ABRUPTO

30.5.05


TEMOS DIREITO A VOTAR “NÃO” OU NÃO PODEMOS?

Reproduzo aqui o que escrevi há mais de um mês sobre o referendo francês. Não preciso de mudar uma linha.

Como os dinamarqueses, os irlandeses e os suecos no passado, os franceses não podem votar “não” em matérias europeias. Como os portugueses num futuro próximo, também lhes vai ser descrito o apocalipse que cairá sobre eles se votarem “não”. A Europa é muito democrática, mas só se lhe pode dizer “sim”, nunca “não”, e os cidadãos dos países europeus tem o nefasto hábito de o fazer ou de então ficar em casa em massa, deixando “sins” mirrados e perplexos.

O vilipêndio dos que querem votar “não” começa antes de votarem. O voto “sim” é sempre o iluminado, o progressista, o que aposta no futuro, o dos que não tem medo. O “não” nunca é um “não” ao modo como está a ser construída a Europa, é sempre uma mesquinha soma de pequenos interesses corporativos e nacionais, sempre uma manifestação de vistas curtas da política interna de cada país, sempre menor.

Não tenho nenhuma simpatia política e ideológica pelas razões que levam muitos franceses a votar “não” à Constituição europeia porque não querem abrir o seu mercado à competição e à mão-de-obra de serviços mais baratos permitido pela directiva Bolkestein. Os franceses querem sempre “excepções”, na cultura e no “social”. Apoiados por tudo o que é esquerda europeia que entende, e bem, que o “modelo social europeu” assenta na closed shop, mobilizaram-se para combater aquilo que chamam a “deriva neo-liberal” da Europa, personificada no Frankenstein-Bolkestein e no nosso pobre José Manuel Barroso, apanhado no tiro cruzado.

Mas não é isso que é democrático, votar sim ou não conforme entendemos que uma lei ou directiva nos atinge e afecta? E não é um sofisma pretender que o voto nobre nos “princípios” da Constituição está “acima” moral e politicamente das políticas que dela decorrem e que ela, com todo o seu upgrade dos poderes burocráticos, potencia?

(De A LAGARTIXA E O JACARÉ, na Sábado, Abril 2005)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]