ABRUPTO

19.9.04


PROSAICA:ABÓBORAS ALIENÍGENAS

Eu só conheço duas abóboras célebres na história, mas verifico agora, com espanto e choque, que não sei nada de abóboras. (By the way, a abóbora célebre número um é a que se transforma em coche à meia-noite e que leva a Cinderella ao baile; a número dois é aquela a que devemos muito da carreira de Richard Nixon, a abóbora onde Whittaker Chambers, membro do aparelho secreto ligado ao PC dos EUA, escondia os documentos que Alger Hiss trazia do Departamento de Estado para dar à espionagem soviética. Existe, porque a América é o que é, um "Whittaker Chambers Pumpkin Patch National Historical Landmark", que tem o recorde do menor número de visitas.)

Acontece que, num canteiro destinado a plantas mais nobres e mediterrânicos citrinos, apareceu-me uma abóbora. Deve ter nascido do nada, como a matéria. De repente, um caule rastejante com umas folhas enormes, começou a atravessar as flores, primeiro sem se ver, escondida na massa do verde, deu a volta a um limoeiro, passou junto do pé de uma laranjeira, e saiu do canteiro. Já tinha uns metros de comprido, um tamanho pouco comum para coisas rastejantes daquela dimensão. Saída para fora do canteiro, assumiu-se. Eu olhei para aquilo e pensei num velho filme de ficção cíentifica, o Dia das Trífides. Estou feito, se logo houver um cometa qualquer, não olho para ele, e rego a trífide com água do mar. Vem no livro do Wyndham.

Só que, encontrando-se ao sol, a coisa começou a crescer exponencialmente, deitando umas flores amarelas que logo desapareciam para mostrarem uma intumescência suspeita. Pensei para comigo que vida animal, ali à volta, já tinha sido. A trífide devia comer tudo o que passasse. Crescer, continuava a crescer, folhas cada vez maiores, mas a gravidade pregava-lhe algumas partidas. Quando as intumescências começavam a pesar, o caule não as suportava e partiam. O chão era pedra e não a terra do canteiro, e a rigidez do solo impedia uma acomodação que a terra mole dava. A trífide começava a sofrer pela sua ambição. Mas, sendo a selecção natural o que é, sempre há um caule mais poderoso e que resiste, até que a intumescência verde pousa no chão suportando-se. Aconteceu.

Então deu-se um processo que todos os dias mais me convence do carácter alienígena da coisa: aquilo cresce a uma velocidade não-biológica. Não-biológica terrestre. Lá no fundo do espaço não sei. Se me sentar em frente e olhar com atenção, aquilo vai-se enchendo, centímetro a centímetro, e eu vejo os centímetros a somarem-se. Oblonga, verde, pintada de ocasional amarelo, obsessiva, fascinante, imponente, estranha, a abóbora. Se continuar assim, fujo.

*

"As abóboras são mesmo assim...
(Imperdoável ;-) não haver uma terceira abóbora no seu imaginário... a gigantona de Aquilino Ribeiro). Leitura obrigatória : Mestre Grilo Cantava e a Giganta Dormia (Arca de Noé, III Classe), de Aquilino Ribeiro.
"

(Manuela D.L. Ramos)

*

Excerto de Mestre Grilo Cantava e a Giganta Dormia (Arca de Noé, III Classe), de Aquilino Ribeiro, enviado por Manuela D.L. Ramos:

«---Compadres, aquela abóbora é o meu pesadelo. Se avança mais um madinha para o meu lado ou fico sem casa ou morro lá dentro emparedado. Não sei o que há de ser de mim. “De vizinho danoso morreu Barroso”.
Os insectos quedaram recolhidos um momento a cismar no problema. E a cigarra, que é esperta e espevitada, disse:
---Tem razão, mestre grilo. Mas aqui que ninguém nos ouve, confesse lá: além do dano que a abóbora lhe faz, você tem por ela uma especial antipatia... hem, cá de dentro?
O grilo soltou duas risadinhas como que a acentuar a finura da comadre cigarra e respondeu:
--É verdade. Embirro solenemente com a pega massa. Como podem cacular vim fazer aqui a casa induzido pela beleza da flor. Tanto reluzia que disse comigo: ali , naquelas touceiras de erva tenra e serradela. Com tão esplêndido pálio de seda contra o sol, ficas que nem um mandarim da China. Sou poeta, é o meu fraco. Afinal, foi uma desilusão cruel; da flor doirada e aberta como o cálice dos senhores bispos saiu este monstro!
--Não admira-- disse uma abelha que se metera na conversa --Mestre grilo e a abóbora menina são diferentes como noite e dia. Enquanto ele é vivo, espiritual, pequenino, se desfaz em cantorias, ela queda matéria bruta: comer, comer, dormir, e mais não lhe peçam.»



*

“Também tenho uma história de abóboras na minha vida. Elas em Africa subiam pelas árvores, o fruto acomodava-se num ramo e lá crescia. Então tinhamos laranjeiras, limoeiros, etc. a dar abóboras. Eram uma boa companhia para mim, as abóboras, porque eu passei a infância em cima das árvores lá no quintal. Era eu, as abóboras e uma macaquinha de nome Chita. A mangueira era a minha árvore favorita, a maior. Só desci das árvores quando os rapazes me começaram a atrair a atenção. Mais valia ter lá ficado!"

(M.)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]