O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O "MODELO NÓRDICO"
Outra coisa que me assustou, aqui a 3500km de distância, foi a declaração de Sócrates numa conferência do DE há uns dias, defendendo o chamado "modelo nórdico" de Estado-social. Eu ainda admito que o português comum, menos avisado, ainda acredite que se vive nos países nórdicos como há 30 anos, mas quem (ao que tudo indica) vai ser o próximo primeiro ministro de Portugal tem obrigação de estar melhor informado e de já ter percebido que os países nórdicos (sobretudo o maior deles, a Suécia) andam há dez ou vinte anos a tentar livrar-se do famoso modelo que, como se diz em bom português, foi "chão que já deu uvas" (e nem sei se deu muitas...). Comprovou-se que era insustentável, e se tornava cada vez mais insustentável. Ser agora defendido para Portugal é prova de que se mantém o desfasamento do país relativamente à Europa, ou da mais completa hipocrisia por parte do futuro primeiro ministro. Qualquer das hipóteses é preocupante.
(Madalena Ferreira Åhman)
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Subscrevo as preocupações da leitora Madalena Ferreira Ahman relativamente ao denominado "modelo nórdico" de José Sócrates. Apesar de nunca ter vivido na Suécia, conheço bem a Holanda (país que chegou a ter um "estado social" comparável) onde vivi cerca de trinta anos. No entanto, e da mesma forma do que na Suécia, a sua sustentabilidade começou a ser posta em causa na década de oitenta. O problema é que Portugal (os portugueses) nunca chegaram a conhecer um sistema social (welfare state) comparável a qualquer dos países nórdicos, pesem algumas das medidas introduzidas no pós 25 de Abril. Ou seja, o que os países nórdicos fizeram e já começaram a "desmantelar", ainda hoje é infinitamente superior ao tímido sistema social português. Donde, os portugueses, não podem sequer acabar com algo que mal começou...resta acrescentar que, para além do modelo económico, os paises nórdicos tem ainda uma coisa chamada "ética protestante", que não explicando tudo, ajuda bastante...basta ler o Max Weber e a "ética protestante do capitalismo" para percebermos a razão de avanço de uns e o atraso de outros...
(Rui Mota)
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A razão de evocação do referido modelo por J. Sócrates terá origem num livro denominado "O Futuro da Europa Social"( 1ª ed. Set 2000, Celta Editora ), da autoria de Maurizio Ferrara, Anton Hemerijck e Marin Rhodes, livro que nasce de uma solicitação do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, sendo ao tempo ministro Eduardo ferro Rodrigues, enquadrado na presidência da União Europeia, no âmbito do Trabalho e Assuntos Sociais. Naquele são referidos os quatro modelos de estado-providência considerados pelos autores, a saber: nórdico, anglo-saxónico, continental e de sul. É particularmente constatado que o elevado nível de apoio às políticas sociais - na tradição e cultura "folkhemmet": o Estado-providência é a "casa do povo" - têm sido objecto de reformas, direccionadas para a resolução de problemas concretos , sem controvérsias de fundo em torno de perspectivas e cenários alternativos. Acrescenta que as reformas dos anos 90 conduziram a uma retracção do modelo escandinavo e a uma reorganização do sistema de incentivos. mas logo refere que a arquitectura que lhe está subjacente permaneceu em larga medida intacta, mostrando que um Estado-providência avançado e universalista não é uma desvantagem quando surge uma crise económica repentina e inesperada. O problema essencial que apresentam será de "flexibilidade", ou seja, poucas condições para uma expansão de serviços privados no extremo inferior do mercado de trabalho. As despesas sociais em 1995, para Suécia, Dinamarca e Finlândia eram ,respectivamente: 33%; 32,1%; 32%. A tributação, em % do PIB era de: 53%; 52%; 47%. No mesmo período , os indicadores médios para a UE a 15 eram, respectivamente, 26% e 43%. Os níveis de apoio social do Estado-providência escandinavo continuam elevados, mesmo sofrendo alguns cortes desde as primeiras reformas em 1991-92, mas as razões que na generalidade são aceites como boas para justificar a capacidade interventiva do estado na diminuição da exclusão social e reintegração do cidadão na vida activa e em sociedade são as seguintes: elevado nível de igualitarismo económico na população; baixíssimos níveis de clientelismo e corrupção; predominância de programas "welfare" de aplicação geral, não descriminatórios. A principal fonte de receita dos países escandinavos são os impostos. Estamos a falar de economias de elevada capacidade industrial e, mais importante, de produção e exportação de produtos com componente tecnológica avançadíssima. Em suma, indústria de ponta. Estaremos acaso em condições, em Portugal, de preconizar a aplicação de um modelo semelhante, quando nem a vizinha Espanha tem condições para o fazer? (para não falar na França ou Alemanha).