ABRUPTO

5.10.04


SCRITTI VENETI 15



Em S. Michele in Isola, a ilha dos mortos, procurei Ezra Pound, que sabia lá estar. Campa a campa, não aparecia. Havia uma névoa matinal e as grandes arvores, ciprestes dos cemitérios, escondiam a luz. O verde abundante era carregado. Naquela parte da ilha não estava ninguém excepto um casal de dois homens, americanos, que também procurava Pound. Perguntaram-me se eu sabia. Não sabia. Procuramos juntos, eu fui para outra ala, onde havia marinheiros ingleses, na sua maior parte mortos no final do século XIX, as campas partidas e abandonadas. Morreram longe. Febres, naufrágios. De repente encontraram-no, pouco mais do que uma placa de pedra à face do solo, coberta de heras e folhas caídas. Fui ter com eles e um debruçou-se e, com enorme gentileza, sacudiu com a mão as folhas que tinham caído em cima do EZRA POVND. Nestes gestos simples agradece-se muita coisa, fez-se silêncio. Algum incómodo. Onde estiver, o velho poeta fascista deve ter dado pela carícia.

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© José Pacheco Pereira
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