ABRUPTO

11.12.04


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: "CADA UM SENTE COMO ENTENDE"

"Queixa-se finalmente a discrição – que sempre a discrição é a última em queixar-se – e tomara eu que ela tivera melhor intérprete para declarar com quanto fundamento se queixa. O maior inimigo da vida quem vos parece que será? O maior inimigo da vida é o entendimento. Tão madrasta se houve com o homem a natureza que produzindo tantos antídotos nas entranhas dos animais, dentro na alma do homem lhe criou o maior veneno. Se buscarmos a primeira origem da morte, na Árvore da Ciência pôs Deus o fruto da mortalidade: por onde os homens quiseram ser mais entendidos, por ali começaram a ser mortais. Até no mesmo Deus teve lugar esta terrível conseqüência. Houve de encarnar e morrer uma das Pessoas divinas, e porque mais o Filho, que alguma das outras? A verdadeira razão sabe-a Deus. Eu só sei que à Pessoa do Filho se atribui o entendimento, e que à Pessoa do Filho se uniu a mortalidade. Como o Verbo ab aeterno procedeu por entendimento, ab aeterno propendeu para mortal. Se isto foi em Deus, que será nos homens? Todos os homens são mortais, mas o mais entendido, mais mortal que todos. Naquela parábola das dez virgens, as bodas significam a morte, e é muito de notar que, sendo cinco as entendidas, e cinco as néscias, todas as cinco entendidas morreram primeiro. Entender muito e viver muito, ou no entendimento é engano, ou na vida milagre. A razão disto a meu juízo deve ser porque cada um sente como entende. Quem entende muito não pode sentir pouco, e quem sente muito não pode viver muito. O homem é vivente, sensitivo e racional: o racional apura o sensitivo, e o sensitivo apurado destrói o vivente."

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© José Pacheco Pereira
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