ABRUPTO

27.9.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE OS "POPULARES"

"Para o adepto das luzes, o termo e o conceito «povo» conservam sempre qualquer traço de arcaico, inspirador de apreensões, e ele sabe que basta apostrofar a multidão do «povo» para induzi-la à maldade reaccionária. Quantas coisas não aconteceram diante dos nossos olhos, em nome do povo, e que em nome de Deus, da Humanidade ou do Direito nunca se deveriam ter consumado! Mas, é um facto que, na realidade, o povo permanece sempre povo, pelo menos em determinada camada da sua índole, que é precisamente a arcaica, e que habitantes e vizinhos do Beco dos Fundidores, pessoas que no dia das eleições votavam no Partido Social-Democrático, eram ao mesmo tempo capazes de vislumbrar algo demoníaco na pobreza de uma velhinha, que não tinha recursos suficientes para pagar uma habitação acima do solo, de modo que quando ela se aproximava, pegavam nos filhos, a fim de os proteger contra o mau-olhado da bruxa. Se na actualidade se voltasse a entregar à fogueira uma mulher deste tipo, o que, com leves modificações da justificativa, hoje não é absolutamente inimaginável, eles iriam plantar-se atrás das barreiras erguidas pela municipalidade e olhariam, embasbacados, mas provavelmente não se revoltariam. Falo do povo, porém aqueles impulsos populares, de natureza arcaica, existem em todos nós, e para dizê-lo bem claramente, assim como penso, não considero a religião o meio mais adequado para reprimi-lo com segurança. Isso consegue-se, a meu ver, unicamente por meio da literatura, da ciência humanística, do ideal do homem livre e belo."

Thomas Mann, Doutor Fausto, enviado por Paulo Almeida

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© José Pacheco Pereira
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