ABRUPTO

5.12.04


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA SOBRE A SUPERSTIÇÃO DOS PRESENTES

Mas que direi das ciências ou ignorâncias das artes ou superstições que os homens inventaram desde a terra até o céu, levados deste apetite? Sobre os quatro elementos assentaram quatro artes de adivinhar os futuros, que tomaram os nomes dos seus próprios sujeitos: agromancia, que ensina a adivinhar pelas cousas da terra; a hidromancia, pelas da água; a aeromancia, pelas do ar, e a piromancia, pelas do fogo. Tão cegos seus autores no apetite vão daquela curiosidade, que, tendo-se perdido na terra os vestígios de tantas cousas passadas, cuidaram que na água, no ar e no fogo os podiam achar das futuras.

No mesmo homem descobriram os homens dois livros sempre abertos e patentes, em que lessem ou soletrassem esta ciência. A fisionomia, nas feições do rosto; a quiromancia, nas raias da mão. Em um mapa tão pequeno, tão plano e tão liso como a palma da mão de um homem, inventaram os quiromantes não só linhas e caracteres distintos, senão montes levantados e divididos, e ali descrita a ordem e sucessão da vida e casos dela, os anos, as doenças e os perigos, os casamentos, as guerras, as dignidades, e todos os outros futuros prósperos ou adversos; arte certamente merecedora de ser verdadeira pois punha a nossa fortuna nas nossas mãos.

(...)

A este fim excogitaram tantos gêneros de sortilégios, como se na contingência da sorte se houvesse de achar a certeza; a este fim observaram os sonhos como se soubesse mais um homem dormindo do que sabia acordado; a este sentido consultavam as entranhas palpitantes dos animais, como se um bruto morto pudesse ensinar a tantos homens vivos. Com o mesmo apetite pediam respostas às fontes, aos rios, aos bosques e às penhas; com o mesmo inquiriam os cantos e vôos das aves, os mugidos dos animais, as folhas e movimentos das árvores, com o mesmo interpretavam os números, os nomes e as letras, os dias e os fumos, as sombras e as cores e não havia cousa tão baixa e tão miúda por onde os homens não imaginassem que podiam alcançar aquele segredo que Deus não quis que eles soubessem. O ranger da porta, o estalar do vidro, o cintilar da candeia, o topar do pé, o sacudir dos sapatos, tudo notavam como avisos da Providencia e temiam como presságios do futuro. Falo da cegueira e desatino dos tempos passados, por não envergonhar a nobreza da nossa Fé com a superstição dos presentes.

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© José Pacheco Pereira
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