ABRUPTO

21.10.04


POBRE PAÍS

(NOTAS PUBLICADAS NO ABRUPTO NOS PRIMEIROS TRÊS DIAS DA ERA ACTUAL (27 a 29/6/2004) PARA MEMÓRIA FUTURA E BIBLIOGRAFIA DE APOIO)


POBRE PAÍS

o nosso.

POBRE PAÍS

o nosso.
Lá vamos desperdiçar de novo o que penosamente adquirimos.
Lá vamos ter que começar tudo de novo.

POBRE PAÍS

o nosso.
Em plena Futebolândia, com os noticiários da televisão a despachar à pressa as notícias sobre Portugal, pedindo desculpa por interromperem o Euro.

POBRE PAÍS

o nosso.

Para o qual eu quero um governo que pense em Portugal em primeiro lugar, que não se importe de perder as eleições, se estiver convicto que políticas difíceis são vitalmente necessárias. Não quero uma comissão eleitoral uninominal (ou binominal) que fará tudo apenas com um fito: ganhar as próximas eleições. Porque esse será o seu programa não escrito.

POBRE PAÍS

o nosso.
Onde é vital, hoje, que não se confunda silêncio com consenso, silêncio com apatia, silêncio com ambiguidade. Está na altura de falar e falar claro, antes que seja tarde de mais. O que está em jogo é grave. É aquilo a que uma noção antiga chamava “bom governo”, a que nos dedicamos por gosto pelo nosso país, gosto pela nossa comunidade antiga, que é a única coisa que dá sentido à política.

POBRE PAÍS

o nosso,
que padece de Acédia. Acédia?
O pecado que a gente aprende como sendo a “preguiça”, para facilitar a compreensão dos jovens catequistas e catequisados. Mas o pecado mortal não é evidentemente o que chamamos “preguiça”, venial predisposição do corpo e da alma. A Acédia é outra coisa muito mais importante: é a apatia, ou a indiferença perante a prática da virtude, ou o espectáculo do mal. Sabemos que está mal, mesmo muito mal, e ficamos calados. Acédia. Vai-se para o Inferno por isso.

POBRE PAÍS

o nosso.

Há uns anos, nos momentos mais complicados de dissolução da URSS, nada funcionava na Rússia. Todos os dias de manhã, no Hotel Ukraina, o pequeno almoço era uma saga. Chegava o samovar com o chá e não havia chávenas lavadas. Chegavam as chávenas, não havia colheres. Chegavam as colheres e não havia chá outra vez. Os estrangeiros recém-chegados protestavam em vão. Os russos e os velhos habitantes do Hotel Ukraina, que já conheciam todas as rotinas, iam buscar chávenas à cozinha, acumulavam duas ou três chávenas em cima da mesa para armazenar o precioso chá, etc. Um amigo meu disse-me: “vais ver, ao quinto dia já estamos como eles, a ir buscar chá à cozinha, muito caladinhos”. Ao terceiro dia já íamos buscar chá à cozinha.

Não há nada como o hábito e como o sentimento de impotência para que se aceite tudo. Não há nada como a ecologia envolvente para se achar tudo normal. O resvalar contínuo para a mediocridade, o abaixamento dos requisitos mínimos, que antes juraríamos nunca aceitar. Que eram mesmo inimagináveis. Não, meus amigos, é na cozinha que está o chá, que estão as chávenas, que está o açúcar. É na cozinha. O que é que querem mais? Qualidade no serviço? Isso não é aqui. Nem no Hotel Rossya, do outro lado.


POBRE PAÍS


o nosso.

O abaixamento dos mínimos critérios de qualidade, vindo “de cima”, é um poderoso factor de popularidade e sucesso. No fundo, ficamos todos mais iguais, não é? E não é esta “igualdade”, o nome que se dá à inveja ressentida que tão profundamente enche a nossa sociedade?

Pensando bem não é de admirar, é o mundo de Eva Péron, a mulher que dizia que não se importava que houvesse pobres, o que a incomodava é que houvesse ricos.

POBRE PAÍS

o nosso.
Sem oposição.

*

Depois não digam que não foram prevenidos a tempo e com tempo.

BIBLIOGRAFIA

Jornais de 27 de Junho de 2004 até hoje.

Entrevista do Primeiro Ministro ao Frankfurter Allgemeine Zeitung

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© José Pacheco Pereira
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