ABRUPTO

1.12.04


NOTAS DA CRISE DA INCUBADORA

Assisti a uma série de debates sobre a situação política com alguns dos mais importantes jornalistas portugueses na SIC Notícias. São pessoas bem informadas, conhecedoras e quase todas capazes na sua difícil profissão. São jornalistas do topo da profissão. Muito do que discutiram foi sensato, mas falta qualquer coisa, em grande parte porque abunda outra: o cinismo. A forma peculiar do cinismo dos jornalistas que comunica mas não é semelhante à descrença dos portugueses com os políticos.

Talvez do longo convívio com os políticos – estes jornalistas fazem parte de uma pequena minoria dos portugueses (os outros são os políticos) que passam o dia inteiro a falar de política – nasça uma parte importante desse cinismo. Desconto já os seus posicionamentos políticos, que se percebem com clareza. Não é daí que vem o mal. É do cinismo.

O cinismo gera um grande conservadorismo nas análises. O cinismo leva-os a valorizar a continuidade, a esbater as diferenças e o resultado é que as suas análises resultam pouco dinâmicas. Existe a tendência para enunciar aquilo que chamei no passado o argumento hegeliano: o que está tem muita força. (Seria aliás interessante ouvir o que os mesmos jornalistas disseram quando se constituiu o governo Santana Lopes para ver como o que previram esteve longe de acontecer. Uma das linhas de raciocínio foi “vão ver como Santana Lopes vai ser diferente do que foi até agora…” Viu-se.)

Um exemplo que me parece típico foi a forma abstracta como analisaram a próxima campanha eleitoral, com PSD e PP a concorrerem separados, como se fosse possível fazê-lo sem acrimónia ou conflito, uma impossibilidade prática a não ser que o PP se queira suicidar, o que é improvável. Os efeitos da bipolarização, inevitável em campanha, estiveram também em grande parte ausentes da análise.

O papel dos conflitos internos dentro dos partidos igualmente. Por exemplo, não disseram uma linha sobre aquilo que hoje está na cabeça dos dirigentes dos aparelhos partidários, dos deputados, que não são grandes análises, nem é sequer ganhar as eleições, mas fazer as listas de deputados. Os factores de perturbação internos para uma direcção como a de Santana Lopes são consideráveis, até porque nunca assumiu esta função e é visto dentro do partido como um chefe de facção.

(Continua)

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© José Pacheco Pereira
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