ABRUPTO

16.1.05


PARA UMA ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO(6): A ABJURAÇÃO DE PEDRO (EVANGELHO DE MATEUS)

"Ora, Pedro estava sentado fora, no pátio; e aproximou-se dele uma criada, que disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes.
E saindo ele para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o nazareno.
E ele negou outra vez, e com juramento: Não conheço tal homem.
E daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Certamente tu também és um deles pois a tua fala te denuncia.
Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E imediatamente o galo cantou.
E Pedro lembrou-se do que dissera Jesus: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente."


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Duas criadas denunciam Pedro. À primeira denúncia ele nega. À segunda ele nega e jura. À terceira ele nega e jura e fala de forma diferente. Porque o terceiro denunciante de Pedro diz-lhe “também és um deles pois a tua fala te denuncia”, ou seja, por acompanhar Cristo, Pedro passou a falar diferente. Por isso a terceira abjuração é o cúmulo da traição: Pedro nega, jura e “pragueja”, ou seja muda a língua, torce a língua, para convencer os outros da sua traição. Pedro subiu, degrau a degrau, a escada da traição e quando no fim disse “não conheço esse homem” , o galo lembrou-lhe que também na negação se deixaria de conhecer a si mesmo. No último momento, Pedro não quis perder-se de Pedro e “chorou amargamente”. Poucas histórias nos evangelhos são mais poderosas do que esta.

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O que salvou Pedro foi lembrar-se. A sua traição foi completa mas durou pouco. Se tivesse durado mais, ter-lhe-ia poluído a memória e Pedro estaria perdido como Judas. A memória salva da traição.

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© José Pacheco Pereira
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