ABRUPTO

15.10.04


SCRITTI VENETI: A ILHA DOS MORTOS



S. Michele in Isola. Vai-se lá pelo barco normal da carreira, junto com venezianos com ramos de flores e faces tristes, passa-se no mar por um tráfego sinistro: enterros flutuantes. A ilha não engana ninguém com o seu perfil de fortaleza, amuralhada a toda a volta, com os ciprestes em massa ultrapassando os muros. Se é assim de dia imaginem à noite e eu vi-a à noite escura, sem uma luz, uma massa negra no horizonte das águas.

No cais entra-se num mundo de silêncio, campos e campos de mortos, mais abertos e luminosos nas campas recentes e nas partes comuns, mais fechados à luz pelas grandes arvores nos cemitérios particulares de diferentes comunhões religiosas, “gregos” e evangélicos. Venezianos, italianos, estrangeiros, soldados, marinheiros, gente comum, "bambini", estão lá dormindo. No cemitério evangélico, Pound e Brodsky, marinheiros ingleses, nobres alemães. Um jogador de futebol com uma bola em pedra. No cemitério "grego", os ortodoxos, estão os russos Strawinsky e Diaghilev, a duas ou três campas um do outro, estão alguns nomes da nobreza russa, um Trubetzkoy, e uma "rainha dos helenos" , não dos gregos mas dos "helenos", numa modesta placa a um canto das muralhas.

(Strawinsky e Diaghilev. Na campa de Diaghilev estão pousados uns sapatos de dança.)

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© José Pacheco Pereira
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