ABRUPTO

24.5.05


OS LIVROS DA SÁBADO

A DIOGNETO



Em 1436, Tomaz de Arezzo, um monge italiano que estava a estudar grego em Bizâncio, comprou peixe num mercado. Bizâncio estava nos seus últimos anos “gregos” antes de ser ocupada pelo sultão e os seus turcos. Quando chegou a casa verificou que o embrulho do peixe era um manuscrito muito antigo que ele não conhecia. Voltou a correr para o mercado e comprou as folhas que sobravam e se destinavam a embrulhar mais peixe. Tinha recuperado uma compilação de obras atribuídas a S. Justino, um filosofo do século II que se tinha convertido à nova religião e se tornara no primeiro apologista do cristianismo. Entre elas vinha uma que era completamente desconhecida e de autor anónimo, uma carta a um tal Diogneto, um pagão culto e curioso que mostrava interesse em saber:

“Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e, finalmente, por que esta nova estirpe ou género de vida apareceu agora e não antes. “

O anónimo apologista começa assim a resposta:

“Aprovo este teu desejo e peço a Deus, o qual preside tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de tal modo que, ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele que falou.” (*)

A livraria Alcalá, que tem uma notável colecção de documentos cristãos primitivos, publicou o breve texto do século II numa edição bilingue anotada e comentada por Isidro Pereira Lamelas. Não se assustem com o carácter erudito da edição, porque vale a pena mergulharem na voz original do cristianismo, quando ela era ainda fresca e pura e “falava”, por cima das diferenças, com um pagão de boa vontade e crente nos seus deuses. Em poucos textos como este se percebe a força e o impacto que a nova religião, vinda do judaísmo, teve no mundo clássico greco-latino.

(*) Uso uma tradução diferente porque no momento em que escrevo não tenho o “meu” Diogneto ao lado.

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© José Pacheco Pereira
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