ABRUPTO

24.4.05


NOTAS PROVENÇAIS: O ATELIER DE CÉZANNE

Há muito tempo que não voltava a este lugar, um dos meus sítios íntimos. Lá está tudo quase na mesma: a mesma cadeira de lona a desfazer-se, a mesma caveira, as mesmas reproduções de Delacroix, as mesmas paletas, os mesmos objectos das mesmas naturezas mortas. A pintura da escada está diferente, o jardim está naturalmente diferente, mas tem o mesmo ar meio abandonado. Algumas coisas estão piores: por detrás das árvores e das sebes percebem-se as urbanizações modernas, mesmo ao lado.

A língua dominante continua a ser o inglês com sotaque americano. Não admira, Cézanne foi e é muito estimado pelos americanos e a estes se deve a preservação do atelier. A história da salvação do edifício e do seu escasso conteúdo, é um exemplo fabuloso da incúria burocrática francesa e da dedicação de meia dúzia de americanos que, contra tudo e contra todos, compraram a casa e depois queriam dá-la aos franceses... que não a queriam receber.

Mas se há simples sala que nos ajude a repousar ou a perturbar no génio de Cézanne é esta sala cinzenta, iluminada por todos os lados, desenhada pelo próprio pintor, com a Montanha de St. Victoire a ver-se ao fundo e a catedral de Aix. As laranjas e as maçãs secam e apodrecem, mirram e desaparecem no meio do bolor. Não sei com que critérios as mudam. Mas é o olhar de Cézanne que nos faz vê-las assim, como formas dentro de formas, para além da estrutura exterior, do brilho, da cor, o mesmo olhar que Bracque e Picasso levaram mais longe, mas a partir daqui. Desta sala.

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© José Pacheco Pereira
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