa”. Antecipa o discurso, as medidas, antecipa o vazio como se estivesse cheio. Quando não se tem nada para “surpreender” ou para dizer de “novo” (outra obrigação comunicacional por cuja falta se é penalizado), ou se corre o risco de ter uma fuga que estrague a surpresa, mais vale “antecipar”.

“Antecipar” dá títulos melhores e dá os títulos que os autores da antecipação desejam. Incontrolados, incontroversos, porque não são confrontados com nenhuma realidade exterior, nenhuma opinião hostil, nenhuma crítica. Títulos bem independentes da realidade que se “antecipa”. Pode-se “antecipar" A e fazer Z, que a “antecipação” é mais poderosa. Um caso típico de “antecipação” foi a legislação sobre nomeações para os cargos políticos, que quando for aplicada já os tem todos nomeados.

Os jornalistas tendem cada vez mais a substituir a notícia pela antecipação, porque a “antecipação” foi só para eles, julgam, e para o seu jornal, julgam, enquanto a notícia pertence a todos. Logo, quando existe a notícia, a realidade daquilo que se antecipou, já tem muito menos interesse, nem “novidade”, nem “surpresa”. Já parece uma nuance e os jornais detestam nuances.

Com excepção de Deus, que pode antecipar o que quiser, e tem o melhor gabinete de relações públicas do universo, há uma regra muito humana que postula que entre o verbo e o acto, há o ruído. A “antecipação” faz parte do ruído.

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© José Pacheco Pereira
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